Entre os dias 22 e 24 de janeiro teve o IX Encontro Latino-americano de Organizações Populares Autônomas (ELAOPA). O evento aconteceu no interior de São Paulo, em um centro de formação do MST, e possibilitou que mais de 300 pessoas se encontrassem para trocar experiências atravessadas pela resistência popular. Foram ao encontro pessoas de muitos lugares e países, que participam de organizações bem diferentes. Lá escutamos relatos sobre os movimentos de mulheres, movimentos pelo direito à moradia, à cidade, produtoras/es de mídia independente, trabalhadoras/es de base sindical, organizações do campo, movimentações de contracultura e por aí vai.
A ideia de organizar o ELAOPA surgiu em 2003, em atividades paralelas ao Fórum Social Mundial. O objetivo principal desses encontros tem sido fortalecer o poder popular, integrando as lutas autônomas da América Latina e resistindo ao avanço do capitalismo no continente. Por isso o eixo principal desse ano foi o plano IIRSA (Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana).
A IIRSA se define oficialmente como um "mecanismo institucional para coordenar ações intergovernamentais dos doze países sul americanos, com o objetivo de construir uma agenda comum para impulsionar projetos de integração de infraestrutura de transportes, energia e comunicação." Essa iniciativa nasceu em 2000 a partir de uma reunião sediada em território brasileiro e a conclusão de sua segunda etapa de obras está prevista para o ano de 2022. A IIRSA é composta por 524 projetos que vão contar com a ajudinha de U$ 44 bilhões vindos de cofres públicos e mais U$ 35 bilhões de iniciativas público-privadas. Entre esses projetos estão previstas a construção de grandes rodovias, hidrelétricas e usinas. Alguns projetos já em andamento são parte complementar do plano IIRSA; um exemplo é o caso da usina de Belo Monte, que afetará brutalmente a região da Bacia do Xingú, no estado do Pará.No Brasil, parte dos projetos da IIRSA se apresentam através do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), carro-chefe do governo do PT, de Lula a Dilma. Ainda que as fontes oficiais não liguem diretamente o PAC com a IIRSA, em uma breve leitura dos dois projetos é possível perceber com nitidez que as obras do PAC fazem parte do plano de (des)integração sul americano. Não é a toa que o governo brasileiro dá tanta importância ao PAC, pois o Brasil cumpre hoje um papel central dentro da IIRSA. Alguns dos projetos previstos se aproveitarão de recursos naturais de países fragilizados economicamente para benefício de empresários brasileiros, como é o caso de duas usinas elétricas que serão construídas na Bolívia e no Peru para o abastecimento energético do Brasil.
Se todos os planos da IIRSA forem realizados com sucesso, metade das áreas de conservação ambiental brasileiras serão afetadas. Além do impacto ambiental, está prevista a destruição de centenas de territórios indígenas em vários países. Esses projetos megalomaníacos ignoram completamente a geografia e a cultura dos territórios sul americanos e, longe de promover uma integração real entre os povos do continente, priorizam mais uma vez a geração de lucro através do saque e da destruição. Para garantir o sucesso da implementação do IIRSA, os governos sul americanos vêm flexibilizando gradativamente suas leis ambientais e a mídia corporativista cumpre sua parte no Brasil criminalizando as tentativas de resistência das?os camponesas?es, indígenas e quilombolas, taxando-as como um empecilho infantil contra o desenvolvimento do país.
Desenvolvimento para quem?
Justamente por estar sendo implementado de maneira silenciosa, o verdadeiro objetivo do Plano IIRSA passa despercebido. As obras previstas são a base material para a implementação da ALCA. Ou seja: estão sendo feitas as modificações territoriais que possibilitam melhor escoamento de mercadorias e estabelecimento de bases militares nos países da América Latina para facilitar a criação de um livre mercado. Gradualmente estão se criando condições de uma área de livre comercio eficiente na prática. A ALCA seria a cereja do bolo, as mudanças nas legislações que permitem estas relações comerciais. E depois do grande alarde gerado na década de 90, não serão mais implementadas de maneira tão evidente; assim como as obras da IIRSA disfarçadas nestes de desenvolvimento dos países e nas obras para a Copa e Olimpíadas n Brasil.
Todas essas obras previstas serão realizadas por poderosas multinacionais que devem ser muito bem subsidiadas (pagas) com o dinheiro público, tendo um risco quase zero. Todos os governos sul ame-ricanos, mesmos os que se declaram de base popular ou progressistas, estão apoiando e financiando os projetos da IIRSA sem levar em consideração as graves consequências que esses empreendimentos terão para o meio ambiente e para as pessoas que habitam os territórios. Assim como os tratados de livre comércio como o Nafta (Acordo de Livre Comércio da América do Norte) e acordos bilaterais, a promoção desse modelo de desenvolvimento deve beneficiar a integração das grandes empresas e não dos povos.
Os acordos da IIRSA devem prejudicar também as condições de trabalho de muitos setores. Algu-mas dessas ofensivas já estão sendo sentidas no Brasil. Como parte do projeto de integração comu-nicacional da IIRSA está prevista a venda e privatização dos Correios. Durante o ELAOPA pude-mos ouvir de um companheiro que trabalha nos Correios o relato das tentativas cada vez mais pre-sentes de privatização da empresa. Há uma forte resistência na base, pois a medida deve contribuir para a precarização das condições de trabalho no setor.
Assim como nos Correios, cada iniciativa relacionada a IIRSA encontra alguma forma de resistência onde é implementada. No Peru, em 2005, os povos originários se levantaram contra a iniciativa do governo de implementar uma espécie de ALCA nacional, um Tratado de Livre Comércio entre Peru e Estados Unidos, que de certa forma complementa a IIRSA no saque de bens comuns. A resposta do Estado peruano foi absurdamente repressiva, resultando na morte de muitas pessoas. E é justamente na capital desse país, em Lima, que se planeja em 2011 uma reunião comemorativa dos 10 anos do início do projeto.
O problema é que a IIRSA tem assumido diferentes nomes por onde passa, tornando sua articulação um tanto invisível. Para quem vive realidades locais tão diferentes, com tantas particularidades, os problemas comuns se desconectam e não aparecem como um plano geral de uma só classe. Por isso a IIRSA foi escolhida mais uma vez como tema central do ELAOPA. No pouco tempo que tivemos lá, podemos perceber a necessidade dos movimentos autônomos da América Latina se unirem em uma resistência articulada, capaz de criar um poder popular tão global e articulado quanto o capital. Com o final do encontro, fica a vontade e necessidade de continuar trocando informações e, mais que isso, organizar movidas regionais articuladas continentalmente e sincronizadas com o calendários de ações da IIRSA.
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