quinta-feira, 29 de julho de 2010

PMs Acusados de Serem “Highlanders” Serão Julgados Hoje em São Paulo

Decapitação ficou conhecida como marca registrada do grupo de extermínio
Hoje, 29 de julho de 2009, às 9h30 no Fórum de Itapecerica da Serra, começa o julgamento de quatro policiais militares acusados de integrarem um grupo de extermínio conhecido como “Highlanders”, responsável por diversos homicídios ocorridos entre 2007 e 2008, na zona sul da Grande São Paulo.  O julgamento, acontece num ano em que a violência policial sofre um aumento considerável em São Paulo.  O caso dos “Highlanders” foi citado em relatório das Nações Unidas (ONU) no mês passado que concluiu que as execuções extrajudiciais cometidas por agentes públicos no Brasil continuam “em grande escala.”
 Os Highlanders são um dos inúmeros grupos de extermínio formados por policiais que atuam no estado de São Paulo, como evidenciam as recentes prisões de policiais militares na Baixada Santista. “Para além do julgamento de casos individuais, é necessário que as autoridades públicas adotem medidas permanentes de investigação e de coibição dessas práticas”, afirma Fernando Delgado, advogado da ONG Justiça Global.
 De acordo com as investigações, o grupo  “Highlanders” é composto por ao menos 14 policiais militares.  As investigações concluíram que os “Highlanders” extorquiam moradores da região, achacavam traficantes e obrigavam um grupo de jovens a cometerem furtos e roubos na região de Itapecerica da Serra.  Segundo a polícia civil, o grupo matava por diversos motivos em função do esquema de corrupção.
 Dos 12 homicídios atribuídos aos “Highlanders”, em cinco as vítimas foram decapitadas e suas mãos amputadas numa tentativa de ocultar suas identidades.  Porém, em um caso, a família da vítima Antônio Carlos Silva Alves, um portador de transtorno mental, reconheceu seu corpo torturado através de uma tatuagem, dando início à investigação que levou ao julgamento que ocorre amanhã.  Antônio Carlos teria sido visto sendo seqüestrado por policiais na noite do seu desaparecimento.
 São Paulo tem registrado aumento da violência policial em 2010.  Além de diversos casos emblemáticos divulgados na imprensa, o número total de homicídios praticados por policiais em serviço em São Paulo, registrados como “resistência seguida de morte,” cresceram mais de 33% (de 110 para 147), comparando o primeiro trimestre de 2010 com o de 2009.  Já na região da Baixada Santista, aonde grupos de extermínio tem operado desde maio de 2006, a Ouvidoria da Polícia suspeita que 34 assassinatos nos primeiros quatro meses de 2010 foram praticados por policiais membros de grupos de extermínio, mais de quatro vezes o número de tais casos registrados na região (8) nos primeiros seis meses de 2009.
 A situação é tão grave que o Ministério Público de São Paulo começou a implementar uma das recomendações da ONU, e ampliou as atribuições do seu Grupo de Atuação Especial de Controle Externo da Atividade Policial (GECEP) para possibilitar a investigação sistemática de homicídios praticados por agentes públicos na capital paulista.

Informações:
 Fernando Delgado/ Sandra Carvalho (Justiça Global): 21 25442320/87893893/82721916

terça-feira, 27 de julho de 2010

Farsa eleitoral turbina oligarquias

Fausto Arruda   

Passado o lançamento das candidaturas do partido único com seu núcleo comum programático, outras atividades se apresentam para levar em frente a farsa eleitoral. Em primeiro lugar, é administrar do ponto de vista do marketing, as residuais diferenças entre os postulantes e ganhar o maior tempo possível no rádio e na TV para repetir até a exaustão suas falsas promessas. Mas, além disso, conta muito a chamada montagem dos palanques estaduais.

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O termo palanque, na verdade, é usado de forma figurada, já que o mais apropriado seria curral. Os currais eleitorais que muitos pensam ser algo do passado, lá da velha república dos coronéis, estão bem vivos e são elementos decisivos para a definição de qual das frações do partido único ocupará a cadeira de gerente de turno da semicolônia.

O crime organizado no poder

As oligarquias estaduais, este verdadeiro cancro cuja existência vem desde os tempos coloniais, encontrou na forma federativa do Estado brasileiro o melhor invólucro para seu apodrecido conteúdo, e na farsa eleitoral o melhor caminho para sua perpetuação.

A base da oligarquia é o monopólio da propriedade da terra, o latifúndio. Este, como parte das classes dominantes em nossa sociedade, estabelece uma verdadeira rede de interesses para se locupletar, a partir de sua inserção na máquina burocrática dos municípios, com recursos públicos transferidos para seus membros, diretamente – via pagamentos de altos salários e gratificações – ou indiretamente – através do esquema de corrupção via comissões obtidas de empreiteiras e fornecedores. Desta base despontam os cabeças que serão “eleitos” para as assembleias estaduais e para o Congresso Nacional, instâncias utilizadas como plataforma para a disputa da máquina burocrática estadual (executivo e judiciário) e de fatias da burocracia da União.   

Figuras como Sarney, o finado Antônio Carlos Magalhães, Collor de Melo e Jader Barbalho, só para termos uma pequena amostra de como funcionam as oligarquias, têm em comum o fato de se apoiarem no latifúndio e seu domínio municipal e, a partir daí, ocuparem a máquina do Estado. Aí chegando, montam uma estrutura de comunicação, que serve como suporte para sua consolidação como grupo dominante na sociedade, ao mesmo tempo em que a usa como instrumento de ataque aos demais grupos de poder que porventura ousem ameaçá-los.

Há 50 anos, Sarney não tinha nada; hoje ele é o todo poderoso dos meios de comunicação e tem uma fortuna incalculável. O patrimônio da família Sarney inclui, pelo menos, quatro emissoras de TV, o maior jornal impresso do estado do Maranhão, cerca de 20 emissoras de rádio, uma ilha e diversas propriedades. Jader, de origem bastante modesta, possui fazendas, emissoras de TV, de rádio, jornal e diversas propriedades. A família de ACM também tem jornal, emissoras de TV, rádio e diversas empresas. O mesmo acontecendo com a família Arnon de Mello, pai de Collor.

Pesquisadores e estudiosos já chegaram a cunhar a expressão “coronelismo eletrônico” para caracterizar a influência dos meios de comunicação na formação dos modernos currais eleitorais. Foram exatamente Sarney e Antônio Carlos Magalhães, o primeiro como presidente e o segundo como ministro das comunicações, que patrocinaram a maior farra de distribuição de emissoras de rádio e TV em troca de votos em favor dos interesses do latifúndio, da grande burguesia e do imperialismo na feitura da Constituição de 1988. Inocêncio de Oliveira e os Coelhos em Pernambuco; os Alves e Maias no Rio Grande do Norte; Albano Franco e João Alves em Sergipe; somam-se aos já citados acima na montagem de um domínio onde o econômico, o político e o “midiático” se entrelaçam na manutenção do status quo.

Com a chegada do oportunismo ao gerenciamento do Estado, alguns ingênuos acreditavam que havia chegado a hora do acerto de contas com as oligarquias. Ledo engano, o que se viu nos dois mandatos de Luiz Inácio e principalmente na sua sucessão foi o fortalecimento da carcomida estrutura de privilégios montada em cada unidade da federação. A obstinação de Luiz Inácio em garantir a continuidade do oportunismo no gerenciamento da máquina estatal chegou ao paroxismo quando ele resolveu escancarar a sua chamada base aliada a partir das oligarquias estaduais, atropelando, inclusive, a sua própria agremiação que em muitos locais se criou em cima de um discurso antioligarca.

PT vira sublegenda do PMDB

O caso mais patético aconteceu no Maranhão, justamente o reduto de José Sarney, que colocou como condição para a aliança do PMDB em torno de Dilma, o apoio do PT à candidatura de sua filha Roseana ao governo do estado.

Manoel da Conceição, figura histórica do movimento camponês, fundador do PT e vítima da oligarquia maranhense, por ser homem de boa fé, foi vítima da traição por mais de uma vez: primeiro, quando o Maranhão era dominado pelo oligarca Vitorino Freire e Sarney apresentou-se nas eleições de 1965 como o candidato ao governo estadual com a bandeira de liquidar com a oligarquia e apoiar a luta dos camponeses, Manoel da Conceição acreditou e o apoiou. Eleito Sarney, uma de suas primeiras vítimas foi exatamente Manoel da Conceição. Atacado pela polícia, perdeu uma perna ao receber um tiro de fuzil que a estraçalhou.

Agora, como fundador do PT, Manoel vinha assistindo ao abandono do discurso antioligarca, principalmente de seu chefe Luiz Inácio, acompanhado pelos conchavos mais indecorosos com a oligarquia, mas continuou filiado ao PT. Não imaginava, porém, que a coisa chegasse a tanto e, principalmente, em seu Maranhão onde o PT, em convenção, repudiou a candidatura de Roseana. Mas aconteceu. O diretório nacional petista resolveu modificar a decisão estadual e determinou o apoio a Roseana. Decepcionado Manoel ainda enviou uma carta a Luiz Inácio, tentando reverter a situação e entrou em greve de fome. Em seu dramático apelo Manoel da Conceição acusa a traição a qual considera a pior tortura que um homem pode sofrer:
“... ultimamente eu tenho vivido as maiores angústias que um homem com minha trajetória de vida é capaz de imaginar e suportar. Receber a imposição de uma tese defendida pela Direção Nacional do meu partido e, até onde me foi informado, pelo próprio companheiro presidente, de que o nosso projeto político e social passa agora pelo fortalecimento da hegemonia da oligarquia sarneysta no Maranhão.... tudo precisa ter algum limite e tal limite é a nossa dignidade. O que está sendo imposto a nós, petistas do Maranhão, extrapola todos os limites da tolerância e fere de morte a nossa honra e a nossa história. Eu pessoalmente, há mais de 50 anos venho travando uma luta contra os poderes oligárquicos e contra os exploradores da classe trabalhadora neste país. Por conta disso perdi dezenas de companheiros e companheiras que foram barbaramente trucidados por essas forças reacionárias. Como que agora meus próprios companheiros de partido querem me obrigar a fazer a defesa dessas figuras que me torturaram e mataram meus mais fiéis companheiros e companheiras? Vocês podem ter certeza que essa é a pior de todas as torturas que se pode impor a um homem. Uma tortura que parte dos próprios companheiros que ajudamos a fortalecer e projetar como nossos representantes no partido e na esfera de poder do Estado, na perspectiva de um projeto estratégico da classe trabalhadora. Estou falando do fundo de minha alma em honra à minha história e à de meus companheiros e companheiras que foram assassinados pelas forças oligárquicas e de extrema direita neste país.”
E, mostrando sua indômita vértebra de camponês e de lutador do povo, proclama sua decisão:
“...não aceitarei sob nenhuma hipótese a tese de que nestas alturas de minha vida eu tenha que negar minha identidade e desonrar a memória de meus companheiros e companheiras que foram caçados e exterminados pela oligarquia e os detentores do capital no Maranhão, no Brasil e mundo inteiro.” Porém e infelizmente, demonstra não perder ilusões e saber tirar lições corretas de suas tão amargas experiências ao reafirmar-se entusiasta da candidatura de Dilma Roussef, patrocinada e bancada pelo mesmo esquema putrefato do qual a imposição do “fortalecimento da hegemonia da oligarquia sarneysta no Maranhão” são partes.

Só a revolução pode liquidar a oligarquia

Aqueles que, diante de fatos desta natureza, após as práticas de outros tantos até mais sórdidos que os presentes, têm alimentado alguma ilusão sobre a possibilidade de alguma transformação de fundo em nossa sociedade pela via eleitoral, precisam definitivamente abrir os olhos para ver o que está mais do que patente: que a combinação dos interesses do imperialismo com o latifúndio de velho e novo tipo e com a grande burguesia, na implementação de um capitalismo burocrático que – pela sua essência semicolonial e semifeudal – drena o resultado do trabalho de toda a nação para o exterior, cevando as oligarquias e deixando ao povo o abandono e a miséria.

Este sistema se reproduz através da farsa eleitoral ao colocar nos postos chave da burocracia estatal os elementos subservientes aos interesses do imperialismo e das classes dominantes lacaias. Não resta dúvida, portanto, que o discurso de levar adiante este engodo chamado de democracia representativa está totalmente falido.

Está, pois, mais do que na ordem do dia a necessidade da revolução democrática de novo tipo, ou seja, uma revolução que estabeleça uma nova democracia no país a partir de uma frente das classes exploradas e oprimidas por esta velha democracia bancada pelo imperialismo e defendida e vangloriada pelas classes mais reacionárias do país e pelos novos gerentes de turno do seu Estado, a “esquerda” canalha e oportunista.

Denunciar amplamente a farsa eleitoral e organizar uma campanha militante pelo boicote a estas eleições fajutas de partido único é a tarefa que está colocada para todos os brasileiros verdadeiramente democratas comprometidos com a liquidação do latifúndio e suas oligarquias, com a liquidação da exploração da grande burguesia e domínio do imperialismo.

Nesta direção devemos mobilizar, organizar e politizar a classe operária, os camponeses e as amplas massas exploradas mostrando, através de um vigoroso trabalho de agitação e propaganda, que está em curso o desenvolvimento de uma situação revolucionária no Brasil e nos países dominados. Devemos deixar claro que a crise em que o imperialismo se afunda só cobrará mais sacrifícios do povo, não deixando outra saída que não seja a revolução democrática, agrária, anti-imperialista ininterrupta ao socialismo.


Retirado do site A Nova Democracia.

domingo, 25 de julho de 2010

A privatização da segurança e a democracia nos EUA

Empresas privadas estão atuando em todos os setores que cuidam da segurança nacional dos serviços de inteligência dos EUA (cerca 70% do orçamento). Com o fim da Guerra Fria, as companhias militares privadas passaram a converter-se em soluções do mercado frente às novas tendências à privatização de várias funções governamentais. Crescimento do mercado privado de segurança anda de mãos dadas com a também crescente avaliação nos EUA de que as democracias não conseguem vencer as “pequenas guerras”, principalmente porque as exigências morais e políticas vão muito além do que a oposição doméstica está disposta a aceitar. O artigo é de Reginaldo Nasser.
Durante essa semana os jornais noticiaram a morte de três seguranças da embaixada dos EUA em Bagdá, sendo que dois deles eram de Uganda e o outro do Peru, todos contratados por uma empresa privada de segurança. De certa forma a presença desses agentes de segurança não é um fenômeno novo, mas o que é novo é a dimensão desses fornecedores internacionais de segurança privada, cujo tamanho e especialização são equivalentes, e por vezes superiores, às forças armadas de vários Estados.

De acordo com o Departamento de Estado as forças armadas dos EUA devem se retirar do Iraque até o final de 2011, entretanto, o próprio departamento tratou de solicitar ao Congresso aumento substantivo do número de empresas de segurança privada no país, além de solicitar a compra de dezenas de helicópteros Black Hawk, veículos à prova de minas, sistemas de vigilância de alta tecnologia e outros equipamentos militares. "Depois da partida das forças militares dos EUA – disse um alto funcionário do departamento - continuaremos a ter uma necessidade crítica para apoio logístico de uma escala de magnitude e complexidade sem precedentes na história.”

No dia 22 de Julho o Washington Post divulgou produto de uma investigação de dois anos, realizada pelos jornalistas Dana Priest e William Arkin, mostrando em detalhes como as empresas privadas atuam em todos os setores que cuidam da segurança nacional dos serviços de inteligência dos EUA (cerca 70% do orçamento).

Com o fim da Guerra Fria, as Companhias Militares Privadas passaram a converter-se em soluções do mercado frente às novas tendências à privatização de várias funções governamentais, além disso, há que se considerar a diminuição significativa do patrocínio político-militar das grandes potências de que muitos países do terceiro mundo beneficiavam-se. A progressiva deterioração do perfil de segurança desses Estados e a redução dos exércitos são fatores que confluem para a consolidação de um verdadeiro mercado para a presença das forças privadas.

Estima-se que o mercado dessas atividades inclua várias centenas de empresas, que geram receita anual global de mais de 100 bilhões de dólares e são frequentemente utilizadas pelos mais diferentes atores em conflitos: grandes potências, ditadores em países da periferia, paramilitares, cartéis de drogas e até mesmo as missões de paz. Essas novas modalidades têm substituído, em certa medida, a utilização de mercenários tradicionais, preenchendo o vazio deixado em situações de instabilidade em que seus empregados são contratados como civis armados e, diferentemente dos militares, operam em “zonas cinzentas” como combatentes sem supervisão ou qualquer tipo de responsabilidade perante o direito internacional. Assim podem atuar livremente promovendo assassinatos, tortura, sabotagem etc (desenvolvi esse tema no livro Reginaldo Mattar Nasser. (Org.). Novas perspectivas sobre os conflitos internacionais. 1a ed. São Paulo: Unesp, 2010)

Nesse sentido, especialistas militares e funcionários do governo passaram a valorizar cada vez mais as experiências históricas em que os EUA exercitaram um tipo de operação militar freqüentemente ignorada pela maioria dos lideres políticos que preferem “glamourisar” as grandes guerras (1ª e 2ª guerras mundiais). Argumentam que foram, justamente, as experiências adquiridas nas pequenas guerras (small wars) em que insurgentes e guerrilheiros derrotaram foram derrotados é que lhe permitem tirar lições para o momento presente no Iraque e Afeganistão. A grande maioria dessas pequenas guerras foi empreendida pelas mais diferentes razões (morais, estratégicas ou econômicas) – e não foi necessário ter um significativo apoio popular. Na verdade a opinião pública, freqüentemente, simplesmente nunca soube o que estava acontecendo a respeito, e as tropas fizeram seu trabalho mesmo quando havia oposição.

Outra característica desse tipo de guerra é que não há, necessariamente, uma declaração de guerra por parte do governo dos EUA, que podem enviar força militar ao exterior, sem qualquer tipo de declaração e, portanto sem necessidade de autorização do congresso.

Vem crescendo uma avaliação nos EUA de que as democracias não conseguem vencer as “pequenas guerras”, principalmente porque as exigências morais e políticas vão muito além do que a oposição doméstica está disposta a aceitar. Nestas guerras as elites estabelecem uma oposição muito clara entre o que o governo entende que tem que fazer para vencer e aquilo que se considera politicamente aceitável dentro das regras democráticas e da avaliação da opinião pública de outro. As democracias têm problemas em convencer a sociedade da necessidade das vítimas na luta da contra-insurgência e, assim, uma parte da sociedade exerce forte pressão sobre o Estado com criticas sobre os custos morais e políticos a respeito da conduta das forças militares estabelecendo uma competição entre a sociedade e o estado. De outro lado, o Estado responde com manipulação e censura ameaçando as regras democráticas, a oposição nega ao Estado a sustentação popular e o consenso nacional necessários para estabelecer metas uniformes nos conflitos em que sua superioridade militar é inconteste. Ora, se as democracias não podem vencer as pequenas guerras, dane-se a democracia e para isso nada mais conveniente do que a “privatização da segurança”.

(*) Professor de Relações Internacionais da PUC/SP

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Haiti: sem abrigo, após seis meses

Há seis meses um terremoto de sete graus na escala Richter devastou o Haiti, o país mais pobre do ocidente, enterrando sua frágil infraestrutura. O desastre matou 230 mil pessoas e seus efeitos secundários – fome, água contaminada, aumento de preços, falta de abrigo e carência de saneamento – ainda afligem os sobreviventes. Por outro lado, aproxima-se a pior temporada de furacões em anos. Artigo de Matthew Berger, da IPS.

Matthew Berger - IPS

Em Washington, funcionários do governo analisaram a tarefa de assistência que resta pela frente. “Passamos da crise imediata e estamos começando a olhar para o longo prazo. Isto é sempre um desafio neste tipo de circunstância”, disse Cheryl Mills, conselheira e chefe de gabinete da secretária de Estado, Hillary Clinton. Mills afirmou que o principal desafio no momento é dar um teto aos desabrigados, ainda alojados em barracas de campanha. Embora a comunidade internacional tenha prometido abrigos suficientes para as 600 mil pessoas, é difícil encontrar terras para construí-los.

Mills disse aos jornalistas, no dia 12, quando completaram exatamente seis meses da tragédia, que a comunidade mundial está comprometida com os esforços para trasladar os sobreviventes para abrigos “onde possam ser alojados de forma confortável durante três a cinco anos antes de se mudarem para moradias permanentes”. Resolver este problema será “um dos maiores desafios para os próximos meses”, ressaltou. Para complicar a situação, furacões podem colocar em risco grande parte dos progressos realizados.

O Centro de Previsão Climática dos Estados Unidos informou, na semana passada, que estariam se desenvolvendo condições relacionadas com o fenômeno La Niña, que poderiam desatar tempestades no Oceano Atlântico e no Mar do Caribe no curto prazo, afetando seriamente países insulares como o Haiti. A Administração Nacional Oceânica e Atmosférica norte-americana em maio já alertava que a temporada de furacões na região seria entre “ativa e extremamente ativa”. Em 2008, o Haiti foi devastado por quatro furacões.

Em março passado, representantes de governos reunidos na sede da Organização das Nações Unidas prometeram US$ 5,3 bilhões a Porto Príncipe após o terremoto. Contudo, até agora entregaram apenas 10% desse valor. O ex-presidente Bill Clinton (1993-2001) e o primeiro-ministro haitiano, Jean-Max Bellerive, que copresidem a Comissão Interina para a Reconstrução do Haiti, reconheceram esta falta e expressaram o desejo de que o restante do dinheiro chegue logo. “Não havendo prazos confiáveis para os desembolsos, a Comissão não pode planejar, financiar projetos ou responder de forma rápida às necessidades imediatas”, escreveram em um editorial do The New York Times, no dia 9.

Ambos disseram que o Haiti tem sorte de ainda não ter sido atingido por outro desastre natural, e afirmaram que o desembolso dos recursos deve ser racionalizado. No entanto, reconheceram vários progressos. “O processo de reconstrução foi suficientemente rápido e com o alcance que muitos de nós esperavam? Não, não quando tantos haitianos continuam sem teto, famintos e desempregados. Houve progressos? Sem dúvida que sim. Mas devemos, todos os envolvidos na recuperação do Haiti, fazer mais”, afirmaram.

Mills destacou que não houve significativos focos de doenças, e que ainda há muito trabalho pela frente para garantir a saúde da população, não apenas por causa do terremoto, como também pelas más condições que já existiam antes do desastre. “A métrica da saúde (conjunto de indicadores) é muito melhor hoje no Haiti do que antes do terremoto. Isto não é necessariamente considerado uma amostra de como as coisas estão bem, mas uma constatação de alguns dos desafios com os quais se inicia o trabalho em lugares como o Haiti”, ressaltou.

A Organização Mundial da Saúde informou que 90% dos moradores de Porto Príncipe afetados pelo terremoto têm hoje acesso a serviços de saúde, contra 56% dos haitianos antes do desastre. Por outro lado, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) informou que imunizou mais de 275 mil crianças contra potenciais enfermidades mortais.

Rajiv Shah, administrador da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid), também apontou a necessidade de “ajudar melhor o Haiti a se reconstruir”. Com exemplo, citou os esforços de Porto Príncipe para capacitar trabalhadores locais em técnicas de construção, para que as paredes sejam entre duas e três vezes mais fortes dos que as existentes antes do terremoto. Apesar dos avanços, permanecem claros problemas. Enorme quantidade de escombros, lixo e esgoto ainda estão nas ruas, segundo as notícias que chegam do Haiti.

“Sabemos que enfrentamos desafios reais e importantes. Um tremendo desafio é como remover 25 milhões de metros cúbicos de escombros, que provavelmente representem 20 vezes mais que os deixados por outras tragédias, como os atentados de 11 de setembro de 2001, em Washington e Nova York”, disse Shah. (IPS/Envolverde)

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Encruzilhada no Rap Brasilis – Parte I


Dentro dos acontecimentos e comentários sobre mais uma crise no rap BR, peço licença para emitir uma opinião como observador e fazedor de rap no país e espero estar contribuindo para enriquecer a discussão, ou sei lá, ser apenas mais um que vai falar sobre assunto.
Lendo sobre a questão do SESC e dos espaços escassos, veio em minha mente um relato exposto no livro “Negociação e Conflito – A Resistência Negra no Brasil Escravista” de João José Reis e Eduardo Silva. O relato mostra uma tropa reprimindo violentamente uma festa em um terreiro, em Brotas, Bahia, isso no século XIX,  ordenado pelo juiz local.
O juiz acreditava que aquele tipo de manifestação era impulsionadora de possíveis sublevações dos escravos. E ele fica espantado ao saber que tinham os chamados crioulos – escravos nascidos no Brasil, já que eles tinham certos privilégios no trato com os senhores e também a presença de brancos no local.
Eu parto desse ponto para tentar compreender a questão da difusão da cultura da diáspora africana nas Américas  e a tensão constante tanto na questão de identidade do povo preto e a constante perseguição e repressão das elites.
As manifestações negras são sempre encaradas como subversivas, sendo o Brasil sendo constituído nesse sentido, a policia sendo direcionada para esse sentido, as leis e a própria questão comportamental dos pretos, pardos e brancos. Partindo para as manifestações culturais: A capoeira foi reprimida, o samba foi reprimido, o congado foi reprimido, o jongo foi reprimido, o candomblé foi e é reprimido. Repressão tendo como base a possível revolta do povo negro brasileiro à ordem vigente.
O Rap mesmo não sendo algo genuinamente brasileiro, mas sendo cultura da diáspora africana e sendo absorvido com maestria pelos pretos brasileiros, logicamente ia ser reprimido, mas reparem, as outras manifestações citadas, apesar de reprimidas, continuaram sendo praticadas sempre com um componente de tensão constante, mas continuaram sendo praticadas.
A aceitação foi mais ou menos estabelecida a partir do momento em que se houve uma adequação de determinados valores da elite, destacando a ideologia de pacificação e ordem, apesar de o candomblé ainda não está como um todo dentro dessa ideologia.
O rap brasileiro sempre caminhou com a tensão, até porque os pretos e pretas que se apropriaram da linguagem, não são de origem de ambientes pacíficos e ordeiros, e o rap tem essa facilidade de mostrar uma realidade que pode ser impulsionadora de mudanças significativas.
Quem quer realmente mudar? A elite não quer mudar e ela vai usar de seus recursos para não querer mudar. Além do tradicional quite bala e porrete, têm a questão  dos meios de produção, dos espaços físicos e por aí vai.
Para quem faz rap e não o enxerga como uma forma de conhecimento potencialmente alternativa e contestatória, pode pensar que essa coisa de embate com as elites é coisa de paranóico marxista. Só estou atentando que o rap é uma manifestação cultural da diáspora africana e no Brasil, sempre foi tensa essa relação.
Seja por medo de sublevação, seja pela potencialidade de auto-afirmação, seja pela possibilidade de se mostrar uma real diversidade do Brasil enquanto nação.
E não podemos tirar o rap brasileiro desse balaio. O campo é de luta constante e não é se padronizando discurso, pedindo para as pessoas serem pacificas e ordeiras em determinados espaços ou arranjando culpados dentro dos nossos que vamos ser os grandes queridinhos do público.
Já pensaram que ainda não controlamos os meios, não controlamos nossos espaços, não temos nossos meios de comunicação. E por que não temos?
Crise? Prefiro tensão e ela será constante, ainda mais eu sendo preto, estando no Brasil e fazendo rap. É isso.

 Por Fábio Emecê - Bandeira negra e H2A

Mulher na Mídia

O Controle Social da Imagem da Mulher na Mídia from Intervozes on Vimeo.

Negras são as principais vítimas de violência no Rio de Janeiro

Rio de Janeiro - A mulheres negras têm mais chance de serem alvo de violência no Rio de Janeiro, segundo constata pesquisa divulgada pelo Instituto de Segurança Pública (ISP), na semana passada, baseada em dados coletados em 2009.

O Dossiê Mulher 2010 mostra que as mulheres pretas e pardas (negras, na categoria do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) são a maioria entre as vítimas de homicídio doloso – aquele em que há intenção de matar - (55,2%), tentativa de homicídio (51%), lesão corporal (52,1%), além de estupro e atentado violento ao pudor (54%). As brancas só eram maioria nos crimes de ameaça (50,2%).

De acordo com a coordenadora da organização não-governamental Crioula, Lúcia Xavier, embora o racismo não esteja evidente nos casos de violência contra a mulher negra, está por trás de processos de vulnerabilização dessas mulheres, que as deixam mais expostas a situações de violência. Para ela, a sociedade desqualifica as mulheres negras.

”O racismo permite que a sociedade entenda que essas mulheres [negras] podem ser violentadas”, afirmou Lúcia. “Está aí a representação delas como lascivas, quentes, sem moral do ponto de vista da sua experiência sexual. Logo, acabam mais vulneráveis para essa violência”.

Em todos os crimes listados no dossiê, também chama a atenção o percentual de vítimas que conheciam os agressores. Nos casos de lesão corporal, 74% das mulheres tiveram contato com os acusados, entre os quais 51,9% eram companheiros ou ex-companheiros. Pai ou padrasto, parentes e conhecidos somaram 22,1% dos agressores.

Nas ocorrência de tentativa de homicídio, a pesquisa constatou que em 45,8% dos casos as vítimas também conheciam os agressores, assim como em 38,8% dos casos de estupro e atentado violentado ao pudor, dos quais 58,4% do total de vítimas tinha até e 17 anos.

“As pessoas que se relacionam intimamente também reproduzem essa violência simbólica do racismo”, destacou a coordenadora da Crioula.

Um das pesquisadoras responsáveis pelo estudo do ISP, a capitã da Polícia Militar Cláudia Moares, não faz a mesma avaliação de Lúcia Xavier. Para a militar, a pesquisa não traz elementos suficientes para relacionar a violência contra as mulheres negras ao racismo.

Cláudia destaca também que as mulheres brancas, em termos percentuais, sofrem quase a mesma violência que as mulheres pardas.

“Essa violência, do tipo doméstica, é democrática, afeta todo os níveis e classes sociais”, afirmou. A pesquisadora também questionou o critério de auto-declaração racial, definido pela própria vítima.

“A pesquisa não traz elementos para afirmar que a questão de raça é um fator motivador da violência. Encontramos maior distribuição [entre pretas e pardas], até porque essa cor é auto-declarada, não é estabelecida pela pessoa que fez o registro”, explicou Claudia.

Edição: Tereza Barbosa

Fonte: Agência Brasil

domingo, 18 de julho de 2010

Vídeo promocional do 5xFavela

Quatro anos depois da maior chacina, ninguém foi punido


Relatório do Conselho Regional de Medicina registra a morte de 493 pessoas por armas de fogo, de 12 a 20 de maio de 2006; segundo entidades, 47 são atribuídas ao PCC e outras 446 a policiais e grupos de extermínio. Até hoje esses crimes não foram devidamente apurados e nem os criminosos julgados, apesar do protesto dos familiares das vítimas.
 
Por Lúcia Rodrigues
 
Maio de 2006. Como um tsunami, uma onda vermelha de sangue inunda o Estado de São Paulo. Entre os dias 12 e 20, 493 pessoas foram assassinadas por armas de fogo, segundo o relatório produzido pelo Conselho Regional de Medicina com base nos laudos necroscópicos dos 23 institutos médico legal do Estado. Os números são assustadores e se assemelham aos cenários de guerra. O secretário da Segurança Pública do governo demo-tucano da época, Saulo de Castro, informou a população de que se tratavam de mortes cometidas pela organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). Hoje, sabe-se que o PCC foi responsável por 47 mortes de um total de quase 500. A maioria dos 446 assassinatos restantes é creditada à polícia e aos grupos de extermínios que agem em bairros da periferia.

Passados quatro anos, ninguém foi punido pelos assassinatos dos civis, e a quase totalidade desses inquéritos foram arquivados. Há ainda quatro famílias que procuram por seus filhos até hoje. Eles engrossam a lista de desaparecidos do país. Essa conjunção de fatores pode fazer o Brasil sentar novamente no banco dos réus da Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). No final do mês passado, uma denúncia movida por familiares de ativistas políticos que participaram da Guerrilha do Araguaia, na primeira metade da década de 70, fez as autoridades brasileiras prestarem esclarecimentos ao corpo de juízes internacionais sobre essas mortes.
 
O jurista Hélio Bicudo, que já presidiu a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, considera que o Estado brasileiro poderá ser levado novamente às barras do tribunal internacional em função do massacre praticado em maio de 2006. Ele explica que qualquer pessoa pode apresentar denúncia de violação de direitos humanos à Comissão. Se a denúncia for admitida, o trâmite seguido prevê que o Estado seja notificado para sanar essas violações. Se o país não responder em três meses, a Comissão vai à Corte, que é constituída por sete juizes, para que se manifestem a respeito. A decisão dos magistrados deve ser obrigatoriamente cumprida pelo país. “Tem valor coercitivo”, frisa.
 
Se depender das mães dos mortos no maio sangrento, esses crimes não cairão no esquecimento. Assim como as Mães da Praça de Maio, da Argentina, as brasileiras também saem às ruas para protestar contra a não punição dos culpados pelas mortes de seus filhos. Além da coincidência do mês de maio na história dessas mulheres (lá em função de se reunirem na praça que carrega no nome a data da independência Argentina e aqui porque perderam os filhos nesse mês), as mães brasileiras e argentinas têm outra semelhança fundamental: viraram militantes da causa dos direitos humanos depois que seus filhos foram assassinados pela repressão.

Essas mulheres transformaram a dor e a revolta da perda em indignação e força para continuar lutando. Débora Maria da Silva, que preside a Associação de Amparo a Mães e Familiares de Vítimas da Violência e exemplifica a garra dessas guerreiras, virou referência na luta contra a violência estatal. Ela é convidada para participar de debates, inclusive, em universidades. A mulher que trabalhava como vendedora autônoma se transformou em ativista dos direitos humanos. O microfone não a intimida.
 
Luta por justiça
No último dia 13 de maio, quando foram lembrados os mortos do maio sangrento, durante um ato no centro de São Paulo, Débora fez um discurso emocionado e contundente. “O meu filho era um gari, o exemplo do trabalhador assalariado. Não entregou o atestado médico de uma cirurgia que fez na boca, e que levou 15 pontos, com medo de perder o emprego. Um Estado que tinha o dever de nos dar proteção, e que é pago com nossos impostos, abate nossos filhos. A pena de morte foi decretada como se nossos filhos fossem lixo”, protestou.

A federalização das investigações dos crimes é a reivindicação dessas mães, que acreditam que assim conseguirão elucidar essas mortes. Durante o ato, em São Paulo, elas assinaram o pedido que será encaminhado pelo defensor público do Estado, Antonio José Mafezzoli Leite ao procurador geral da República. Para que os crimes possam passar para o âmbito das investigações da Polícia Federal, será preciso que o procurador acate a solicitação da Defensoria e a encaminhe ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Essa é a única forma para se conseguir a entrada da Polícia Federal no caso. Além da Defensoria Pública e das mães e dos pais, assinam solidariamente o pedido de federalização das investigações, as entidades não governamentais Justiça Global e Associação dos Cristãos para a Abolição da Tortura (Acat – Brasil).

Lúcia Rodrigues é jornalista
luciarodrigues@carosamigos.com.br

sábado, 17 de julho de 2010

15/07/2010 - 18:39 - Informe nº 922: Lideranças se unem contra processo de criminalização na Bahia


fonte: CIMI
Desde a prisão da importante liderança Tupinambá da comunidade Serra do Padeiro, município de Buerarema (BA), Rosivaldo Ferreira da Silva, conhecido como cacique Babau, os indígenas do sul do estado vivem amedrontados e trancafiados em suas aldeias. Os alunos da comunidade estão sem ir às aulas (de ensino médio) desde março, mês em que a Babau foi levado de sua casa pela Polícia Federal durante a madrugada.

Têm sido constantes as ameaças de fazendeiros, pistoleiros e até de populares feitas aos indígenas. As lideranças tiveram que suspender a ida dos estudantes às escolas, pois ameaças pessoais e de incêndio ao ônibus escolar que os leva têm sido recorrentes. Jovens que freqüentavam a faculdade tiveram que suspender o curso, pois estavam sendo ameaçados dentro das próprias salas de aula.

Cansados pela espera de uma solução que nunca vem, as lideranças indígenas da região resolveram se unir e buscar respostas imediatas junto aos governos estadual e federal. Na segunda-feira, 12 de julho, cerca de 300 lideranças acamparam em espaços da Assembléia Legislativa da Bahia e da Secretaria de Justiça, em Salvador.

Eles reivindicam providências para interromper os constantes ataques de que têm sido vítimas e, que muitas vezes, são praticados pela própria Polícia Federal, orgão que deveria garantir- lhes segurança. Ainda pedem o fim do processo de criminalização da luta dos povos indígenas em busca de seus territórios tradicionais.

A luta jurídica pela soltura das lidernaças Tupínambá

Na manhã do dia 15 de julho, uma comissão de lideranças Pataxó Hã Hã Hãe e Tupinambá se reuniu com a presidente do Tribunal de Justiça da Bahia, Drª Telma Britto. Durante o encontro, eles falaram sobre o crescente processo de criminalização contra os povos indígenas do estado, situação decorrente da luta pela posse de seus territórios tradicionais. Eles demostraram à presidente a importância cultural de suas terras, que são fonte de vida material e espiritual.
Sensibilizada com a exposição dos indígenas, a presidente do TJBA entendeu da necessidade de agilizar a distribuição dos habeas corpus relacionados à luta do Povo Tupinambá que aguardavam no Tribunal, bem como de novos habeas corpus impetrados no dia de hoje, um dos quais pela assessoria jurídica do Cimi com a contribuição de Patrícia Rodrigues Santos Moraes.
A comissão conversou ainda com o juiz relator dos habeas corpus, Dr. Jeffeson Alves de Assis. De acordo com o magistrado, o primeiro HC impetrado pela Funai está com vista ao Ministério Público, aguardando elaboração de parecer. Ele afirmou que, caso o MP emita parecer até o início da próxima semana, os HCs poderão ir a julgamento na próxima quinta-feira (22).
Secretaria de Justiça
No dia 12 de julho, uma comitiva dessas lideranças se reuniu com a secretária de Justiça da Bahia, Lucina Tannue e com o subsecretário de Segurança Pública do estado, Ary Pereira. Na ocasião, Pereira propôs a realização de uma audiência pública em Buerarema para esclarecer junto à população do município esta situação, com o objetivo de por fim às práticas de incitamento contra os indígenas da região. Prática esta que tem sido encabeçada por fazendeiros e também pela imprensa local.

A estudante de direito que recentemente esteve na Conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) defendendo os direitos dos povos indígenas, Patrícia Pataxó e representantes do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), da Comissão Pastoral da Terra (CPT), do Movimento dos Trabalhadores sem Terra e do Fórum de Luta por Terra Trabalho e Cidadania da Região Cacaueira também participaram do encontro.

O subsecretário garantiu à comitiva que serão realizadas investigações para apurar as denúncias feitas por representantes da comunidade da Serra do Padeiro de envolvimento de policiais civis na tentativa de assassinato ao cacique Babau e outros representantes de sua família. Ele ainda afirmou que se necessário for um contingente de policiais será deslocado para garantir à comunidade o direito de ir e vir, já que a mesma, segundo relatos, encontra-se encurralada dentro da sua área.
Para as lideranças é revoltante observar como a Polícia Federal tem agido com as comunidades indígenas. “É preciso dar um basta nesta situação que envolve as nossas comunidades. Estamos sendo tratados como bandidos perigosos, quando os verdadeiros bandidos andam soltos por aí, aprontando e nada acontece com eles”, afirmaram.
De acordo com as lideranças há omissão na apuração das denúncias e descaso do poder público frente às reivindicações dos indígenas do estado. “O que mais nos revolta é que as denúncias são feitas, são comprovadas as irregularidades nas ações e nada é feito de concreto. Exemplo desta situação é a prisão do cacique Babau e de seus irmãos, que foram permeadas de irregularidades e mesmo assim eles continuam presos. Queremos que eles sejam libertados!”.  "Eles foram presos arbitrariamente por defender uma terra indígena que está em processo final de demarcação", disse Tainã Andrade Tupinambá. 

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Femicídios, feminicídios e impunidade


A mais recente onde de assassinatos de mulheres por todo o Brasil serão     adicionados à imensa lista de femicídios no Brasil.
Embora exista, entre estudiosas e ativistas, certa polêmica sobre a conveniência de ser utilizado o termo femicídio ( assassinatos mais ligado ao sexo-mulher)  ou o  feminicídio (assassinatos mais ligados a papéis sócio-culturais atribuído à mulheres), o que importa mesmo é que seja dada atenção especial a esse tipo específico de crime, uma vez que há fortes laços dele, com a cultura machista, existente em nosso país - e em outros.
Estudando  assassinatos de mulheres no CE, a   Profª  Maria Dolores de Brito Mota , Socióloga, da Universidade Federal do Ceará, apresenta uma classificação de feminicídios. Eis uma síntese:  
- Feminicídio passional - é o mais comum quando os assassinatos  de mulheres são  cometido por homens com os quais as  vítimas  mantinham ou mantiveram envolvimento amoroso. Os autores foram maridos, ex-maridos, companheiros, ex-companheiros, namorados, ex-namorados e até apaixonados não correspondidos;  
- Feminicídio por vingança - caracteriza- se por ser assassinato de mulheres querendo atingir também pessoas de suas relações com as quais o assassino tinha desavenças;
- Feminicídio matricida -  matar  mãe  em circunstâncias envolvendo conteúdo de gênero, em que estavam desempenhando seu papel de mãe, cuidando dos filhos para que não bebessem ou por que tinham problemas mentais;

- Feminicidio filicida -  mulheres, meninas assassinadas por seus pais em circunstâncias com conteúdo de gênero. Matar filha pequena por ter sido abandonado pela mulher a qual espancava;

- Feminicídio triangular – casos de  triângulo amoroso, onde a raiva e o ódio de uma mulher é dirigido à outra, a sua concorrente amorosa;

- Feminicídio por crueldade -  criminalidade social com  diferencial  expresso  por  intensa brutalidade, com sinais de tortura, violência sexual;
 
Embora essa classificação seja abrangente, ainda assim se pode  acrescentar:
 
- Feminicídios por nazi-fascismo: Assassinato de mulheres de uma determinada  etnia, raça, crença, profissão (prostitutas, por exemplo) , idosas,  portadoras de deficiência;
- Feminicídios homofóbicos – assassinato de mulheres lésbicas, por estarem lésbicas;
- Feminicídios por ativismo político Assassinato de mulheres por suas atividades políticas  (caso de Dorothy Stang, Margarida Maria Alves  e outras).

- Feminicídios por futilidade -  assassinatos de mulheres por misoginia;
 
A impunidade é crime
Essa frase é um tanto tautológica, mas necessária para tentar amealhar solidariedade nessa contra a violência geral e, em particular, à contra mulheres e meninas. 
É certo que assassinatos de mulheres têm recebido, ultimamente,  certa atenção da mídia , até porque um deles (em BH-MG),  foi  gravado  por câmera de segurança, o que causou um choque significativo. A vítima foi a  cabeleireira Maria Islaine de Morais, 31 anos, morta pelo ex-companheiro com nove tiros, que a ameaçava há um ano e estava enquadrado na Lei  Maria da Penha.
A  Folha de São Paulo (jornalista Mônica Bergamo, 29.03.10), publicou sobre o tema, algo como:  
“(...) resultado de  uma pesquisa apontou que, de 2003 a 2007, 51,6% dos 5.564 municípios brasileiros não registraram nenhum homicídio de mulheres. Outros, no entanto, concentraram elevado índice. Entre os mais violentos está  o município paraense de Tailândia, com média de 19,9 mortes por 100 mil mulheres, seguido de Serra (ES), com 18,6; Monte Mor (SP), com 16,3, e Macaé (RJ), com 16,1. Se esses municípios  fossem países, seriam os mais violentos do mundo para mulheres – afirma o autor da pesquisa, Julio Jacobo, que comparou os dados aos de 80 nações.Os líderes do ranking são: 1) El Salvador (12,7 homicídios por 100 mil mulheres); 2) Rússia (9,4) e 3) Colômbia (7,8). Todos têm índices de assassinatos bem menores do que os dessas cidades brasileiras (...)” .
Por outro lado, dá para perceber que  casos de femicídios têm maior repercussão midiática quando as vítimas são consideradas ´bonitas´, dentro  do padrão de beleza televisiva: geralmente  mulheres brancas (louras principalmente) , artistas, jornalistas  ou mulheres que têm status social significativo – ou ainda, quando estão envolvidos homens ´públicos´.  Assassinatos de mulheres que estão na pobreza, negras, indígenas, prostitutas (de baixa remuneração), ou em situações cumulativas, geralmente ficam sem ou com  pouca  repercussão.
A Lei Maria da Penha trouxe avanços significativos, mas ainda são poucos,  diante da cultura machista que encharca nossa sociedade. São necessárias, entre outras ações, campanhas, mais debates no sistema educacional. Por outro lado, enquanto o sistema judiciário não for suprido de mais profissionais que tenham efetivo compromisso com a  justa aplicação e distribuição de justiça, mais longo será o caminho para a conquista da  equidade entre  homens e mulheres.
Em persistindo situações onde um assassino é preso, mas logo é solto, um dia teremos de buscar, entre outras providências, a criminalização da impunidade.  
 
Nilma Bentes: Ativista do movimento negro e de mulheres, uma das fundadoras do CEDENPA-Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará, representante do mesmo na Articulação de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB) , na Coordenação Nacional de Entidades Negras (CONEN) e em outros espaços.

terça-feira, 13 de julho de 2010

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Novo ataque sinistro e venenoso contra Mumia Abu-Jamal

Neste ano, 2010, as manobras para matar o jornalista revolucionário afro-americano Mumia Abu-Jamal está se acelerando num ritmo alarmante. Como se não bastasse que, em janeiro, a Suprema Corte dos Estados Unidos revogasse a anulação da pena de morte dele e que procuradores na Filadélfia apresentasse o seu argumento inicial para executá-lo, ademais de um clima de linchamento na Filadélfia com a intensa promoção da estréia (em 21 de setembro) do documentário anti-Mumia “Do cano de uma arma”, agora há um novo ataque sinistro e venenoso contra Mumia Abu-Jamal. E você pode imaginar de onde vem esta ofensiva? De certos líderes do movimento para a abolição da pena de morte nos Estados Unidos!
O Comitê Internacional de Amigos e Família de Mumia Abu-Jamal (ICFFMAJ) e a Coalizão pela Liberdade de Mumia Abu-Jamal em Nova York denunciaram publicamente esta vilania em meados de junho passado, durante o Fórum Social, em Detroit, e em outros locais.
Pessoas como Renny Cushing e Kate Lowenstein consideram Mumia como “uma ameaça ao ‘seu movimento’". Você consegue imaginar por quê? Porque estes falsos líderes abolicionistas procuram cultivar o apoio da Ordem Fraternal da Polícia (FOP) em sua campanha para abolir a pena de morte! Sim, a mesma FOP cujos policiais quase mataram Mumia na noite de sua detenção, em 1981. A mesma FOP que conduz uma campanha de calúnias contra ele e de ameaças e intimidações contra qualquer pessoa ou grupo que revele o mais mínimo apoio a Mumia, e até contra os abolicionistas da pena de morte. A mesma FOP que tem comprado juízes, promotores, deputados, senadores, prefeitos, governadores e presidentes durante 28 anos e meio para assegurar a execução de Mumia.
E quem é este homem que pretendem sacrificar? O autor de seis livros, incluindo o “Ao Vivo do Corredor da Morte”, que tem atraído a atenção internacional para os assassinatos legais cometidos pelos governos estaduais e federal dos Estados Unidos. O autor que, em seus ensaios semanais, coloca um rosto humano nas horrorosas estatísticas sobre a destruição oficial da vida. O preso político mais emblemático do mundo no que diz respeito à aplicação injusta e racista da pena de morte nos Estados Unidos. O preso político responsável pela mobilização de centenas de milhares de pessoas em oposição à pena de morte.
Em seu recente artigo "A política da morte: Puxar Mumia Abu-Jamal para debaixo do carro”, publicado no site "Isto não pode estar acontecendo" http://www.thiscantbehappening.net/node/117, o escritor Dave Lindorff disse que em 4 de março passado, Cushing e Lowenstein deixaram o IV Congresso Mundial Contra a Pena de Morte, em Genebra, na Suíça, em protesto contra a participação, por telefone, de Mumia.
Ele explica o que quase ninguém sabia, que em dezembro de 2009 estes líderes e outros - às costas dos seus órgãos diretivos e membros - tinham assinado um memorando “confidencial" dirigido aos organizadores franceses do Congresso Mundial, que afirma: "Como representantes internacionais do movimento abolicionista estadunidense, discordamos com a participação de Mumia Abu-Jamal, ou dos seus advogados no Congresso Mundial..." Os signatários descrevem-se como "membros estadunidenses do Comitê de Direção da Coligação Mundial Contra a Pena de Morte".
Segundo o mesmo, uma nota da FOP tem "anunciado um boicote de organizações e indivíduos que apóiam Mumia Abu-Jamal”, e por isso qualquer coisa que o Congresso faça para apoiar a sua causa seria "perigosamente contraproducente para o movimento abolicionista nos Estados Unidos".
Lindorff explicou ainda que ao dar conhecimento da nota para alguns membros das Mesas Diretivas cujos líderes o assinaram, as reações variavam entre a consternação e a raiva. Entre aqueles que não tinham conhecimento da nota e que apóiam Mumia Abu-Jamal estão Robert Meeropol, Bill Babbitt, Bill Pelke e Heidi Beghosian do Grêmio Nacional de Advogados, que disse: "O caso de Mumia Abu-Jamal é emblemático das falhas inerentes ao sistema de castigo capital… O fato de que ele está sendo punido por alguns líderes do movimento abolicionista mostra precisamente o que está errado com o sistema - é um sistema escravizado aos caprichos e prejuízos pessoais da polícia, procuradores, juízes e jurados…”
Ao ser entrevistado por telefone, sobre as manobras secretas destes líderes e dos seus planos para conquistar o apoio da FOP, Mumia condenou firmemente os seus esforços para isolá-lo e excluí-lo do movimento abolicionista. "Eles estão fazendo um pacto com o diabo", contou ele. "Como eu sou da Filadélfia, meus instintos me dizem que devem ter recebido dinheiro de alguém, mas ainda não tenho provas disso... Esta ação secreta é uma ameaça para todo o movimento abolicionista. Estão dizendo que não deveríamos lutar, porque a oposição (à Abolição) é demasiado forte. Se você tem essa atitude, por que deveríamos ter um movimento abolicionista?”
E continuou: "Se os abolicionistas da escravatura tivessem adotado essa atitude em 1860, e se tivessem dito, bem, vamos liberar todos os escravos MENOS os rebeldes que tenham um preço sobre a sua cabeça, como Harriet Tubman e Frederick Douglass, ainda teríamos a escravatura hoje em dia".
Mumia comentou, também, que parece que o movimento abolicionista perdeu o seu norte e que deveria ser mais amplo para refletir a população dos corredores da morte dos Estados Unidos, onde quase todos são pobres e onde 53% dos presos condenados à morte não são brancos.
Neste momento crítico, mostre o seu apoio à liberdade de Mumia Abu-Jamal.
Ajude a organizar uma concentração em frente à embaixada ou consulado estadunidense ou outro local apropriado em sua cidade.
Participe das atividades de coleta de assinaturas e de divulgação em praças públicas.
Organize uma projeção do filme “In Prison My Whole Life" ou um evento cultural em sua escola, local de trabalho ou outro espaço. Para adquirir uma cópia do filme com legendas em castelhano escreva para: a_n_a@riseup.net
Ajude a divulgar os seus escritos.
Para pressionar Barack Obama a tomar medidas a favor de Mumia:
Para pressionar o procurador federal Eric Holder a abrir uma investigação sobre as violações dos seus direitos:
Fonte: Amigos e amigas de Mumia Abu-Jamal - México
Tradução > Liberdade à Solta
agência de notícias anarquistas-ana
lua alta
céu claro
o som da folha caindo
Alexandre Brito

domingo, 11 de julho de 2010

Copa: futebol, racismo e política

Quando Lúcio, o aplicado capitão da seleção canarinho, leu mensagem condenando o racismo antes daquela fatídica partida contra a Holanda, talvez não pudesse medir o grande alcance de seu gesto, que nos obriga a recuperar um fase da história recente. Condenar ali mesmo o racismo era imperioso pois era respeitar aquele povo e também alertar para as novas expressões racistas que estão se projetando em outros países, inclusive países que estavam ali disputando o certame. O artigo é de Beto Almeida.
Vai chegando ao final a primeira Copa do Mundo de Futebol realizada na África. Talvez a frustração da torcida brasileira, combinada com uma destrambelhada cobertura midiática, - que exortou sentimentos racistas contra paraguaios e de hostilidade gratuita contra argentinos - não tenha permitido compreender que o simples fato da Copa ter sido na África do Sul é uma grande vitória contra o racismo internacional e contra as grandes potências capitalistas que tentaram boicotar ou desmoralizar os africanos. Mas, sobretudo, é a vitória de um país e de um povo que sequer participou da Copa. Cuba, que ao derrotar o exército racista sul-africano em Cuito Cuanavale, Angola, para onde enviou 400 mil soldados, deu o passo fundamental para a libertação da África do Sul. “A Batalha de Cuito Cuanavale foi o começo do fim do apartheid. E isto devemos a Cuba”, disse Mandela, após ser liberado de 27 anos de prisão. A torcida mundial deveria ser amplamente informada destas verdades.

Quando Lúcio, o aplicado capitão da seleção canarinho, leu mensagem condenando o racismo antes daquela fatídica partida contra a Holanda, talvez não pudesse medir o grande alcance de seu gesto, que nos obriga a recuperar um fase da história recente. Condenar ali mesmo o racismo era imperioso pois era respeitar aquele povo e também alertar para as novas expressões racistas que estão se projetando em outros países, inclusive países que estavam ali disputando o certame.

Sob o apartheid não haveria Copa na África do Sul

O certo é que a Copa do Mundo só estava se realizando ali em território sul-africano porque milhares de seres humanos deram suas vidas contra o animalesco regime do apartheid, que com o apoio de países como Estados Unidos e Inglaterra, principalmente, massacrou de maneira cruel a pátria de Mandela. A África do Sul racista, imperialista, ditatorial, que foi recebendo sanções internacionais quanto mais crescia a resistência popular em seu interior e mundo a fora, levando-a a receber algumas sanções internacionais, jamais poderia ser a sede de uma Copa do Mundo se estivesse sob o apartheid.

Queremos, portanto, estender a oração do capitão Lúcio para fazer justiça a um povo que não estava disputando a Copa, mas que foi fundamental para que a Copa ali se realizasse para alegria e orgulho da nova África do Sul. A declaração de Lúcio tem raízes na história da solidariedade revolucionária que Cuba ofereceu á África, a começar pelo envio de médicos para a apoiar a Revolução na Argélia, onde esteve trabalhando o próprio Che Guevara.

Enquanto Mandela ainda estava preso, Cuba já estava apoiando os vários processos de libertação em território africano. Libertação que veio a receber um grande impulso a partir da Revolução dos Cravos, em Portugal, liderada por jovens capitães, muitos deles egressos das então colônias portuguesas em território africano, onde aprenderam muitas lições de dignidade por parte daqueles povos a quem deveriam esmagar. Houve capitães que mais tarde relataram que em território angolano se convenceram que a razão da história estava com os guerrilheiros angolanos. Por isso mesmo, chegavam a organizar certas incursões pelas selvas, onde deixavam deliberadamente suas armas para serem recolhidas pelos soldados do Movimento Popular para a Libertação de Angola, simulando que haviam sido desarmados, quando estavam a dizer, com aquele gesto, que apoiavam a causa da libertação africana.

Estes gestos dos militares portugueses floresceram em Cravos Vermelhos pelas ruas de Lisboa, após soarem os primeiros acordes da canção “Grândola, Vila Morena”. A razão histórica venceu! Não sei se o capitão Lúcio, na sua juventude de uma vida dedicada ao futebol, teve oportunidade de informar-se sobre isto antes de ler aquela importante declaração contra o racismo, num gesto de grandeza da nossa seleção.

Cuito Cuanavale: começo do fim do apartheid

Quando Cuba atendeu ao chamado do presidente angolano, o médico, poeta e guerrilheiro Agostinho Neto, para que enviasse ajuda militar para assegurar a libertação de Angola, conquistada em 11 de novembro de 1975, com pronto reconhecimento de Brasil e óbvia contrariedade dos EUA, abria-se uma nova página na história da África, mas também da solidariedade internacional.

A hipocrisia e a malignidade intrínseca da mídia comercial não deu a conhecer aos milhões de torcedores do mundo inteiro de olhos magnetizados no televisor uma linha sequer desta luta heróica para derrotar o apartheid e permitir, afinal, não apenas a libertação de Angola e da Namília, mas também de Nelson Mandela e a erradicação total do regime racista, derrotado no campo militar em Cuito Cuanavale e, mais tarde, novamente derrotado pelos votos que elegeram Mandela seu primeiro presidente da república, o primeiro com legitimidade!

Não tínhamos nenhuma dúvida da bravura e da grandeza do gesto do povo cubano ao fazer a travessia do Atlântico no sentido contrário àquela rota feita pelos navios negreiros que vieram para o Brasil e também para o Caribe, nos unindo para sempre na dor, no sangue, na música, na cultura e também no compromisso de saldar esta imensa dívida que toda a humanidade tem para com os povos africanos. Porém, Cuba decidiu pagar antes de todos e para lá enviou 400 mil homens e mulheres, negros e brancos, inclusive a brancura da filha de Che Guevara, que também já havia lutado em Cabinda, enclave angolano próximo ao Congo. O médico brasileiro Davi Lerer estava exilado em Angola naquele período, ensandecido de solidariedade e de compromisso com a libertação angolana. Foi quando começou a perceber que alguns dos feridos de guerra por ele tratados, falavam espanhol. Era fruto da Rota do Atlântico feita no sentido contrário, no sentido da libertação. Todos devemos à Mama África. Mas, só Cuba teve a audácia de pagar esta dívida com armas nas mãos!

Armas nucleares contra Cuba

A nobreza do gesto provocou o instinto assassino das chamadas democracias imperialistas. Acaba de ser divulgado que Israel ofereceu armas nucleares à África do Sul para serem lançadas sobre as tropas cubanas no sul de Angola. Com o apoio dos aviões Migs de fabricação soviética, as tropas do exército racista da África do Sul foram enxotadas de território angolano, postas para correr também do território da Namíbia, cujas forças revolucionárias também formavam aquele formidável exército de libertação. Chegou-se a discutir nas forças de libertação a ida até Pretória!. Por isto os imperialistas cogitaram o uso de armas nucleares contra o exército cubano, pois o seu exemplo de internacionalismo proletário era por demais poderoso à humanidade! Tudo isto resultou no agravamento da crise do regime de Botha, na libertação de Mandela, no fim do apartheid, nas eleições diretas, e, por fim, na conquista da realização da Copa do Mundo, pela primeira vez, em território africano!. Vitória da humanidade, após tantas vitórias que abrilhantam a linda história de justiça da humanidade, unindo a Revolução Cubana à Revolução dos Cravos de Portugal! As armas nucleares na foram utilizadas daquela vez. Não se atreveram! Não se sabe se as utilizarão agora contra o Irã.

Racismo nos países imperialistas

A condenação ao racismo lida pelo nosso capitão, é atualíssima. Tem endereço. Depois da desclassificação das seleções dos EUA e da França, vimos pipocar novamente manifestações de racismo contra negros, imigrantes, árabes, hispânicos, sobretudo nestes dois países. Há os que considerem a França uma democracia exemplar, mas não querem prestar atenção nas declarações de Zidane, o craque da seleção francesa de origem argelina. Contrariando a tese dos acadêmicos pouco atentos, ele questiona a democracia francesa: “Eu posso ser campeão do mundo com a camisa da França, orgulho nacional, mas não posso eleger o presidente?” Agora o deselegante técnico da seleção francesa atira a culpa pelo fracasso aos jogadores de origem africana, à cultura dos bairros de periferia das grandes cidades francesas. Nenhum questionamento ao sistema político francês que é tão duramente combatido pelos jovens das periferias pobres na França, sem perspectiva de estudo ou de emprego!

Nos EUA não foi muito diferente. Buscam-se justificativas para a desclassificação, mas, as vozes racistas voltam a falar alto, sobretudo contra hispânicos, asiáticos e afro-descendentes. A gigantesca contradição política vivida pelos Eua só tende a se agravar, certamente de forma dramática, já que o presidente Obama tem sido pressionado pelo complexo militar-industrial a reforçar sua presença armada mundo afora. Já mandou mais 30 mil soldados para o Afeganistão, continua a ordenar bombardeios de povoados matando crianças e destruindo alvos civis naquele país empobrecido. Esqueceu-se das torturas de Guantânamo? Manda uma frota nuclear para as proximidades da costa do Irã. Multiplica o orçamento do Pentágono. O prêmio Nobel da Paz vai se revelando o Prêmio Nobel da Guerra e continua colecionando cadáveres e mais cadáveres!

Na linha inversa, o Brasil aprova o seu Estatuto da Igualdade Racial e cria a Universidade Lusoafricana Brasileira (Unilab), na cidade cearense de Redenção, a primeira em extinguir o escravagismo no Brasil. Lá teremos professores e studantes africanos, estudando gratuitamente. É a forma brasileira de também começar a apagar a enorme dívida que temos para com os povos africanos, como assinalou Lula. É verdade que estes dois gestos concretos nos chegam com 112 anos de atraso. Há muito ainda para caminhar, mas a linha é a de continuar a abrir espaços para que os negros sigam aumentando sua presença qualificada nas universidades, para que os Territórios dos Quilombos sejam definitivamente escriturados em nome dos remanescentes dos escravos, que as políticas públicas de habitação contemplem as necessidades da população negra, ainda alvo de desumana discriminação no mercado de trabalho, recebendo ainda os piores salários, ocupando as piores funções, e, ainda por cima, confinada à invisibilidade nos meios de comunicação, salvo as honrosas exceções da comunicação das tvs públicas e comunitárias, que registram alguma justiça racial televisiva.

Rivalidades exageradas são contra a cooperação

O mau exemplo vem exatamente das tvs comerciais. Ofendem gratuitamente ao povo paraguaio ou insuflam uma exagerada hostilidade contra argentinos, certamente, fazendo um tipo de jornalismo de desintegração, exatamente quando nós latino-americanos estamos a organizar e por em prática, por meio de vários governos, políticas públicas de integração econômica, energética, comercial, cultural educacional. Seguindo as orientações dos que querem impedir que sejamos solidários e cooperativos entre nós - por acaso, as mesmas nações imperiais que antes apoiaram o apartheid e recentemente tentaram boicotar a realização da Copa na África - cria-se um clima para uma rivalidade exacerbada, agressiva, verdadeira hostilidade, por exemplo contra argentinos e paraguaios.

Basta recordar o comportamento do capitão da seleção uruguaia, Obdúlio Varela, que ,em 1950, fez o Brasil todo chorar quando derrotarem a equipe canarinha em pleno Maracanã. Varela sentiu tanta segurança e confiança no caráter amistoso do povo brasileiro que foi comemorar a vitória uruguaia com brasileiros na noite carioca, sendo tratado com fraternidade e nobreza olímpicas pelos nosso povo. Diante de comportamento tão elevado dos brasileiros, certos narradorestelevisivos de hoje, apesar de frequência em certames internacionais, revelam-se verdadeiramente torpes e ineptos para alcançarem um padrão de jornalismo desportivo minimamente olímpico, tal como a Grécia Antiga - não a atual induzida á falência pela oligarquia financeira - legou à humanidade. Querem animalizar, embrutecer, despertar baixos instintos, estando portanto, em choque frontal com os princípios e valores que a Constituição pauta para os meios de comunicação, exigindo que sejam educativos, respeitosos aos mais nobres valores humanos e destinados à elevação cultural da sociedade.

As nações imperiais sabem perfeitamente da utilidade destas rivalidades fomentadas, muitas vezes artificialmente. Sobretudo contra povos que possuem grande potencial de cooperação entre si, como é o caso de Brasil e Argentina, cuja integração das bases produtivas poderia acelerar e encurtar sobremaneira os prazos históricos para a integração da América Latina. Por isto fazem o jornalismo da desintegração. Pela mesma razão, são incapazes, como meios de comunicação, de informar sobre o papel que Cuba desempenhou na história recente de libertação da África.

Jornalismo de integração

As nossas tvs públicas precisam fazer o contraponto. A diversificação e a pluralidade informativas, neste episódio, seriam extremamente válidas. Sobretudo se permitisse ao povo brasileiro conhecer quanta história existe por detrás da declaração contra o racismo que o capitão Lúcio fez naquele estádio repleto de sul-africanos libertos do regime do apartheid. E também conhecer quanta manipulação se faz do esporte, em nome de causas mesquinhas e anti-civilizatórias, como as que pretendem reviver o racismo e o impedimento ideológico da cooperação e da solidariedade entre os povos que tem um destino comum. O da unidade, da cooperação e da solidariedade.

(*) Beto Almeida é diretor de Telesur