Em uma sociedade na qual dinheiro e família são quase tudo, o matrimonio se converteu em um gasto multimilionário. A solidez material é condição indispensável. A competição é feroz. Os solteiros com idade legal para contrair matrimônio (22 anos para os homens, 20 para as mulheres) superam 180 milhões. Em muitos casos, os próprios pais se lançam à aventura migratória para melhorar as perspectivas casamenteiras de seus filhos. Nesta corrida os pobres arrancam com óbvia desvantagem. O artigo é de Marcelo Justo.
Marcelo Justo - Direto da China
Não é fácil se casar na China. Em uma
sociedade na qual dinheiro e família são quase tudo, o matrimonio se
converteu em um gasto multimilionário. A solidez material é condição
indispensável. “Ter casa é o mínimo. Um carro facilita mais as coisas”,
me diz rindo um taxista de origem camponesa da antiga capital chinesa,
Xian. Também não basta a solidez do tijolo ou a roda. Nos banquetes
comemorativos da boda, os chineses têm que jogar a casa pela janela: no
ano passado gastaram uns 57 bilhões de dólares em seus festejos de
casamento.
Nesta corrida os pobres arrancam com óbvia desvantagem. Com um salário médio de 1800 yuans mensais (uns 285 dólares), os trabalhadores migrantes, verdadeira coluna vertebral do “milagre chinês”, têm escassas possibilidades de poupança. Uma recente pesquisa da organização governamental Federação de Mulheres da China, mostrou que a necessidade de melhorar a renda para casar era uma razão fundamental para migrar, mas que em muitos casos a passagem do campo à cidade não melhorava em nada as coisas. “Não sobra quase nada depois de pagar o aluguel. As mulheres na cidade são muito realistas e jamais sairiam com alguém que não pode pagar uma janta ou levá-las ao cinema”, relatou à Federação Xie Kaiqiang, oriundo de um povoado em Shaanxi, norte de China que hoje trabalha na capital Beijing.
A competição é feroz. Os solteiros com idade legal para contrair matrimônio (22 anos para os homens, 20 para as mulheres) superam 180 milhões. Em muitos casos, os próprios pais se lançam à aventura migratória para melhorar as perspectivas casamenteiras de seus filhos. Desde que o confucionismo se impôs finalmente como ideologia há mais de dos mil anos, a veneração dos ancestrais é quase uma religião: a descendência, uma garantia de manutenção futura e lembrança perene.
Hsiao Hung Pai, autora de “Chinese Whispers” e “Scattered sands”, dois livros fundamentais sobre a migração chinesa, comentou à Carta Maior um dos tantos casos que encontrou em sua investigação. “Este camponês de Hebei, no norte de China, trabalhou ilegalmente em Londres oito anos fazendo todo tipo de trabalhos imagináveis. Seu objetivo era comprar uma casa para que seu filho pudesse casar. Conseguiu. Como ele mesmo me disse, “cumpriu com seu dever””, disse a autora.
É um dever que atravessa todas as classes sociais. Assombrado que há alguns anos eu tivesse começado a estudar chinês, o dono do apartamento que aluguei durante meus estudos me disse com certa inveja: “nós, a partir de certa idade, deixamos de aprender: um pai ocidental tem muito menos obrigações”. Além de casa, do carro e do trabalho com promessa de futuro próspero, vem a celebração da boda.
Os banquetes matrimoniais das classes com aspirações sociais podem custar entre cinco e 10 mil yuans por mesa (770 a 1570 dólares) com cerca de 200 convidados em média. Pechinchar ou procurar atalhos e bagatelas é perigoso porque se pode incorrer em um dos piores perigos sociais: “diu lian” (literalmente “perder cara”: cair no ridículo) Alguma coisa os noivos recuperam com os presentes dos convidados. O “hong bao” (envelope vermelho), que o casal recebe, tem que conter dinheiro suficiente se não quiserem “perder sua cara”. Entre os chineses não é incomum procurar desculpas para não comparecer ao casamento e evitar o custoso gasto do “hong bao”.
Os banquetes não são o ponto final. Os recém-casados têm que pagar por fotos e filmagens especiais em lugares de “sonho”. Com suntuosos vestidos branco e fraques, os casais se deixam fotografar sobre as rochas que margeiam um lago ou ao pé de uma montanha famosa. Este cronista presenciou a aparição um tanto alucinante de dezenas de casais em traje de boda no Lago Celestial (Tian Chi) de Xinjiang ou nas montanhas de Guilin. Por casualidade presenciou o mesmo espetáculo em um lugar mais insólito - Santorini, Grécia -, prerrogativa de casais muito mais endinheirados.
A “crise” econômica (crescimento de 9% em vez de 9,5%) não parece afetar esta maquinaria. Os preços dos banquetes aumentaram 10 % no último ano, o das rosas duplicou. Além disso, por uma questão demográfica, a competição vai se intensificar. Segundo o Escritório de Estatísticas chinês, nascem 119 homens para cada 100 mulheres, em parte devido à política de só um filho instaurada há mais de 30 anos e a tradicional preferência pelo filho macho. Este desequilíbrio populacional homem-mulher implica que no final desta década haverá mais de 30 milhões de chineses em idade legal de casamento que não poderão encontrar par.
Esta vantagem demográfica feminina e a crescente explosão de riqueza que se vê em todo o país, ficam evidentes com o surgimento de academias especiais para que as mulheres possam “caçar um bom partido”. Em março abriu em Chaoyang, o distrito rico da capital Pequim, a “Escola das damas virtuosas” que oferece cursos especiais para que as mulheres aprendam a “se comunicar e amar, a fim de encontrar seu companheiro ideal”. Este fim supostamente romântico e altruísta fica um pouco embaçado pelo título de algumas das matérias, como a que ensina a “como relacionar-se com homens exitosos?” A escola gerou debate na imprensa chinesa com artigos que criticavam esta “idolatria do dinheiro”. Mas nada parece acalmar a febre. Em novembro abriu a “Escola da boa e feliz esposa” que começa seus cursos em março próximo. Fei Yang, diretor da escola, deixa claro que a missão educativa não termina com a boda. “Muitos matrimônios de gente rica terminam em divórcio porque as mulheres não podem manter felizes seus maridos”, assinala.
A febre casamenteira esteve acompanhada por um aumento vertiginoso dos casais divorciados que em 2010 alcançaram 20 milhões, 60% a mais que em 2000. Mas nada desestimula os solteiros que no dia 11 de novembro celebraram seu dia com grande fanfarra à espera do sonhado matrimônio.
Tradução: Libório Júnior
Nesta corrida os pobres arrancam com óbvia desvantagem. Com um salário médio de 1800 yuans mensais (uns 285 dólares), os trabalhadores migrantes, verdadeira coluna vertebral do “milagre chinês”, têm escassas possibilidades de poupança. Uma recente pesquisa da organização governamental Federação de Mulheres da China, mostrou que a necessidade de melhorar a renda para casar era uma razão fundamental para migrar, mas que em muitos casos a passagem do campo à cidade não melhorava em nada as coisas. “Não sobra quase nada depois de pagar o aluguel. As mulheres na cidade são muito realistas e jamais sairiam com alguém que não pode pagar uma janta ou levá-las ao cinema”, relatou à Federação Xie Kaiqiang, oriundo de um povoado em Shaanxi, norte de China que hoje trabalha na capital Beijing.
A competição é feroz. Os solteiros com idade legal para contrair matrimônio (22 anos para os homens, 20 para as mulheres) superam 180 milhões. Em muitos casos, os próprios pais se lançam à aventura migratória para melhorar as perspectivas casamenteiras de seus filhos. Desde que o confucionismo se impôs finalmente como ideologia há mais de dos mil anos, a veneração dos ancestrais é quase uma religião: a descendência, uma garantia de manutenção futura e lembrança perene.
Hsiao Hung Pai, autora de “Chinese Whispers” e “Scattered sands”, dois livros fundamentais sobre a migração chinesa, comentou à Carta Maior um dos tantos casos que encontrou em sua investigação. “Este camponês de Hebei, no norte de China, trabalhou ilegalmente em Londres oito anos fazendo todo tipo de trabalhos imagináveis. Seu objetivo era comprar uma casa para que seu filho pudesse casar. Conseguiu. Como ele mesmo me disse, “cumpriu com seu dever””, disse a autora.
É um dever que atravessa todas as classes sociais. Assombrado que há alguns anos eu tivesse começado a estudar chinês, o dono do apartamento que aluguei durante meus estudos me disse com certa inveja: “nós, a partir de certa idade, deixamos de aprender: um pai ocidental tem muito menos obrigações”. Além de casa, do carro e do trabalho com promessa de futuro próspero, vem a celebração da boda.
Os banquetes matrimoniais das classes com aspirações sociais podem custar entre cinco e 10 mil yuans por mesa (770 a 1570 dólares) com cerca de 200 convidados em média. Pechinchar ou procurar atalhos e bagatelas é perigoso porque se pode incorrer em um dos piores perigos sociais: “diu lian” (literalmente “perder cara”: cair no ridículo) Alguma coisa os noivos recuperam com os presentes dos convidados. O “hong bao” (envelope vermelho), que o casal recebe, tem que conter dinheiro suficiente se não quiserem “perder sua cara”. Entre os chineses não é incomum procurar desculpas para não comparecer ao casamento e evitar o custoso gasto do “hong bao”.
Os banquetes não são o ponto final. Os recém-casados têm que pagar por fotos e filmagens especiais em lugares de “sonho”. Com suntuosos vestidos branco e fraques, os casais se deixam fotografar sobre as rochas que margeiam um lago ou ao pé de uma montanha famosa. Este cronista presenciou a aparição um tanto alucinante de dezenas de casais em traje de boda no Lago Celestial (Tian Chi) de Xinjiang ou nas montanhas de Guilin. Por casualidade presenciou o mesmo espetáculo em um lugar mais insólito - Santorini, Grécia -, prerrogativa de casais muito mais endinheirados.
A “crise” econômica (crescimento de 9% em vez de 9,5%) não parece afetar esta maquinaria. Os preços dos banquetes aumentaram 10 % no último ano, o das rosas duplicou. Além disso, por uma questão demográfica, a competição vai se intensificar. Segundo o Escritório de Estatísticas chinês, nascem 119 homens para cada 100 mulheres, em parte devido à política de só um filho instaurada há mais de 30 anos e a tradicional preferência pelo filho macho. Este desequilíbrio populacional homem-mulher implica que no final desta década haverá mais de 30 milhões de chineses em idade legal de casamento que não poderão encontrar par.
Esta vantagem demográfica feminina e a crescente explosão de riqueza que se vê em todo o país, ficam evidentes com o surgimento de academias especiais para que as mulheres possam “caçar um bom partido”. Em março abriu em Chaoyang, o distrito rico da capital Pequim, a “Escola das damas virtuosas” que oferece cursos especiais para que as mulheres aprendam a “se comunicar e amar, a fim de encontrar seu companheiro ideal”. Este fim supostamente romântico e altruísta fica um pouco embaçado pelo título de algumas das matérias, como a que ensina a “como relacionar-se com homens exitosos?” A escola gerou debate na imprensa chinesa com artigos que criticavam esta “idolatria do dinheiro”. Mas nada parece acalmar a febre. Em novembro abriu a “Escola da boa e feliz esposa” que começa seus cursos em março próximo. Fei Yang, diretor da escola, deixa claro que a missão educativa não termina com a boda. “Muitos matrimônios de gente rica terminam em divórcio porque as mulheres não podem manter felizes seus maridos”, assinala.
A febre casamenteira esteve acompanhada por um aumento vertiginoso dos casais divorciados que em 2010 alcançaram 20 milhões, 60% a mais que em 2000. Mas nada desestimula os solteiros que no dia 11 de novembro celebraram seu dia com grande fanfarra à espera do sonhado matrimônio.
Tradução: Libório Júnior
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