Por Carolina Saldaña (Amigos de Mumia México)
O Agosto Negro (Black August) é um mês de resistência, reflexão e educação sobre a luta pela liberação negra e uma comemoração de figuras chave nessa luta. Também é um mês de disciplina, jejum, exercício físico e renovação pessoal para poder levar adiante a luta. A tradição do Agosto Negro começou na Califórnia, em 1979, para honrar os revolucionários que tombaram na luta: George Jackson, Jonathan Jackson, James McClain, William Christmas e Khatari Gaulden. Quem são eles?
George Jackson se fez revolucionário na prisão depois de ser encarcerado em 1960, quando tinha 18 anos, por roubar US$ 70 de um posto de gasolina. Em 1969, alguns dias depois de três de seus companheiros e mentores – W.L. Nolen, Sweet Jugs Miller e Cleve Edwards – terem sido assassinados por um guarda na prisão de Soledad, um guarda branco foi lançado de um corredor alto até o pátio central. George Jackson, Fleeta Drumgo e John Clutchette foram acusados pela sua morte e ficaram conhecidos como os “Soledad Brothers”.
George Jackson seguiu organizando os presos para que resistissem às más condições de encarceramento e publicou dois importantes livros: Soledad Brother (Irmão de Soledad - solidão) e Blood in My Eye (Sangue no Meu Olho). Ele escreve: “Tentamos transformar a mentalidade negra criminosa em uma mentalidade negra revolucionária. Como resultado, cada um de nós foi objeto de anos de impiedosa violência reacionária do Estado. Nosso índice de mortalidade é o que você poderia esperar em uma história de Dachau” [N.T.: conhecido campo de concentração nazista da 2ª Guerra]. Cabe citar que até a presente data seus livros estão proibidos em todas as prisões dos Estados Unidos. Uma estrofe na canção de Bob Dylan, “George Jackson”, interpretada magistralmente pelo grupo de reggae Steel Pulse em seu disco African Holocaust, reflete um tema principal nos escritos do revolucionário: “Às vezes vejo o mundo inteiro como uma enorme prisão. Alguns somos presos, alguns somos guardas”.
Em 7 de agosto de 1970, seu irmão mais novo Jonathan, de 17 anos, entrou em um tribunal do condado de Marín, na Califórnia, distribuiu armas aos presos James McClain, William Chistmas e Ruchell Magee, que estavam em uma audiência e, juntos, tomaram o juiz, o promotor e outras três pessoas como reféns, com o objetivo de tomar uma estação de rádio para denunciar as condições brutais nas prisões da Califórnia e fazer uma troca de reféns pelos Soledad Brothers. Entretanto, todos foram assassinados, menos Ruchell Magee, que segue como preso político até a presente data.
Um ano depois, em 21 de agosto de 1971, George Jackson foi assassinado pelos guardas durante uma rebelião na prisão de San Quintín. Três guardas e dois presos que funcionavam como guardas também morreram, e as autoridades culparam seis presos e latinos por sua morte. Eles ficaram conhecidos como “Os 6 de San Quintín”. Dos seis, o que não saiu da prisão por todos esses anos é Hugo ‘Yogui’ Pinnell, que passou os últimos 20 anos em isolamento total no centro de tortura de Pelican Bay. Mais de 2 mil pessoas assistiram ao funeral de George Jackson, incluindo sua família, amigos e militantes dos Panteras Negras como seguranças. Seu assassinato detonou a rebelião que já estava maturando na prisão de Ática, estado de Nova York, em 9 de setembro de 1971. George Jackson havia escrito em Soledad Brother: “Não quero morrer deixando como monumento apenas umas tristes canções e um montinho de terra. Quero deixar um mundo livre do lixo, poluição, racismo, estados nacionais, guerras e exércitos de estados nacionais, ostentação, intolerância, visão estreita, mil tipos de mentira e a economia usurária e licenciosa”. Depois de sua morte, Khatari Gaulden seguiu seus passos no movimento resolucionário nas prisões. Foi assassinado em San Quintín em 1978.
A tradição do Agosto Negro se inicia e se estende
O Comitê Organizador do Agosto Negro (BAOC), formado por ex-presos, deu impulso à prática de usar braceletes negros no braço esquerdo, estudar os livros de George Jackson e outros pensadores e ativistas, participar de jejuns das 6 da manhã às 8 da noite, fazer muito exercício, não consumir bebidas alcoólicas ou drogas, deixar de ver televisão e escutar rádio. Também organizou manifestações fora da prisão de San Quintín para exigir um basta às condições brutais ali. A tradição do Agosto Negro também honra todas as pessoas que tiveram um papel na longa história de resistência à escravidão e o colonialismo, tais como Nat Turner, Harriet Tubman, Gabril Prosser, Frederick Douglas, W.E. DuBois, Marcus Garvey, Paul Roberson, Rosa Parks, Martin Luther King e Malcolm X, entre muitos outros. Um bom número de importantes eventos nessa história ocorreram precisamente no mês de agosto.
Nas últimas décadas, o conceito de Agosto Negro se estendeu a outras partes do país e do mundo, com reconhecimento especial aos presos políticos que foram incriminados por sua participação em organizações como os Panteras Negras, República da Nova África, Movimento de Ação Revolucionária, MOVE, e o Exército de Liberação Negra /Nova Afrikana. Pelo menos cinco deles morreram na prisão: Kuwasi Balagoon, Merle África, Albert ‘Nuh’ Washington, Teddy ‘Jah’ Heath e Bashir Hameed.
O agosto é mais negro em 2011
Este ano se rende homenagem a quatro companheiros que regressaram aos antepassados: o poeta e músico Gil Scott Heron e três ex-Panteras Negras que viviam no exílio – Michael ‘Cetewayo’ Tabor, Don ‘D.C.’ Cox e Gerónimo Ji Jaga Pratt.
O Agosto Negro de 2011 também se comemora no contexto das greves contra a escravidão e a tortura nas prisões de três estados americanos durante o ano pasado: Georgia, Ohio (Lucasville) e California (Pelican Bay). Enquanto as rebeliões em Ática e mutias outras prisões dos Estados Unidos no fim dos anos 60 e início dos 70 ocorreram em meio a um período de intensa luta, em que muitos ativistas se encontravam nas prisões, as greves de hoje acontecem em um período de lutas fragmentadas em um sistema carcerário dez vezes maior, onde as pessoas percebidas como “revoltosas” são mantidas (ou foram mantidas por longos períodos) em isolamento.
Ainda que a greve de fome iniciada em Pelican Bay, Califórnia, tenha sido suspensa em 20 de julho, depois de chamar a atenção do público para as práticas de tortura e degradação nas unidades de controle, Todd Ashker, do coletivo Short Corridor (Corredor Curto), diz em um comunicado escrito em 24 de julho que, se não houver mudanças significativas em pouco tempo, os presos pensam em recorrer à greve de fome outra vez. Haverá uma grande mobilização, em Sacramento, no dia 23 de agosto, o dia em que se convocou uma audiência sobre as demandas dos presos no Legislativo estadual.
O San Francisco Bay View reportou em 4 de agosto que vários presos telefonaram para o jornal para dizer que nunca abandonaram a greve de fome. Entre eles está Bobby Dixon, do Partido Pantera Negra Nova Africana (NABPP), que afirma que em Vacaville estão propondo aos presos comer uma só vez por dia durante agosto e observar um jejum total nos dias 7 e 21 para cumprir o Agosto Negro. Dixon expressa solidariedade com os presos que fizeram greve trabalhista nas prisões da Geórgia em dezembro passado e lembra o assassinato, pela polícia, do jovem Oscar Grant, na estação de metrô BART, bem como a execução no Texas, em 2006, do ativista Hasan Shakur, apesar de sua inocência. Sua mensagem? "Não temam a liberdade".
Outro aspecto da realidade atual é o aumento dos protestos contra o terror policial em San Francisco, Oakland, Detroit, Pittsburgh, Filadelfia e outras cidades. As mais recentes vítimas são dois jovens negros:
Johntue Caldwell foi assassinado com um só tiro em 15 de julho enquanto entrava em seu carro. Era o melhor amigo de Oscar Grant e testemunho de sua morte. Em conjunto com amigos, havia ingressado com uma ação pedindo $5 milhões de dólares contra a polícia do trem BART;
Kenneth Harding foi assassinado com seis ou mais tiros nas costas em 16 de julho, enquanto a polícia de San Francisco o perseguia por não haver mostrado um comprovante de pagamento de US$ 2 para entrar no metrô. Houve muitos testemunhas na comunidade negra de Bay View-Hunters Point que disseram que ele não tinha arma e não disparou contra ninguém, como alega a polícia.
Cerca da metade dos presos políticos nos Estados Unidos são oriundos da luta pela liberação negra, segundo a conta nas páginas do Movimento Jericó e Cruz Negra Anarquista, e nem sequer um deles foi liberado no ano passado, apesar de cumprir todos os requisitos para sair em liberdade condicional. Talvez o caso mais conhecido seja o dos “9 do MOVE”, que não saem porque não expressam remorso por algo que não fizeram, mas também há muitos outros casos de liberdade condicional negada por pretextos parecidos, como os de Veronza Bowers, Sundiata Acoli, Jalil Muntaqim, Robert Seth Hayes, Marshall Eddie Conway, Sekou Odinga, Dr. Mutulu Shakur e Herman Bell, asssim como o de companheiros de outras lutas, incluindo o indígena Leonard Peltier e o independentista portorriquenho Oscar López Rivera.
É comum que presos políticos, sempre e quando não sejam mantidos em isolamento total, ajudem os presos jovens, dêem aulas de diferentes tipos, promovam o desenvolvimento de uma consciência social e ajudem a resolver problemas entre quadrilhas nas prisões. Em vários casos, a perseguição contra eles aumentou durante o ano passado, como no caso de Leonard Peltier, que agora está no “buraco”, e Jalil Muntaqim, recentemente transferido a Ática, onde agora lhe fabricaram uma acusação de “formação de gangue”. No caso de Mumia Abu-Jamal, as autoridades aumentaram seus esforços para conseguir realizar sua execução [N.T.: o jornalista e ex-Pantera Negra está no corredor da morte, pelo assassinato de um policial, crime que ele nega]. Espera-se uma decisão da Suprema Corte para seu caso em um futuro próximo.
Eventos para comemorar o Agosto Negro 2011
Em Washington D.C., o saxofonista Bilal Sunni Ali tocou em 5 de agosto em um evento organizado pelo Comitê de Planejamento Agosto Negro (BAPO), para arrecadar fundos para o preso político Sekou Odinga e também em tributo a Gerónimo ji Jaga e ao líder da Midnight Band, com a qual Bilal tocava nos anos 70 – Gil Scott-Heron. Bilal, que evitou a prisão política no início dos anos 80, é cidadão da República da Nova África e foi nomeado Embaixador em Belize da Associação Universal para o Progresso Negro (UNIA), fundada por Marcus Garvey em 1914.
Em 27 de agosto o BAPO fará uma peregrinação desde Washington DC até Richmond, Virginia, para comemorar a rebelião de escravos organizada por Gabriel Prosser em 1830. Viajarão até o Rio James, onde os navios negreiros atracaram e seguirão a rota até o lugar de comércio e o cemitério de escravos. Também participarão do festival ‘Happily Natural’, que se organiza em Richmond. Em Atlanta, os amigos e familiares do Dr. Mutulu Shakur celebraram conferências e palestras em tributo a Geronimo Ji Jaga entre 5 e 6 de agosto, e o Malcolm X Grassroots Movement (MXGM) e a SOS Produções fizeram um tributo musical ao Dr. Mutulu Shakur, com a música de Brother J, [do grupo de rap] X Clan, [formado por] S A Roc, Zayd Malik, Queen Sheba, Abyss Graham, Sol Messiah, Tahir RBG e DJ Yah Quan.
Na Filadelfia, se exigiu liberdade para Mumia Abu-Jamal e “os 9 do MOVE”, que foram honrados na Celebração do Dia da Independência Africana, 6 de agosto, no Parque Malcolm X-Betty Shabazz. Cabe lembrar que os homens e mulheres do MOVE estão na prisão desde 8 de agosto de 1978, quando 500 policiais atacaram sua casa coletiva na Filadélfia para logo acusar os integrantes do MOVE da morte de um policial que morreu em fogo amigo.
Em Denver, a Cruz Negra Anarquista ofereceu uma refeição com a participação do ex-preso político e Pantera Negra Robert King Wilkerson, dos “3 de Angola”, e o escritor, professor e ativista do Movimento Índio Americano Ward Churchill. Os donativos irão para o Dr. Mutulu Shakur. Os dois companheiros de King – Albert Woodfox e Herman Wallace – estão em isolamento há 39 anos por motivos expressados publicamente pelo diretor da prisão Angola, Burl Cain, e o procurador do estado da Luisiana James “Buddy” Caldwell. Dizem os ilustrados defensores da lei e da ordem que se permitem que esses homens “perigosos” andem soltos pela população geral, seguramente estarão praticando “o panterismo negro”.
Em Nova York, o MXGM e outros grupos estão organizando um Leilão de Arte, um Festival de Cinema e um show de hip-hop com os seguintes grupos: Les Nubiens, Saigon, Hasan Salaam, Mike Flo, The Reminders, Kalae All Day, Supa Nova Slom, Nena Z e Faro Z. Cabe lembrar que a nível internacional, o Projeto Hip-Hop do Agosto Negro levou 8 delegações de artistas e ativistas a Cuba, África do Sul, Tanzânia, Brasil e Venezuela. Os fundos arrecadados em todos os eventos musicais do Agosto Negro vão para os presos políticos. A participação de centenas de artistas de hip-hop tem sido uma importante maneira de difundir a tradição do Agosto Negro no mundo. Os organizadores do leilão de arte dizem que o tema este ano, como em anos passados, será a liberdade dos presos políticos, mas também destacaram que 40 anos se passaram desde o assassinato de George Jackson e a rebelião na prisão de Ática e que darão reconhecimento especial a Gil Scott Heron e Gerónimo Ji Jaga Pratt. Dizem ainda: “Também gostaríamos de destacar as vidas e contribuições de Assata Shakur, Safiya Bukhari, Fannie Lou Hamer, James Baldwin, Ella Baker, Nehanda Abiodun, Kuwasi Balagoon, Mutulu Shakur, Sundiata Acoli, e muitos outros lutadores e lutadoras dos movimentos pelos Direitos Civis e pelo Poder Negro (Black Power). Todas e todos batalharam contra a injustiça, e alguns combateram o injusto sistema carcerário ao lutar por sua liberdade. Alguns regressaram aos antepassados, outros estão no exílio, e alguns permanecem atrás dos muros das prisões americanas até a presente data”.
Para ler mais sobre o Agosto Negro, algumas datas históricas relacionadas a essa tradição e alguns dos homens e mulheres que são lembrados, vejam série de 10 artigos publicados no ano passado em vários meios livres, incluindo Noticias de la Rebelión, CML-DF, Multimedios Cronopios, Radio Zapote, Regeneración Radio, Zapateando, La Haine, Kaos en la Red e difundidos pela Ke Huelga Radio.
Obrigado à Multimedios Cronopios por voltar a destacar a série este ano.
Tradução para o português: Spensy Pimentel (CC)
Colaborou: Noise D
Por: Spensy Pimentel
O Agosto Negro (Black August) é um mês de resistência, reflexão e educação sobre a luta pela liberação negra e uma comemoração de figuras chave nessa luta. Também é um mês de disciplina, jejum, exercício físico e renovação pessoal para poder levar adiante a luta. A tradição do Agosto Negro começou na Califórnia, em 1979, para honrar os revolucionários que tombaram na luta: George Jackson, Jonathan Jackson, James McClain, William Christmas e Khatari Gaulden. Quem são eles?
George Jackson se fez revolucionário na prisão depois de ser encarcerado em 1960, quando tinha 18 anos, por roubar US$ 70 de um posto de gasolina. Em 1969, alguns dias depois de três de seus companheiros e mentores – W.L. Nolen, Sweet Jugs Miller e Cleve Edwards – terem sido assassinados por um guarda na prisão de Soledad, um guarda branco foi lançado de um corredor alto até o pátio central. George Jackson, Fleeta Drumgo e John Clutchette foram acusados pela sua morte e ficaram conhecidos como os “Soledad Brothers”.
George Jackson seguiu organizando os presos para que resistissem às más condições de encarceramento e publicou dois importantes livros: Soledad Brother (Irmão de Soledad - solidão) e Blood in My Eye (Sangue no Meu Olho). Ele escreve: “Tentamos transformar a mentalidade negra criminosa em uma mentalidade negra revolucionária. Como resultado, cada um de nós foi objeto de anos de impiedosa violência reacionária do Estado. Nosso índice de mortalidade é o que você poderia esperar em uma história de Dachau” [N.T.: conhecido campo de concentração nazista da 2ª Guerra]. Cabe citar que até a presente data seus livros estão proibidos em todas as prisões dos Estados Unidos. Uma estrofe na canção de Bob Dylan, “George Jackson”, interpretada magistralmente pelo grupo de reggae Steel Pulse em seu disco African Holocaust, reflete um tema principal nos escritos do revolucionário: “Às vezes vejo o mundo inteiro como uma enorme prisão. Alguns somos presos, alguns somos guardas”.
Em 7 de agosto de 1970, seu irmão mais novo Jonathan, de 17 anos, entrou em um tribunal do condado de Marín, na Califórnia, distribuiu armas aos presos James McClain, William Chistmas e Ruchell Magee, que estavam em uma audiência e, juntos, tomaram o juiz, o promotor e outras três pessoas como reféns, com o objetivo de tomar uma estação de rádio para denunciar as condições brutais nas prisões da Califórnia e fazer uma troca de reféns pelos Soledad Brothers. Entretanto, todos foram assassinados, menos Ruchell Magee, que segue como preso político até a presente data.
Um ano depois, em 21 de agosto de 1971, George Jackson foi assassinado pelos guardas durante uma rebelião na prisão de San Quintín. Três guardas e dois presos que funcionavam como guardas também morreram, e as autoridades culparam seis presos e latinos por sua morte. Eles ficaram conhecidos como “Os 6 de San Quintín”. Dos seis, o que não saiu da prisão por todos esses anos é Hugo ‘Yogui’ Pinnell, que passou os últimos 20 anos em isolamento total no centro de tortura de Pelican Bay. Mais de 2 mil pessoas assistiram ao funeral de George Jackson, incluindo sua família, amigos e militantes dos Panteras Negras como seguranças. Seu assassinato detonou a rebelião que já estava maturando na prisão de Ática, estado de Nova York, em 9 de setembro de 1971. George Jackson havia escrito em Soledad Brother: “Não quero morrer deixando como monumento apenas umas tristes canções e um montinho de terra. Quero deixar um mundo livre do lixo, poluição, racismo, estados nacionais, guerras e exércitos de estados nacionais, ostentação, intolerância, visão estreita, mil tipos de mentira e a economia usurária e licenciosa”. Depois de sua morte, Khatari Gaulden seguiu seus passos no movimento resolucionário nas prisões. Foi assassinado em San Quintín em 1978.
A tradição do Agosto Negro se inicia e se estende
O Comitê Organizador do Agosto Negro (BAOC), formado por ex-presos, deu impulso à prática de usar braceletes negros no braço esquerdo, estudar os livros de George Jackson e outros pensadores e ativistas, participar de jejuns das 6 da manhã às 8 da noite, fazer muito exercício, não consumir bebidas alcoólicas ou drogas, deixar de ver televisão e escutar rádio. Também organizou manifestações fora da prisão de San Quintín para exigir um basta às condições brutais ali. A tradição do Agosto Negro também honra todas as pessoas que tiveram um papel na longa história de resistência à escravidão e o colonialismo, tais como Nat Turner, Harriet Tubman, Gabril Prosser, Frederick Douglas, W.E. DuBois, Marcus Garvey, Paul Roberson, Rosa Parks, Martin Luther King e Malcolm X, entre muitos outros. Um bom número de importantes eventos nessa história ocorreram precisamente no mês de agosto.
Nas últimas décadas, o conceito de Agosto Negro se estendeu a outras partes do país e do mundo, com reconhecimento especial aos presos políticos que foram incriminados por sua participação em organizações como os Panteras Negras, República da Nova África, Movimento de Ação Revolucionária, MOVE, e o Exército de Liberação Negra /Nova Afrikana. Pelo menos cinco deles morreram na prisão: Kuwasi Balagoon, Merle África, Albert ‘Nuh’ Washington, Teddy ‘Jah’ Heath e Bashir Hameed.
O agosto é mais negro em 2011
Este ano se rende homenagem a quatro companheiros que regressaram aos antepassados: o poeta e músico Gil Scott Heron e três ex-Panteras Negras que viviam no exílio – Michael ‘Cetewayo’ Tabor, Don ‘D.C.’ Cox e Gerónimo Ji Jaga Pratt.
O Agosto Negro de 2011 também se comemora no contexto das greves contra a escravidão e a tortura nas prisões de três estados americanos durante o ano pasado: Georgia, Ohio (Lucasville) e California (Pelican Bay). Enquanto as rebeliões em Ática e mutias outras prisões dos Estados Unidos no fim dos anos 60 e início dos 70 ocorreram em meio a um período de intensa luta, em que muitos ativistas se encontravam nas prisões, as greves de hoje acontecem em um período de lutas fragmentadas em um sistema carcerário dez vezes maior, onde as pessoas percebidas como “revoltosas” são mantidas (ou foram mantidas por longos períodos) em isolamento.
Ainda que a greve de fome iniciada em Pelican Bay, Califórnia, tenha sido suspensa em 20 de julho, depois de chamar a atenção do público para as práticas de tortura e degradação nas unidades de controle, Todd Ashker, do coletivo Short Corridor (Corredor Curto), diz em um comunicado escrito em 24 de julho que, se não houver mudanças significativas em pouco tempo, os presos pensam em recorrer à greve de fome outra vez. Haverá uma grande mobilização, em Sacramento, no dia 23 de agosto, o dia em que se convocou uma audiência sobre as demandas dos presos no Legislativo estadual.
O San Francisco Bay View reportou em 4 de agosto que vários presos telefonaram para o jornal para dizer que nunca abandonaram a greve de fome. Entre eles está Bobby Dixon, do Partido Pantera Negra Nova Africana (NABPP), que afirma que em Vacaville estão propondo aos presos comer uma só vez por dia durante agosto e observar um jejum total nos dias 7 e 21 para cumprir o Agosto Negro. Dixon expressa solidariedade com os presos que fizeram greve trabalhista nas prisões da Geórgia em dezembro passado e lembra o assassinato, pela polícia, do jovem Oscar Grant, na estação de metrô BART, bem como a execução no Texas, em 2006, do ativista Hasan Shakur, apesar de sua inocência. Sua mensagem? "Não temam a liberdade".
Outro aspecto da realidade atual é o aumento dos protestos contra o terror policial em San Francisco, Oakland, Detroit, Pittsburgh, Filadelfia e outras cidades. As mais recentes vítimas são dois jovens negros:
Johntue Caldwell foi assassinado com um só tiro em 15 de julho enquanto entrava em seu carro. Era o melhor amigo de Oscar Grant e testemunho de sua morte. Em conjunto com amigos, havia ingressado com uma ação pedindo $5 milhões de dólares contra a polícia do trem BART;
Kenneth Harding foi assassinado com seis ou mais tiros nas costas em 16 de julho, enquanto a polícia de San Francisco o perseguia por não haver mostrado um comprovante de pagamento de US$ 2 para entrar no metrô. Houve muitos testemunhas na comunidade negra de Bay View-Hunters Point que disseram que ele não tinha arma e não disparou contra ninguém, como alega a polícia.
Cerca da metade dos presos políticos nos Estados Unidos são oriundos da luta pela liberação negra, segundo a conta nas páginas do Movimento Jericó e Cruz Negra Anarquista, e nem sequer um deles foi liberado no ano passado, apesar de cumprir todos os requisitos para sair em liberdade condicional. Talvez o caso mais conhecido seja o dos “9 do MOVE”, que não saem porque não expressam remorso por algo que não fizeram, mas também há muitos outros casos de liberdade condicional negada por pretextos parecidos, como os de Veronza Bowers, Sundiata Acoli, Jalil Muntaqim, Robert Seth Hayes, Marshall Eddie Conway, Sekou Odinga, Dr. Mutulu Shakur e Herman Bell, asssim como o de companheiros de outras lutas, incluindo o indígena Leonard Peltier e o independentista portorriquenho Oscar López Rivera.
É comum que presos políticos, sempre e quando não sejam mantidos em isolamento total, ajudem os presos jovens, dêem aulas de diferentes tipos, promovam o desenvolvimento de uma consciência social e ajudem a resolver problemas entre quadrilhas nas prisões. Em vários casos, a perseguição contra eles aumentou durante o ano passado, como no caso de Leonard Peltier, que agora está no “buraco”, e Jalil Muntaqim, recentemente transferido a Ática, onde agora lhe fabricaram uma acusação de “formação de gangue”. No caso de Mumia Abu-Jamal, as autoridades aumentaram seus esforços para conseguir realizar sua execução [N.T.: o jornalista e ex-Pantera Negra está no corredor da morte, pelo assassinato de um policial, crime que ele nega]. Espera-se uma decisão da Suprema Corte para seu caso em um futuro próximo.
Eventos para comemorar o Agosto Negro 2011
Em Washington D.C., o saxofonista Bilal Sunni Ali tocou em 5 de agosto em um evento organizado pelo Comitê de Planejamento Agosto Negro (BAPO), para arrecadar fundos para o preso político Sekou Odinga e também em tributo a Gerónimo ji Jaga e ao líder da Midnight Band, com a qual Bilal tocava nos anos 70 – Gil Scott-Heron. Bilal, que evitou a prisão política no início dos anos 80, é cidadão da República da Nova África e foi nomeado Embaixador em Belize da Associação Universal para o Progresso Negro (UNIA), fundada por Marcus Garvey em 1914.
Em 27 de agosto o BAPO fará uma peregrinação desde Washington DC até Richmond, Virginia, para comemorar a rebelião de escravos organizada por Gabriel Prosser em 1830. Viajarão até o Rio James, onde os navios negreiros atracaram e seguirão a rota até o lugar de comércio e o cemitério de escravos. Também participarão do festival ‘Happily Natural’, que se organiza em Richmond. Em Atlanta, os amigos e familiares do Dr. Mutulu Shakur celebraram conferências e palestras em tributo a Geronimo Ji Jaga entre 5 e 6 de agosto, e o Malcolm X Grassroots Movement (MXGM) e a SOS Produções fizeram um tributo musical ao Dr. Mutulu Shakur, com a música de Brother J, [do grupo de rap] X Clan, [formado por] S A Roc, Zayd Malik, Queen Sheba, Abyss Graham, Sol Messiah, Tahir RBG e DJ Yah Quan.
Na Filadelfia, se exigiu liberdade para Mumia Abu-Jamal e “os 9 do MOVE”, que foram honrados na Celebração do Dia da Independência Africana, 6 de agosto, no Parque Malcolm X-Betty Shabazz. Cabe lembrar que os homens e mulheres do MOVE estão na prisão desde 8 de agosto de 1978, quando 500 policiais atacaram sua casa coletiva na Filadélfia para logo acusar os integrantes do MOVE da morte de um policial que morreu em fogo amigo.
Em Denver, a Cruz Negra Anarquista ofereceu uma refeição com a participação do ex-preso político e Pantera Negra Robert King Wilkerson, dos “3 de Angola”, e o escritor, professor e ativista do Movimento Índio Americano Ward Churchill. Os donativos irão para o Dr. Mutulu Shakur. Os dois companheiros de King – Albert Woodfox e Herman Wallace – estão em isolamento há 39 anos por motivos expressados publicamente pelo diretor da prisão Angola, Burl Cain, e o procurador do estado da Luisiana James “Buddy” Caldwell. Dizem os ilustrados defensores da lei e da ordem que se permitem que esses homens “perigosos” andem soltos pela população geral, seguramente estarão praticando “o panterismo negro”.
Em Nova York, o MXGM e outros grupos estão organizando um Leilão de Arte, um Festival de Cinema e um show de hip-hop com os seguintes grupos: Les Nubiens, Saigon, Hasan Salaam, Mike Flo, The Reminders, Kalae All Day, Supa Nova Slom, Nena Z e Faro Z. Cabe lembrar que a nível internacional, o Projeto Hip-Hop do Agosto Negro levou 8 delegações de artistas e ativistas a Cuba, África do Sul, Tanzânia, Brasil e Venezuela. Os fundos arrecadados em todos os eventos musicais do Agosto Negro vão para os presos políticos. A participação de centenas de artistas de hip-hop tem sido uma importante maneira de difundir a tradição do Agosto Negro no mundo. Os organizadores do leilão de arte dizem que o tema este ano, como em anos passados, será a liberdade dos presos políticos, mas também destacaram que 40 anos se passaram desde o assassinato de George Jackson e a rebelião na prisão de Ática e que darão reconhecimento especial a Gil Scott Heron e Gerónimo Ji Jaga Pratt. Dizem ainda: “Também gostaríamos de destacar as vidas e contribuições de Assata Shakur, Safiya Bukhari, Fannie Lou Hamer, James Baldwin, Ella Baker, Nehanda Abiodun, Kuwasi Balagoon, Mutulu Shakur, Sundiata Acoli, e muitos outros lutadores e lutadoras dos movimentos pelos Direitos Civis e pelo Poder Negro (Black Power). Todas e todos batalharam contra a injustiça, e alguns combateram o injusto sistema carcerário ao lutar por sua liberdade. Alguns regressaram aos antepassados, outros estão no exílio, e alguns permanecem atrás dos muros das prisões americanas até a presente data”.
Para ler mais sobre o Agosto Negro, algumas datas históricas relacionadas a essa tradição e alguns dos homens e mulheres que são lembrados, vejam série de 10 artigos publicados no ano passado em vários meios livres, incluindo Noticias de la Rebelión, CML-DF, Multimedios Cronopios, Radio Zapote, Regeneración Radio, Zapateando, La Haine, Kaos en la Red e difundidos pela Ke Huelga Radio.
Obrigado à Multimedios Cronopios por voltar a destacar a série este ano.
Tradução para o português: Spensy Pimentel (CC)
Colaborou: Noise D
Por: Spensy Pimentel
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