São ruins as últimas notícias sobre a política do novo governo para as drogas. Há sinais de que o Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, indica o caminho do retrocesso. De acordo com o Última Instância (via @rogeliocasado),
A saída de Pedro Abramovay, que desistiu de assumir a Senad (Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas) depois de ter sido “enquadrado” por defender publicamente o fim da prisão para pequenos traficantes, expôs uma inflexão do governo Dilma em uma estratégia defendida por especialistas e que já vinha sendo desenhada na gestão anterior: o uso de penas alternativas para os pequenos traficantes, que atuam no varejo sem ligação com o crime organizado, muitas vezes para sustentar o próprio vício. A ideia é diferenciá-los dos grandes “atacadistas” da droga.
As declarações do ex-secretário ao jornal O Globo, poucos dias após ser indicado para o cargo, irritaram o governo. No dia seguinte, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, desautorizou Abramovay, dizendo que aquela era apenas uma opinião pessoal dele e que o governo defendia exatamente o oposto, penas mais rigorosas para pessoas ligadas ao tráfico.
Como as declarações de Abramovay não são meramente pessoais, mas fazem parte de uma concepção que vinha se delineando no governo anterior, há fortes razões para considerarmos que estamos diante de um recuo.
Para o professor e desembargador (TJ/RJ) Geraldo Prado:
Em tempos sombrios em matéria criminal, em que grassa a confusão, na maioria das vezes deliberada, sobre o que significa o fenômeno do consumo e circulação de drogas em todo o mundo, insistir na mal-sucedida política do confronto importa em chancelar as condições objetivas e concretas do genocídio, corrupção e dominação territorial, neste caso oscilando entre quem se aproveita do “mercado negro” diretamente e quem dele tira proveito, inclusive político, de forma indireta.
[...]
O esforço visando imprimir racionalidade ao trato da questão das drogas, desenvolvido por um profissional que nos últimos anos, durante o governo Lula, destacou-se pelo equilíbrio e por buscar sempre fundamentos para as ações sob sua responsabilidade, com amplo apoio nas Universidades, Centros de Pesquisas e corporações profissionais haveria de encontrar resistência em setores da sociedade que estão sendo educados pela mídia apenas a enxergar “inimigos”, criados em verdade pela opção simplória e maniqueísta que viabiliza formas autoritárias de controle social.
Sobre a (des)educaçao promovida pela mídia é sintomático o espanto da jornalista da Globo News, Leilane Neubarth (aquela que conduziu boa parte do Tropa de Elite III – A “libertação” do Complexo do Alemão – com direito a bandeira do Brasil fincada em território inimigo e tudo), em entrevista (aparentemente encerrada às pressas) com a professora Gilberta Acselrad (a indicação da entrevista partiu do twitter de @moysespintoneto):
A reação desesperada da jornalista deixa clara a opção pela desinformação, regra na mídia tradicional. Como todos sabem, entrevistados não são convidados pelo que têm a dizer, pelo conhecimento que produziram. Mas apenas para confirmar a as versões tacanhas dos proprietários dos veículos de comunicação. Essa prática já ganhou o nome de Disk-Fonte.
Felizmente existem outras fontes de informação, NA ARGENTINA (no Brasil também, mas não resisti). O Página|12 publicou uma importante entrevista com o psiquiatra Antônio Nery Filho (via @paduafernandes).
Como já dizia a professora Gilberta Acselrad, humanos usam drogas e sempre vão usar porque são humanos. Ou seja, têm consciência e experimentam com essa consciência. De acordo com Nery, as pessoas buscam a droga por alguma necessidade. Se buscam o crack, que seria uma “droga monstruosa”, é porque têm uma “necessidade monstruosa”. Essa “necessidade monstruosa” tem a ver com a exclusão social extrema, com a falta de perspectivas, com um desalento enorme. Alguém vai dizer que pessoas de classe média também usam crack. São exceções e também se encontram em uma situação desesperadora, ainda que esse despespero não seja de natureza socioeconômica. O importante é reconhecer que são as pessoas que procuram as drogas e não o contrário. Reconhecer que sempre vão procurar as drogas, sejam elas mais ou menos aceitas socialmente, lícitas ou ilícitas.
A demonização das drogas, como se elas tivessem poderes malignos, quase uma intenção diabólica, de prejudicar as pessoas é a pior forma de encarar o problema. Drogas são substâncias químicas que interagem com a química cerebral. O que as drogas “fazem” depende de um contexto que é biológico, psíquico e social. Elas não têm poderes “mágicos”, bons ou ruins.
Nesse contexto, a criminalização só atrabalha (criminalização anda de mãos dadas com demonização, com construção de inimigos). Se o abuso de drogas é um problema, a criminalização é o agravante. Não é solução. Décadas de proibição e guerra às drogas só fizeram com que os problemas se tornassem cada vez maiores. Pessoas tiveram as suas vidas destruídas, não pela droga, mas pela prisão e pelo estigma. Os mais pobres são os que mais sofrem, pois são eles os “traficantes” (mesmo quando apenas usuários) que vão para a cadeia.
Por último, mas não menos importante, é preciso reconhecer o fato óbvio de que não é o uso que gera o tráfico. O que gera o tráfico é a proibição. Existem mais viciados em açúcar do que em qualquer outra droga. Não existe tráfico de açúcar. A relação causal entre uso e tráfico é uma associação falsa que inviabiliza o tratamento adequado do problema.
Só mais um coisa: tráfico de drogas não é necessariamente violento. A violência que acompanha o tráfico de drogas no Brasil está associada à pobreza, à desigualdade social e às disputas territoriais que envolvem traficantes, policiais, milicianos e suas intersecções.
Enfim, há sinais de que não começa bem a gestão de Cardozo na definição de políticas para as drogas.
Link Original: Sociologia do Absurdo
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