quinta-feira, 5 de agosto de 2010

O “Caso do Goleiro Bruno”: violência e relações de gênero

Murilo Peixoto da Mota[1]
A sociedade acompanha do sofá os desdobramentos em capítulos do caso do jogador Bruno em decorrência a sua implicação no assassinato da jovem Elisa. Apesar de o fato estarrecer a opinião pública por sua violência e frieza, traz a tona outras verdades pouco debatidas no contexto dessa história, que acaba abafada pelo roteiro policial, pela busca de culpados e audiência televisiva. A pergunta que se faz é como entender a brutalidade, a modalidade e a sofisticação das violências aplicadas contra as mulheres pelas mãos de um homem, que nada tem de aparente desvio ou patologia mental, pelo contrário, é exemplo de uma carreira vitoriosa, merece o título de vencedor pelo talento e sucesso advindo da arte de jogar que o ajudou a superar a pobreza e a situação social desfavorecida na qual se originou.
Sem entrar nos meandros dos culpados, da culpabilidade e do julgamento do goleiro Bruno o que de fato merece alguma reflexão nesse caso são os valores simbólicos da ideia de masculino em nossa sociedade e o que nele se inscreve em práticas e exercícios para a violência física contra a mulher ou o feminino.
Homens aprendem a ser homens. Significa dizer que a masculinidade deferida a ele não está na sua natureza, em possuir um pênis, mas na construção da noção simbólica daquilo que aprende a entender ser masculino diferenciando-se do feminino. Ser homem, dentro do estereótipo da ideia de masculinidade, é ser aquilo que ele não pode ser: gentil, amável, carinhoso e sensível. Em alguns contextos, inclusive, a situação vai mais longe, ou seja, tem que gostar de futebol, demonstrar agressividade, poder, força e deve estar sempre disposto ao sexo e ser bom amante. O fato de engravidar a menina também faz da parte da demonstração da masculinidade, mesmo que isso acarrete problemas, mas ostenta a subjetividade de homem heterossexual possuidor de um falo, o único capaz de penetrar, dominar e assim, também, poder ser chamado de cassete, porrete, pau etc. Usar preservativo? Isso é um mero detalhe para um garanhão à moda brasileira.
Esta ideia de homem, de masculinidade e de masculino está tão arraigada, que mais parece ser a sua pura natureza. Neste sentido, não há como pensar em mudar, pois o modelo que aprende é verdadeiro e único. Construído e ensinado pelas instituições na qual formou o seu “ser” a masculinidade e o que dela se exerce é ensinado e aprendido na família, escola, instituições religiosas ou seja, amplos aparatos ideológicos da sociedade, que adverte: - seja homem menino! Como quem diz, diferencie-se do que seja o feminino.
Em nossa cultura a posição privilegiada atribuída ao masculino tem origens sociais e culturais e é um artefato simbólico como se fosse uma lei, que concede ao homem entre outras coisas ser agente do poder, da violência e suas vítimas.   
As noções construídas sobre o que é ser homem parece se articular diretamente com a concepção de sexualidade na qual tudo se pode. Como a sexualidade masculina está para o homem como algo acima de tudo, o feminino entra para ser objeto de um jogo, um uso em prol de satisfação, o prazer e o gozo de um “eu” soberano. Assim, corpos femininos são para serem controlados, possuídos, adquiridos, comprados, consumidos como se não fossem sujeitos inseridos em relações sociais, mas apenas disponíveis para a encenação ritualizada da demonstração do poder. É neste contexto, que a experiência da orgia tão subliminarmente contada pelo goleiro Bruno e seu sorriso sarcástico em seus breves relances com a imprensa, parece cumprir bem esse papel de encenação espetacular do poder.
O crime que envolve esse jogador põe na cena pública, além do usufruto dos corpos de várias mulheres amantes a própria esposa. Em decorrência surge outro fator preponderante para o debate sobre a masculinidade construída em nossa cultura, a paternidade, que nesse caso se revela como sendo o mote do assassinato de Elisa. O não reconhecimento da paternidade comprovada do seu filho com essa jovem leva Bruno a aniquilá-la. Contudo, há duas questões: primeiro, o fato corriqueiro de um pai jovem brasileiro não querer reconhecer ou assumir a pensão alimentícia do seu próprio filho; e segundo, negar aquilo que poderia ser produto vivo advindo do corpo da mulher com quem exerceu seu poder e controle absoluto, uma garota de programa paga para o prazer e para a orgia. Parece que foi justamente esse filho o único capaz de evidenciar o sentido que o colocou enredado diante da lei, do limite e do vínculo a uma mulher pretensamente objeto, que fez parte de um jogo como “coisa de homem”. Para não se submeter a essa lei e assim por em questão o seu poder de controle foi preciso eliminar a situação matando Elisa. Matar simplesmente não, jogar seu corpo como carne, que alimenta os cães.
De fato olhar para o caso do jogador Bruno e o seu enredo como culpado no assassinato de Elisa vai além da evidência de um assassinato cruel e estarrecedor, pois põe em evidencia a reflexão sobre a construção que esta sociedade faz da masculinidade e a posição que a ideia simbólica de masculino oferece aos sujeitos sociais. 


[1] Sociólogo da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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