Publicado no Jornal Folha dos Lagos em 30 de julho de 2009 por Rafael Peçanha
Ela já acabou com os tradicionais (e por vezes detestáveis) “abraços da paz” na Igreja Católica; já virou caso de tribunal no Rio Grande do Sul; aumentou as vendas de máscaras cirúrgicas em uma infinidade de números sem sentido. Ela é uma epidemia, mas matou menos de 200 pessoas num país de quase 190 milhões de pessoas: com vocês a gripe suína.
Mais que uma doença, a gripe suína é um fenômeno social: representa muito do que fazemos em sociedade e em nossas próprias vidas, onde o medo, ainda que justo, supera a disposição em entender. E ainda que se explique, se panflete, o mais importante é se proteger do desconhecido, do que pode acontecer de ruim:as máscaras são o grande sucesso da moda Brasil 2009. Várias cores, modelos e formatos, incluindo cursos sobre o modo de usá-la.
Há sentido: existe uma história de um país que sofre e sofreu por grandes epidemias e doenças físicas que geraram mortes, fora as doenças sociais: tráfico,crime, corrupção, isso sem falar nas doenças psicossomáticas (ainda que toda doença possa ser psicossomática) como a depressão e a síndrome do pânico...todo medo é compreensível, e louco é aquele que ataca o medo alheio para se defender do seu.
A gripe suína, enquanto fenômeno social, tem muito a ver com as relações políticas, onde o desespero, em geral, vence a prevenção – vide crises financeiras espalhadas pelos municípios. Em nossa cidade, as atitudes políticas sempre têm cara de gripe suína: todo projeto governamental, para determinadas pessoas, é tentativa de angariar votos ou lavar dinheiro. Para outras pessoas, por outro lado, qualquer articulação reivindicatória é “intriga da oposição”,apenas “para ganhar a pasta”. As picuinhas políticas da cidade são como os espirros pelas ruas: “é gripe suína! Cuidado!”, ainda que seja apenas uma alergia simples.
Numericamente, a gripe suína está longe de se tornar uma epidemia: não matou nem 0,001% da população brasileira, ainda que na Região Sul os números sejam, de fato, preocupantes. Assim, percebemos que a visão megalomaníaca não é uma característica presente apenas na nossa cidade, onde candidatos colocam em comícios um número maior de pessoas do que o que receberam de votos nas urnas; onde os empreendimentos são referências mundiais; onde qualquer projeto assistencialista é “revolucionário”; onde toda ação é modelo para o Brasil e onde toda crítica educada é tratada como conspiração.
A gripe suína, a crise financeira mundial, a morte de Michael Jackson e outras notícias que rondam nossos jornais, conversas e esquinas, por mais que pareçam diferentes, possuem algo em comum: são míticas, envolvidas por crenças. Enxergamos aquilo que queremos ver, ou que precisamos visualizar. Nesse sentido, para muitos, é muito legal, interessante e conveniente espirrar, não ter dinheiro ou ir a um enterro. E enquanto a minha máscara não chega, e para que ela não chegue nunca, eu permaneço amando. Ainda que espirre sempre. E ainda que tenha certeza que não soube dizer o que eu queria, nem fazer feliz quem precisava sê-lo.
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