Na noite do dia 5 de dezembro de 2003, Geraldo Sant’Anna de Azevedo Junior, de 21 anos, Bruno Muniz Paulino, de 20 anos, e os irmãos Rafael Paulino, de 18 anos, e Renan Medina Paulino, de 13 anos, foram para uma festa na casa de espetáculos Via Show, na rodovia Presidente Dutra, Baixada Fluminense. Antes de voltar para casa, Geraldo, que era soldado do exército, foi abordado por um homem, identificando-se como chefe da segurança da casa de espetáculos e acusando Geraldo de tentar roubar seu carro. O homem acionou policiais militares que espancaram o soldado do exército e seus amigos, que tentaram defendê-lo. Levados para um matagal na rodovia Washington Luís, os jovens foram torturados e executados pelos policiais. Desde então, Siley Muniz Paulino, de 52 anos, mãe de Bruno, e sua concunhada, Elizabeth Medina Paulino, de 47 anos, mãe de Rafael e Renan, iniciaram uma árdua batalha por justiça. Mas os anos se passaram e, em dezembro de 2008, dois dos acusados, os policiais militares Paulo César Manoel da Conceição e Eduardo Neves dos Santos, foram soltos por decisão da 6ª Câmara Criminal, segundo a qual os PMs "estavam sendo constrangidos na prisão".
A reportagem de AND foi à Guadalupe, onde Siley contou um pouco da trágica experiência da morte do filho Bruno, seu amigo Geraldo e seus primos Rafael e Renan, e desses sete anos de luta por justiça.
— Quando eu gritei por justiça para os assassinos de meu filho, eu não tinha medo. Meu único medo era perder o meu filho. Mas agora que eu já perdi, não tenho mais medo. Antes dele ser assassinado, eu acreditava na justiça, acreditava numa boa polícia, tanto é que eu falava para ele sempre que ele saía: ‘Se acontecer algum problema na rua, procure um policial, que você estará a salvo’. Ele vivia com os amigos em casa. Mesmo depois que ele virou um rapazinho, não era de sair à noite, ir para baile funk. E nós prezávamos muito pela segurança dele. Alugávamos Kombi, van quando ele queria sair com os amigos — lembra a mãe de Bruno.
— Antes de o meu filho morrer, eu lia no jornal: ‘A polícia matou quatro’, aí eu pensava: ‘Se a polícia matou, alguma coisa eles estavam fazendo de errado’. Eu pensava assim, porque eu era apenas uma dona de casa, refém do que a televisão me mostrava. Mas quando vieram até mim dizendo que policiais mataram o meu filho, eu pensei ‘Como é que a polícia matou meu filho, se ele não era bandido e não usava drogas?’ Mesmo que meu filho fosse viciado em drogas, que direito eles teriam de tirar vida dele? Depois do assassinato do meu filho, eu vi como é a polícia na realidade. As autoridades, que eu tanto respeitava e admirava, hoje não significam nada para mim — protesta Siley, lembrando que os PMs que mataram seu filho — lotados no 15º batalhão (Caxias) e no 21° batalhão (Vilar dos Teles) — continuam soltos, apesar de condenados a penas que vão de 25 a 68 anos de prisão.
— No último julgamento, os PMs que mataram o meu filho foram condenados, mas como era em primeira instância, eles recorreram e estão soltos. Como pode? Meu filho, os primos e o amigo apanharam muito no estacionamento da Via Show. Os corpos foram encontrados na rodovia Washington Luís sem nenhum dente na boca, com sinais claros de execução. No local onde encontraram os corpos, tinham várias ossadas de outras pessoas. Se não fosse por uma denúncia anônima, até hoje nós não teríamos encontrado nossos filhos — protesta.
— Como é possível pessoas que cometem um crime bárbaro como esse serem condenadas e não serem presas? Se eu fosse na esquina e matasse um policial desse, imediatamente seria punida. Mas como foram agentes do Estado que mataram meu filho, o Estado não assume a culpa. Faz a gente de bolinha de pingue-pongue, nos jogando para lá e para cá. Vários julgamentos e não acontece nada. Diante de um crime tão grave, eu não vi justiça nenhuma. A única justiça que nós conseguimos foi mostrar a cara desses assassinos para a sociedade. Mas ficamos tristes mesmo assim, pois sabemos que isso continua acontecendo com outros jovens — lamenta a mãe.
— Quando o meu filho morreu na Via Show, muitos outros já tinham morrido, mas ninguém lutava por justiça. As mães tinham medo. Meses depois da chacina, repórteres fizeram um levantamento de casos anteriores de pessoas que foram assassinadas ou sequestradas nas imediações da Via Show. Uma mulher que perdeu o filho do mesmo jeito que eu, meses antes, disse que, se ela tivesse lutado por justiça na época, o meu filho, seus primos e seu amigo não teriam morrido. Eu sabia quem eram meus filhos e meus sobrinhos e, por isso, a luta por justiça me deu muita força para superar esse trauma. Os encontros e debates com outras mães, que passaram pela mesma experiência, me deram muita força também. O contato com as mães de Acari, por exemplo, foi muito bom para nós. Isso tudo mostra que a gente pode lutar, a gente não precisa cruzar os braços — garante Siley.
No documentário Luto como Mãe, recentemente lançado no Rio de Janeiro, Siley e outras mães de vítimas da violência do Estado relatam sua dor e sua luta por justiça:
— O documentário mostra que, diante de tanta injustiça que está sendo cometida mundo afora, as pessoas não precisam abaixar a cabeça. Elas podem lutar, elas não precisam ter medo. Vejam a minha experiência. Eu era uma simples dona de casa. O documentário mostra que vale a pena lutar, mostrar o nosso grito, o grito de mãe — garante Siley.
A reportagem de AND foi à Guadalupe, onde Siley contou um pouco da trágica experiência da morte do filho Bruno, seu amigo Geraldo e seus primos Rafael e Renan, e desses sete anos de luta por justiça.
— Quando eu gritei por justiça para os assassinos de meu filho, eu não tinha medo. Meu único medo era perder o meu filho. Mas agora que eu já perdi, não tenho mais medo. Antes dele ser assassinado, eu acreditava na justiça, acreditava numa boa polícia, tanto é que eu falava para ele sempre que ele saía: ‘Se acontecer algum problema na rua, procure um policial, que você estará a salvo’. Ele vivia com os amigos em casa. Mesmo depois que ele virou um rapazinho, não era de sair à noite, ir para baile funk. E nós prezávamos muito pela segurança dele. Alugávamos Kombi, van quando ele queria sair com os amigos — lembra a mãe de Bruno.
— Antes de o meu filho morrer, eu lia no jornal: ‘A polícia matou quatro’, aí eu pensava: ‘Se a polícia matou, alguma coisa eles estavam fazendo de errado’. Eu pensava assim, porque eu era apenas uma dona de casa, refém do que a televisão me mostrava. Mas quando vieram até mim dizendo que policiais mataram o meu filho, eu pensei ‘Como é que a polícia matou meu filho, se ele não era bandido e não usava drogas?’ Mesmo que meu filho fosse viciado em drogas, que direito eles teriam de tirar vida dele? Depois do assassinato do meu filho, eu vi como é a polícia na realidade. As autoridades, que eu tanto respeitava e admirava, hoje não significam nada para mim — protesta Siley, lembrando que os PMs que mataram seu filho — lotados no 15º batalhão (Caxias) e no 21° batalhão (Vilar dos Teles) — continuam soltos, apesar de condenados a penas que vão de 25 a 68 anos de prisão.
— No último julgamento, os PMs que mataram o meu filho foram condenados, mas como era em primeira instância, eles recorreram e estão soltos. Como pode? Meu filho, os primos e o amigo apanharam muito no estacionamento da Via Show. Os corpos foram encontrados na rodovia Washington Luís sem nenhum dente na boca, com sinais claros de execução. No local onde encontraram os corpos, tinham várias ossadas de outras pessoas. Se não fosse por uma denúncia anônima, até hoje nós não teríamos encontrado nossos filhos — protesta.
— Como é possível pessoas que cometem um crime bárbaro como esse serem condenadas e não serem presas? Se eu fosse na esquina e matasse um policial desse, imediatamente seria punida. Mas como foram agentes do Estado que mataram meu filho, o Estado não assume a culpa. Faz a gente de bolinha de pingue-pongue, nos jogando para lá e para cá. Vários julgamentos e não acontece nada. Diante de um crime tão grave, eu não vi justiça nenhuma. A única justiça que nós conseguimos foi mostrar a cara desses assassinos para a sociedade. Mas ficamos tristes mesmo assim, pois sabemos que isso continua acontecendo com outros jovens — lamenta a mãe.
— Quando o meu filho morreu na Via Show, muitos outros já tinham morrido, mas ninguém lutava por justiça. As mães tinham medo. Meses depois da chacina, repórteres fizeram um levantamento de casos anteriores de pessoas que foram assassinadas ou sequestradas nas imediações da Via Show. Uma mulher que perdeu o filho do mesmo jeito que eu, meses antes, disse que, se ela tivesse lutado por justiça na época, o meu filho, seus primos e seu amigo não teriam morrido. Eu sabia quem eram meus filhos e meus sobrinhos e, por isso, a luta por justiça me deu muita força para superar esse trauma. Os encontros e debates com outras mães, que passaram pela mesma experiência, me deram muita força também. O contato com as mães de Acari, por exemplo, foi muito bom para nós. Isso tudo mostra que a gente pode lutar, a gente não precisa cruzar os braços — garante Siley.
No documentário Luto como Mãe, recentemente lançado no Rio de Janeiro, Siley e outras mães de vítimas da violência do Estado relatam sua dor e sua luta por justiça:
— O documentário mostra que, diante de tanta injustiça que está sendo cometida mundo afora, as pessoas não precisam abaixar a cabeça. Elas podem lutar, elas não precisam ter medo. Vejam a minha experiência. Eu era uma simples dona de casa. O documentário mostra que vale a pena lutar, mostrar o nosso grito, o grito de mãe — garante Siley.
"Executaram o meu filho"
Na madrugada do dia 12 para o dia 13 de junho do ano passado, os jovens Tales Alexandre Francisco, de 17 anos, e Erik de Oliveira Ladeira, de 19 anos, moradores do Jardim Santo Antônio, em Guadalupe, desapareceram sem deixar vestígios. No dia seguinte, quando participariam de uma festa paroquial na igreja do bairro, os corpos dos rapazes foram localizados no Instituto Médico Legal com sinais de tortura e execução.
Desesperada, a mãe de Erik, Rita de Cássia de Oliveira Ladeira, de 47 anos, procurou suas vizinhas Siley e Elizabeth, mães de três dos quatros jovens mortos na Chacina da Via Show , para pedir ajuda.
— Quando o filho da Rita morreu ela já sabia de toda a nossa experiência da chacina da Via Show, então nós demos todo o apoio a ela, dizendo qual caminho que ela tinha que percorrer. A primeira porta que eles bateram quando souberam do assassinato do Erik, foi a aqui de casa. Nós demos apoio também porque já nos conhecíamos, frequentávamos a mesma igreja — conta Siley, mãe de Bruno Muniz Paulino, uma das vitimas da chacina da Via Show.
Rita, ao contrário de Siley, sabia que a polícia poderia representar um perigo para o seu filho Erik e, por isso, alertava-o para ficar longe de confusões e sempre chegar em casa no horário estipulado pelos pais.
— Eu sabia que a polícia não era boa coisa. Mesmo sabendo que meu filho frequentava a igreja, que era um garoto que não se envolvia com coisa errada, que não ficava na rua até tarde, sempre que ele saía eu dizia: ‘Filhão, se tiver uma confusão, passa longe. Polícia não quer saber quem foi que fez o quê. Quando eles chegam para resolver uma confusão, até decidirem se foi esse ou se foi aquele que fez, eles te levam preso, te maltratam’ — lembra Rita.
— O caso do meu filho não deu em nada. Meu marido correu atrás, foi na Assembléia Legislativa, mas nada foi feito. Na época, teve gente que viu, mas todo mundo tem medo de abrir a boca. Mas a gente sabe, inclusive, que têm testemunhas que conhecem os assassinos. Meu filho e o amigo dele foram encontrados em Irajá. Eles apanharam muito antes de morrer. Para fazer o sepultamento tiveram que reconstituir o rosto deles com cera, de tão deformado que estavam. Meu filho foi sequestrado, torturado e morto, ele e o amigo Tales, com um tiro na nuca. Os corpos estavam com os dedos cruzados atrás da cabeça. Executaram o meu filho — afirma a mãe de Erik.
— Meu filho tinha horário para chegar em casa. Não podia passar de 23:00h. Mas ele ficou na casa do amigo dele jogando videogame e perdeu a hora. Cinco minutos depois da hora dele chegar, eu já estava atenta. Eu e meu marido saímos pelo bairro procurando, sabendo que ele não deveria ter se envolvido em nada de errado. Quando nós voltamos para casa, demos conta de que o Erik tinha esquecido seus documentos em casa. Aí eu já pensei que tinha acontecido algo de errado. Eu tenho outras três filhas, uma delas com 15 anos e duas mais novas. Deixei a mais velha tomando conta das outras e saí em busca do Erik, mas não o encontrei — lamenta Rita.
— Meu marido disse que, se ele tivesse sido pego pela polícia sem documentos, ligaria da delegacia pedindo ajuda. Mas depois nós descobrimos pelos jornais que não foi bem a polícia que os pegou, mas sim a milícia. Nós víamos carros estranhos circulando por aqui, mas eu não sabia direito o que era a milícia — lembra a mãe, se referindo aos grupos paramilitares, formados na sua maioria por policiais.
— Nós chegamos a ir ao Hospital Carlos Chagas e os médicos disseram que PMs deixaram o corpo deles lá e falaram que encontraram-nos na rua, que meu filho ainda estava vivo e pedindo socorro quando acharam eles. Mas hoje nós sabemos que era tudo mentira. Os peritos concluíram que houve execução, logo não tinha como meu filho estar vivo quando foi encontrado. Isso nos levou a concluir que os policiais que levaram eles para o hospital têm algum envolvimento com o caso, mas nada foi feito — diz.
— As pessoas que viram alguma coisa naquele dia têm um medo tão grande, que eu fico sem esperanças de descobrir quem matou ele e o amigo. O caso deles é diferente do da Via Show, porque a chacina da Via Show aconteceu na saída de uma casa de shows e o caso do Tales e do Erik aconteceu no meio da rua deserta, em um dia frio e chuvoso. Depois de um ano, os vizinhos chegaram a dizer que escutaram gritos, pois eles não devem ter entrado num carro calados. Eles [policiais civis] dizem que tem uma investigação em andamento, mas estão ameaçando interrompê-la, pois não tem nenhuma informação nova. Eles querem que a gente vá procurar essa informação nova — protesta Rita.
Apenas uma semana após o assassinato de Tales e Erik, os pais dos rapazes junto com outras vítimas de grupos paramilitares, se reuniram em frente ao Centro Comercial de Guadalupe para protestar. Com faixas, bandeiras e camisas com imagens das vítimas, os manifestantes chegaram a bloquear a Avenida Brasil. Presente no protesto, o pai de Erik, o motorista Washington Luís Ladeira, de 45 anos, fez um apelo para que as testemunhas denunciem os paramilitares e disse que não irá descansar enquanto não ver os assassinos de seu filho atrás das grades.
Desesperada, a mãe de Erik, Rita de Cássia de Oliveira Ladeira, de 47 anos, procurou suas vizinhas Siley e Elizabeth, mães de três dos quatros jovens mortos na Chacina da Via Show , para pedir ajuda.
— Quando o filho da Rita morreu ela já sabia de toda a nossa experiência da chacina da Via Show, então nós demos todo o apoio a ela, dizendo qual caminho que ela tinha que percorrer. A primeira porta que eles bateram quando souberam do assassinato do Erik, foi a aqui de casa. Nós demos apoio também porque já nos conhecíamos, frequentávamos a mesma igreja — conta Siley, mãe de Bruno Muniz Paulino, uma das vitimas da chacina da Via Show.
Rita, ao contrário de Siley, sabia que a polícia poderia representar um perigo para o seu filho Erik e, por isso, alertava-o para ficar longe de confusões e sempre chegar em casa no horário estipulado pelos pais.
— Eu sabia que a polícia não era boa coisa. Mesmo sabendo que meu filho frequentava a igreja, que era um garoto que não se envolvia com coisa errada, que não ficava na rua até tarde, sempre que ele saía eu dizia: ‘Filhão, se tiver uma confusão, passa longe. Polícia não quer saber quem foi que fez o quê. Quando eles chegam para resolver uma confusão, até decidirem se foi esse ou se foi aquele que fez, eles te levam preso, te maltratam’ — lembra Rita.
— O caso do meu filho não deu em nada. Meu marido correu atrás, foi na Assembléia Legislativa, mas nada foi feito. Na época, teve gente que viu, mas todo mundo tem medo de abrir a boca. Mas a gente sabe, inclusive, que têm testemunhas que conhecem os assassinos. Meu filho e o amigo dele foram encontrados em Irajá. Eles apanharam muito antes de morrer. Para fazer o sepultamento tiveram que reconstituir o rosto deles com cera, de tão deformado que estavam. Meu filho foi sequestrado, torturado e morto, ele e o amigo Tales, com um tiro na nuca. Os corpos estavam com os dedos cruzados atrás da cabeça. Executaram o meu filho — afirma a mãe de Erik.
— Meu filho tinha horário para chegar em casa. Não podia passar de 23:00h. Mas ele ficou na casa do amigo dele jogando videogame e perdeu a hora. Cinco minutos depois da hora dele chegar, eu já estava atenta. Eu e meu marido saímos pelo bairro procurando, sabendo que ele não deveria ter se envolvido em nada de errado. Quando nós voltamos para casa, demos conta de que o Erik tinha esquecido seus documentos em casa. Aí eu já pensei que tinha acontecido algo de errado. Eu tenho outras três filhas, uma delas com 15 anos e duas mais novas. Deixei a mais velha tomando conta das outras e saí em busca do Erik, mas não o encontrei — lamenta Rita.
— Meu marido disse que, se ele tivesse sido pego pela polícia sem documentos, ligaria da delegacia pedindo ajuda. Mas depois nós descobrimos pelos jornais que não foi bem a polícia que os pegou, mas sim a milícia. Nós víamos carros estranhos circulando por aqui, mas eu não sabia direito o que era a milícia — lembra a mãe, se referindo aos grupos paramilitares, formados na sua maioria por policiais.
— Nós chegamos a ir ao Hospital Carlos Chagas e os médicos disseram que PMs deixaram o corpo deles lá e falaram que encontraram-nos na rua, que meu filho ainda estava vivo e pedindo socorro quando acharam eles. Mas hoje nós sabemos que era tudo mentira. Os peritos concluíram que houve execução, logo não tinha como meu filho estar vivo quando foi encontrado. Isso nos levou a concluir que os policiais que levaram eles para o hospital têm algum envolvimento com o caso, mas nada foi feito — diz.
— As pessoas que viram alguma coisa naquele dia têm um medo tão grande, que eu fico sem esperanças de descobrir quem matou ele e o amigo. O caso deles é diferente do da Via Show, porque a chacina da Via Show aconteceu na saída de uma casa de shows e o caso do Tales e do Erik aconteceu no meio da rua deserta, em um dia frio e chuvoso. Depois de um ano, os vizinhos chegaram a dizer que escutaram gritos, pois eles não devem ter entrado num carro calados. Eles [policiais civis] dizem que tem uma investigação em andamento, mas estão ameaçando interrompê-la, pois não tem nenhuma informação nova. Eles querem que a gente vá procurar essa informação nova — protesta Rita.
Apenas uma semana após o assassinato de Tales e Erik, os pais dos rapazes junto com outras vítimas de grupos paramilitares, se reuniram em frente ao Centro Comercial de Guadalupe para protestar. Com faixas, bandeiras e camisas com imagens das vítimas, os manifestantes chegaram a bloquear a Avenida Brasil. Presente no protesto, o pai de Erik, o motorista Washington Luís Ladeira, de 45 anos, fez um apelo para que as testemunhas denunciem os paramilitares e disse que não irá descansar enquanto não ver os assassinos de seu filho atrás das grades.
Luiz Carlos, sequestrado e ameaçado por PMs em Cotia
Em dezembro de 2007, no município de Osasco, vizinho a Cotia, policiais militares foram até a casa de Maria Rita Santiago Costa, de 51 anos, pois, segundo denúncia de vizinhos, ela e seu filho, Ricardo Santiago, de 20 anos, estariam se desentendendo. Quando chegaram ao local, segundo investigação do 5º Distrito Policial de Osasco, Maria discutiu com a sua vizinha e autora da denúncia e foi espancada pelos PMs com golpes de cassetete. Em seguida, seu filho correu em seu socorro e foi agredido a pauladas pelo PM Paulo Roberto Ferreira.Os policiais levaram-no ao Pronto Socorro Osmar Mesquita e disseram aos médicos que o encontraram jogado na rua tendo uma overdose. Em estado grave, com traumatismo craniano, hemorragias e hematomas nas costas, o rapaz morreu dias depois.
Em janeiro de 2009, o mesmo aconteceu com Anderson Ribeiro da Silva, de 29 anos. PMs foram a sua casa depois que vizinhos ligaram para polícia dizendo que o rapaz estava brigando com a sua irmã Thaís. Com a chegada da polícia, Anderson fugiu, foi perseguido e preso. Segundo 14 testemunhas, em vez de levá-lo à delegacia, os PMs executaram-no com três tiros no peito. Mesmo assim, o caso foi registrado como "auto de resistência".
Um ano antes, em Cotia, o estudante Daniel Nascimento Souza, de 15 anos, pediu uns trocados ao pai para tomar um sorvete. Horas depois, vendo que o filho demorava muito para voltar, a mãe de Daniel, Rosalina Nascimento Souza, procurou uma delegacia e descobriu que seu filho foi morto por PMs da Força Tática em um suposto tiroteio. O caso de Daniel foi registrado como auto de resistência, mas segundo a sua mãe, o rapaz fora assassinado pelos policiais.
No dia 13 de junho de 2010, o pintor e serralheiro Juliano de Assis Camargo, de 24 anos, saiu de casa e nunca mais voltou. Em 2008, ele foi acusado pelo PM Julio Cesar de Lima do Nascimento, do 42° batalhão (Osasco), por tentar roubar a moto do policial. Depois de ficar um ano e meio preso, o Ministério Público retirou a denúncia contra Juliano e, em seguida, ofereceu denúncia contra o PM por falso testemunho. Dois anos depois e um mês antes de seu desaparecimento, Juliano teria encontrado na rua com o PM Julio Cesar, que segundo testemunhas, deu-lhe uma surra. Internado com traumatismo craniano, o jovem desapareceu dias depois de deixar o hospital.
O tio de Juliano, Paulo Soares de Camargo, de 40 anos, teria sido ameaçado e agredido com tapas no rosto pelo PM Julio Cesar no final de 2009, meses antes do desaparecimento do sobrinho.
Um mês antes, em maio desse ano, o empresário Aílton José da Silva recebeu um telefonema de um suposto cliente marcando um encontro na Estrada de Embu das Artes, próximo à Cotia. Aílton então pediu a companhia de seu amigo Jocicloves Macena de Souza até o local, para onde ele também levou seus filhos Airton Oliveira da Silva, de 17 anos, e Jhony Gabriel Oliveira da Silva, de 7 anos. Ao chegar à Embu das Artes, o vizinho de Aílton e PM, Paulo Roberto Ferreira, com quem tinha sérias desavenças, o esperava. O policial então sacou uma pistola e disparou várias vezes contra o veículo de Aílton que ficou gravemente ferido. Seu amigo Jocicloves morreu na hora e seu filho Airton faleceu dias depois no hospital.
Preocupado, Aílton procurou o "Ouvidor de direitos humanos e cidadania de São Paulo", Luiz Carlos dos Santos, que o acompanhou até a corregedoria da polícia, onde a vítima identificou seu vizinho e PM Paulo Roberto Ferreira. Seu comparsa, que estava em uma moto amarela no momento do crime, foi identificado como Cabo Ricardo, lotado no mesmo batalhão que o PM Paulo Roberto.
Além desse caso, o ouvidor Luiz Carlos, de Cotia, denunciou vários outros crimes cometidos por policiais militares na região Sul da grande São Paulo, tendo sido ameaçado de morte em diversas ocasiões. No início de setembro, seis PMs sequestraram Luiz Carlos e o levaram para trás de um cemitério, onde agrediram-no e fizeram ameaças ao ouvidor e sua família.
Mas Luiz Carlos não se intimidou e montou um dossiê com cópias dos boletins de ocorrência de todos os casos citados nessa matéria e enviou-o para o Observatório das Violências Policiais de São Paulo, além de várias outras organizações que lutam pelos direitos humanos. O apelo de Luiz Carlos é para que todos esses criminosos a serviço do Estado sejam julgados e punidos, interrompendo assim o regime de terror instalado em Osasco, Cotia e região, por grupos de extermínio formados por policiais.
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(*) Com informações do Observatório das Violências Policiais de São Paulo, do Conselho Ouvidor de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo (CODH) e da Rede de Movimentos e Comunidades contra a Violência.
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