Criança negra é retirada de restaurante ao ser confundida como pedinte
Por Mario Sergio
Neste final de ano pude testemunhar e viver a vergonha dessa praga do
rascismo aqui em nossa multicultural São Paulo. E com pessoas próximas e
queridas. Não dá para ficar calado e deixar apenas o inquérito policial que abrimos tomar conta dos desdobramentos desse episódio lamentável e sórdido.
Na sexta feira, 30, nossos primos, espanhóis, e seu pequeno filho de 6
anos foram a um restaurante, no bairro Paraíso (ironia?) para almoçar. O
garoto quis esperar na mesa, sentado, enquanto os pais faziam os pratos
no buffet, a alguns metros de distância. A mãe, entre uma colherada e
outra, olhava para o pequeno que esperava na mesa. De repente, ao olhar
de novo, o menino não mais estava lá. Tinha sumido.
Preocupada, deixou tudo e passou a procurá-lo ao redor. Ao perguntar
aos outros frequentadores, soube que o menino havia sido retirado do
restaurante por um funcionário de lá. Desesperada, foi para a rua e
encontrou-o encolhido e chorando num canto. Perguntado (em catalão, sua
língua) disse que "o senhor pegou-me pelo braço e me jogou aqui fora".
O casal e a criança voltaram para o apartamento de minha sogra e
contaram o ocorrido. Minha sogra que é freguesa do restaurante,
revoltada, voltou com eles para lá. Depois de tergiversações, tentativas
de uma funcinária em pôr panos quentes, enfim o tal sujeito (gerente??)
identificou-se e com a arrogância típica de ignorantes, disse que teria
sido ele mesmo a cometer o descalabro. Mas era um engano, mas
plenamente justificável porque crianças pedintes da feira costumavam
pedir coisas lá e incomodar. E que ele era bom e até os alimentava de
vez em quando. Nem sequer pediu desculpas terminando por dizer que se
eles quisessem se queixar que fossem à delegacia.
Minha sogra ligou-me e, de fato, fomos à delegacia do bairro e
fizemos boletim de ocorrência. O atendimento da delegada de plantão foi
digno e correto. Lavrou o BO e abriu inquérito. Terminou pedindo
desculpas e que meus primos não levem uma impressão ruim do Brasil.
Em tempo: o filho de 6 anos é negro. Em um e-mail
(ainda não respondido pelo restaurante Nonno Paolo) pergunto qual teria
sido a atitude se o menino fosse um loirinho de olhos azuis.
Fonte: Luis Nassif
Sueli Carneiro: Nonno Paolo – um caso emblemático
por Sueli Carneiro
Há coisas essenciais sobre o racismo no episódio ocorrido no restaurante Nonno Paolo com um menino negro.
Eu não estava lá, mas pela reação de indignação da mãe da criança e seus amigos é lícito supor
que a criança em questão, seja amada e bem cuidada, portanto, não
estava suja e maltrapilha como costumam estar as crianças de rua que
encontramos cotidianamente na cidade de São Paulo.
Então, a "confusão" de quem a tomou, em princípio, por mais uma
criança pedinte se deveu ao único traço com o qual a define a
mentalidade racista: a sua negritude. Presumivelmente, o menino negro
era o único "ponto escuro" entre os clientes do restaurante e para esse
"ponto escuro" há lugares socialmente predeterminados dos quais
restaurantes de áreas consideradas "nobres" da cidade de São Paulo estão
excluídos.
Para o racista a negritude chega sempre na frente dos signos de
prestígio social. Por isso Januário Alves de Santana foi brutalmente
espancado por não ser admissível para os seguranças do supermercado
Carrefour que ele fosse proprietário de um Ecosport dentro do qual se
encontrava no estacionamento a espera de sua mulher que realizava
compras. Por isso a cantora Thalma de Freitas foi arbitrariamente
revistada e levada em camburão para uma delegacia por ser considerada
suspeita enquanto, como ela disse na ocasião, "porque a loura que estava
sendo revistada antes de mim não veio para cá?". Por isso Seu Jorge
além de múltiplas humilhações, sofridas na Itália foi impedido, em dia
de frio europeu, de entrar em uma loja com o carrinho no qual estava a
sua filha, "confundido" como um monte de lixo. São apenas alguns
exemplos de uma lista interminável de situações em que são endereçadas
para pessoas negras mensagens que tem um duplo sentido: reiterar o lugar
social subalterno da negritude bem como desencorajar os negros a
ousarem sair dos lugares que desde a abolição lhes foi destinado: as
sarjetas do país.
O episódio indica portanto, que uma criança, em sendo negra e, por
consequência "natural" , pobre e pedinte, pode, "legitimamente", ser
atirada à rua, sem cerimônia. É, devolvê-la ao seu devido lugar. Indica,
ademais, que essa criança não desperta o sentimento de proteção (que
devemos a qualquer criança) em relação aos perigos das ruas, pois ela é,
para eles, uma das representações do que torna as ruas um perigo!
Essa criança, por ser negra, também não é abrigada pela compaixão,
pois, há quem vê nelas a "semente do mal", como o fez certa vez, o
governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, defendendo a
descriminalização do aborto para mulheres faveladas, pois seus úteros
seriam "fábricas de marginais."
Há os que defendem a atitude do funcionário que expulsou a criança do
restaurante sob o argumento de a que região em que ele está localizado
costuma ser assediada por crianças pedintes que aborrecem a clientela
dos estabelecimentos comerciais. Na ausência do poder público
para dar destino digno a essas crianças, cada um age de acordo com sua
consciência, via de regra, expulsando-as. Outros dizem que a culpa pelo
ocorrido é dos pais que deixaram a criança sozinha na mesa. O subtexto
desse discurso é revelador e "pedagógico": pais de crianças negras
deveriam saber que elas podem ser expulsas de restaurantes enquanto eles
se servem porque elas são consideradas pedintes, ou menor infrator! O
erro não estaria no rótulo ou estigma e sim nos desavisados que não
compreendem esse código social perverso!
Os que assim pensam pertencem à mesma tribo de indignados que
consideram que espaços até então privativos de classes sociais mais
abastadas começam a serem tomados de "assalto" por uma gente
"diferenciada", fazendo aeroportos parecerem rodoviárias ou praças de
alimentação. Aqueles que não se sentem incomodados com a desigualdade e a
injustiça social. Aqueles que reclamam que agora "tudo é racismo"
porque, para eles, o politicamente correto é dizer que nada é racismo.
Esses são, enfim, aqueles que condenam o Estatuto da Criança e do
Adolescente, que advogam pela redução da maioridade penal, que
revogariam, se pudessem, o inciso constitucional que define o racismo
como crime inafiançável e imprescritível ou a lei Caó que tipifica e
estabelece as penalidades por atos de discriminação; conquistas da
cidadania brasileira engendradas por aqueles que recusam as falácias de
igualdade de direitos e oportunidades em nosso país.
O aumento da inclusão social ocorrida nos últimos anos está
produzindo deslocamentos numa ordem social naturalizada na qual cada um
"sabia o seu lugar" , o fundamento de nossa "democracia racial'. O
desconforto que esse deslocamento provoca faz com que os atos de racismo
estejam se tornando cada vez mais frequentes e virulentos.
Atenção gente negra! Eles mudaram! O mito da democracia racial está
revelando, sem pejo, a sua verdadeira face. Então, é hora de se conceber
e empreender novas estratégias de luta!
Um comentário:
La familia deberia hacer una demanda por daños y prejuicios pues tendran de pagar tratamento psicologico al niño.
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