sexta-feira, 18 de junho de 2010

Saramago....






"É urgente voltar à filosofia e à reflexão"

É a melhor despedida que um escritor pode ter. Leitores e amigos de todos os cantos do mundo fazem suas homenagens, compartilhando a certeza de haverá sempre muito para ler e reler. E reler, como ensinou José Saramago, é uma das armas para enfrentar a presença e o avanço da barbárie no mundo. A melhor maneira de homenagear Saramago e honrar o seu legado é mantendo suas palavras vivas, circulando pelo mundo. É essa a homenagem que a Carta Maior quer prestar neste momento, dedicando o editorial desta semana à palavra e ao exemplo de vida deixado pelo escritor português.

Editorial - Carta Maior

Assista ao vídeo da palestra feita por José Saramago no Fórum Social Mundial 2005, em Porto Alegre. (Acervo Carta Maior)

“Acho que na sociedade atual nos falta filosofia. Filosofia como espaço, lugar, método de reflexão, que pode não ter um objetivo determinado, como a ciência, que avança para satisfazer objetivos. Falta-nos reflexão, pensar, precisamos do trabalho de pensar, e parece-me que, sem idéias, não vamos a parte nenhuma”.




Esse é o último post publicado no site Cadernos de Saramago, que reproduz um trecho de uma entrevista do escritor português, que morreu nesta sexta-feira (21), à revista do Expresso, de Portugal. A frase é uma das possíveis sínteses do legado de Saramago que dedicou boa parte dos últimos anos de sua vida para denunciar o empobrecimento do mundo, da palavra e da experiência humana. Um mundo que ficou um pouco ainda mais pobre com o anúncio da Fundação José Saramago publicado hoje na página oficial do autor:

“Hoje, sexta-feira, 18 de Junho, José Saramago faleceu às 12.30 horas na sua residência de Lanzarote, aos 87 anos de idade, em conseqüência de uma múltipla falha orgânica, após uma prolongada doença. O escritor morreu estando acompanhado pela sua família, despedindo-se de uma forma serena e tranqüila”.

Na página da Fundação Saramago no Facebook, muitas despedidas emocionadas:

-Hoy parte de mi se ha ido contigo! descansa en paz – escreveu Jesus Freire.

- Un temblor que me sacudió del sueño a las 3am, me despertó dejándome inquieta y en vela. Que iba a saber yo, que el Elefante había partido en viaje. Feliz viaje Saramago y luz para tu camino – desejou Leslye Tánchez.

- «A história acabou, não haverá nada mais que contar.» in Caim by JS
Mas haverá sempre muito para reler... – consolou André Olim.

- Poderíamos dar um milhão de razões para sermos neste momento um milhão de Saramagos, mas não vamos dar nenhuma: quem queira ser Saramago, que se revele, que se junte. Ser Saramago é bom, ser um milhão de Saramagos é melhor. Obrigado, amigos – escreveram os amigos da Fundação José Saramago.

Leitores e amigos de todos os cantos do mundo partilham essas homenagens neste momento, compartilhando com André Olim a certeza de haverá sempre muito para reler. E reler, como ensinou Saramago, é uma das armas para enfrentar a presença e o avanço da barbárie no mundo. A melhor maneira de homenagear Saramago e honrar o seu legado é mantendo suas palavras vivas, circulando pelo mundo. É essa a homenagem que a Carta Maior quer prestar neste momento, dedicando o editorial desta semana à palavra e ao exemplo de vida deixado por Saramago. Honrou a vida e mostrou um dos pontos altos a que a humanidade pode chegar. Os trechos a seguir fazem parte de textos de Saramago publicados aqui na Carta Maior:

Onde está a esquerda?
"Imaginei, quando há um ano rebentou a burla cancerosa das hipotecas nos Estados Unidos, que a esquerda, onde quer que estivesse, se ainda era viva, iria abrir enfim a boca para dizer o que pensava do caso. Passou-se o que se passou depois, até hoje, e a esquerda, covardemente, continua a não pensar, a não agir, a não arriscar um passo (...)".

“(...) Já tenho a explicação: a esquerda não pensa, não age, não arrisca um passo. Passou-se o que se passou depois, até hoje, e a esquerda, cobardemente, continua a não pensar, a não agir, a não arriscar um passo. Por isso não se estranhe a insolente pergunta do título: “Onde está a esquerda?” (Onde está a esquerda?, 14/10/2008)

A não-utopia
“O único lugar que existe é o dia de amanhã, a nossa utopia é fazer alguma transformação já. Não há tempo para gastar em discussões e movimentos de mobilização que resultarão em alguma melhora na qualidade global de vida somente em 2043 ou, pior, daqui a 150 anos. Quem nos garante que no futuro as pessoas estarão interessadas naquilo em que agora estamos? Para as cinco bilhões de pessoas que vivem na miséria, utopia é nada”. (Saramago defende a não utopia, 01/02/2005)

A ilusão do mundo democrático
“O poder econômico sempre existiu, o poder político sempre esteve ligado a ele, sempre existiu um concubinato entre esses dois poderes. Mas os cidadãos estão aqui embaixo. E como eles poderiam expressar suas angústias, dúvidas e necessidades junto a este poder econômico? Em princípio, seria através do mesmo governo que serve de correia de transmissão. Mas não podemos ter qualquer esperança de que esses governos digam ao poder econômico, representado hoje pelo FMI, que as condições que vocês nos impõem são terríveis. Há um problema, que na minha opinião, é fundamental da democracia: ou ela transcende o poder da tal bolha que falei, tendo uma ação fora dela, ou vamos continuar a viver na ilusão do mundo democrático”. (José Saramago questiona a ilusão do mundo democrático, 23/08/2004)

Retorno à filosofia para salvar democracia
“Todos os dias uma comédia vergonhosa que se chama democracia é encenada. Nesta comédia, pode-se debater de tudo, menos a própria democracia. A falsidade central deste modelo reside no fato de que o poder econômico é o mesmo que o poder político. O único antídoto para reverter esse mau funcionamento da democracia é construir uma sociedade crítica que não se limite a aceitar as coisas pelo que elas parecem ser e depois não são, mas se faça perguntas e diga não sempre que for preciso dizer não. Para isso, é urgente voltar à filosofia e à reflexão” (Saramago prega retorno à filosofia para salvar democracia, 20/01/2004)
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