quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Entevista feita pelo Portal Rap Nacional à Eduardo, do Facção Central



Nome completo: Carlos Eduardo Taddeo.

Data de Nascimento: 24/08/75

Em que ano começou no Rap: 1989


RAP NACIONAL: Quais as novidades que o público pode esperar para 2009? É verdade que você está preparando um DVD e um livro? Conte um pouco sobre esses projetos.

EDUARDO: Atualmente, estou trabalhando apenas em um projeto literário. A obra já está na sua fase final de elaboração. Acredito, que em breve o público poderá conferi-la. O que posso adiantar a respeito, é que, como todas as letras que escrevi até hoje, a linha de denúncia, protesto e militância política e social, estará expressa de forma indelével em cada frase do meu livro. Os opressores querem nos entorpecer mentalmente com suas mentiras e nos destruir. O conteúdo do meu trabalho, virá com a missão de ser uma ferramenta de resistência a mais da favela. Uma espécie de segunda opinião sobre tudo que nos é exposto como verdade plena e irrefutável. Além de tentar é óbvio, inserir vários manos que nunca folhearam um livro, no mundo impar da literatura. Chegou a hora de todos compreenderem que o pm lê pra matar, que o juiz lê pra condenar, que o político lê pra dizimar o povo, não podemos mais nos dar ao luxo da ignorância e da desinformação. Sei que é muita pretensão da minha parte, tentar lutar contra órgãos públicos, contra substâncias tóxicas, como o álcool e o tabaco e contra a lavagem cerebral feita por meia dúzia de famílias que administram e comandam a comunicação brasileira, com um maço de papéis repletos de idéias não convencionais. Mas, se cada um fizer sua parte, manifestando sua repulsa ao atual quadro de barbárie que vivemos, já será um avanço muito grande. Em relação à parte musical, os manos que admiram meu trabalho podem ficar tranqüilos que existem vários planos sendo arquitetados. Asseguro, que diversas novidades estão a caminho.

R.N.: Você acredita que 2009 vai ser um ano forte para o rap nacional? Por quê?

EDUARDO: Quando analiso as atuais condições do rap nacional, sempre procuro fazer uma distinção entre a parte humana e o lado mercadológico. O lado comercial e empresarial, a exemplo de todos outros estilos musicais, sofre severamente as conseqüências nefastas da pirataria. Infelizmente, o rap nacional, além dos estragos causados pelas copiadoras de CD´s e DVD´s, ainda conta com outros problemas que impedem ou retardam a sua evolução. Por ser um grito de revolução saído da periferia, as nossas rimas carregam o estigma atribuído pela sociedade burguesa, de ser a música feita de bandido pra bandido. Não que eu não faça música pra bandido, pelo contrário, faço música pra bandido, pra dona de casa, pra estudante, pra viciado, pra trabalhador, pra presidiários, etc. Enfim, faço rap pra todos que vivem nas camadas mais carentes do Brasil. Não discrimino e nem seleciono as pessoas. Até porque, segregação é coisa de nazista e dos monopolizadores da riqueza nacional. Acontece, que na conotação do inimigo, música para bandido, significa apologia ao crime, e isso definitivamente eu não faço. Não sou nenhum otário usado pelo sistema pra arrastar meus irmãos para a sepultura. De qualquer forma, esse rótulo preconceituoso, faz com que não tenhamos o espaço que deveria ser nosso por direito em todos os grandes veículos de comunicação de massa. Pra completar, poucos dentro do movimento primam pela ideologia, pelo crescimento e pela profissionalização. É inacreditável pra mim, como profundo admirador do Hip hop, constatar que no ano de 2009, século XXI, ainda não temos rádios oficiais especializadas, programas televisivos de grande audiência, locais adequados para a realização de eventos, que acomodem o nosso público tão sofrido de forma segura e confortável, e por fim, é mais do que absurdo, não termos nem equipamentos musicais compatíveis com o valor de nossa cultura. Citei apenas alguns dos inúmeros problemas que visualizo na parte empresarial e comercial. Relatei rapidamente alguns dos nossos erros, que nos fazem mesmo depois de quase três décadas de rap nacional continuar aprisionados no amadorismo. É impossível prosperar, sem saber administrar! Mas, nem só de defeitos vive a nossa cultura. Em relação à parte humana (a que mais me dá esperança na imortalidade do movimento) é visível e notório o crescimento intelectual e musical de diversos rapper´s. A mesma tecnologia que nos trouxe a pirataria, nos trouxe também a possibilidade de nos informamos via internet, de produzirmos ótimos trabalhos em nossas casas. Hoje o rap vive esse dilema; Temos uma pá de valores indiscutíveis, mas no entanto, sem gravadoras e sem mercado. Por isso, como disse antes, como profundo admirador, adepto e defensor ferrenho dessa cultura chamada Hip Hop, torço muito e atuo para que 2009 seja um ano melhor do que foram os anos passados, mas, não posso fazer nenhum prognóstico.

R.N.: Você tem medo do rumo que o rap nacional possa tomar no futuro?

EDUARDO: Claro, que até uns anos atrás, eu vislumbrava um futuro bem mais próspero para o rap, do que aquele que se apresenta na nossa realidade musical atual. Mas, não temo o que virá pela frente, pois, o ser humano é muito capaz de se adaptar a situações adversas. Inclusive, essa foi à tônica da evolução das espécies, sobreviver e se adaptar ao meio ambiente, por mais desfavorável e implacável que ele se apresente. O que eu mais temo na cultura, por mais que eu seja partidário da liberdade de expressão, é a entrada e a proliferação de aventureiros. Daqueles mc´s de fim de semana, que fazem música por diversão (se podemos chamar de música), sem compromisso algum com os bairros invisíveis socialmente. Daquelas maquetes egocêntricas e mau acabadas de BIG e Tupac, que se preocupam apenas em fazer pose e cara de gangsta, sem mensurar a complexidade dos temas abordados e as conseqüências prejudiciais de suas palavras. Com uma letra eu posso salvar vidas ou posso devastar várias famílias. O microfone é uma arma e como toda arma deve ser portada e manuseada somente pelas pessoas que são preparadas.
R.N.: O que mudou na sua personalidade desde o seu inicio no rap até hoje?

EDUARDO: O rap surgiu na minha vida quando eu ainda era um pré-adolescente, em plena formação física e mental. Imaturo, sem senso crítico e analítico, eu estava debutando na compreensão da engrenagem sórdida da sociedade. Nessa época, eu estava começando a entender o significado de palavras como; desrespeito, individualidade, ódio, racismo, tortura e exclusão. Eu era apenas mais um menino, reflexo dos garotos das favelas, que admirava e se espelhava nos criminosos que ascendiam socialmente através da arma e do sangue de terceiros. O contato com o rap representou inicialmente a minha salvação. É mais do que certo, que inevitavelmente eu seria do crime, pois sempre fui inconformado com a minha condição financeira, fruto das falcatruas da alta sociedade. Desde cedo, algo em relação a isso já me incomodava. Eu não sabia dizer com palavras o que era, mas já sentia; era a sede de justiça social em ebulição no meu corpo. Continuando. O rap me resgatou, mas, ao mesmo tempo me fez crescer mentalmente de forma precoce. Enquanto os moleques da quebrada estavam preocupados em jogar bola ou empinar pipa, eu já formulava minhas guerras pessoais para mudar o mundo. Eu já era completamente frustrado e infeliz, pois já compreendia que solidariedade, direitos humanos, direitos individuais, liberdade de ir e vir ou liberdade de expressão, não passavam de propaganda enganosa. Sem o rap, eu me enquadrava no ditado que diz: A ignorância é uma dádiva! Depois de algumas doses de informação, um homem de verdade não consegue ser feliz sabendo as verdades podres do mundo. Posso afirmar, que o rap me trouxe princípios morais sólidos incomuns para a faixa etária em que eu me apresentava. E infelizmente incomuns para a periferia. Antes do rap, eu nunca tinha discutido sobre a luta de classes ou sobre a necessidade de políticas afirmativas relacionadas à questão do cidadão negro. Nunca tinha ouvido falar se quer a respeito de auto-estima, amor próprio, coletividade, unidade, segregação racial e social, guerrilheiros, regimes tirânicos, democracia e revolução. Com o passar dos anos e com as muitas experiências de vida adquiridas, eu fui regando mais e mais essa semente plantada no meu cérebro, pra que eu pudesse colher bons frutos e dividi-los com o povo. A cada nova letra que eu escrevia, minhas opiniões e pontos de vista estavam mais lapidados e fortificados. Pra comprovar o que eu digo, basta o mano ouvir do primeiro cd que eu gravei até o último. Verá que há um grande aprimoramento ideológico. No primeiro disco por exemplo é flagrante que compus focado em problemas mais ligados ao meu bairro, a situações que ocorriam a minha volta. A minha grande preocupação como recém adolescente, era mostrar que eu também sabia falar gírias, que eu também era da rua, que eu também tomava enquadro, que eu também era vitima de preconceitos e que eu também era marginalizado. No meu caso, era até uma questão de sobrevivência musical provar tudo isso. Por ter a pele clara, mesmo sendo um mestiço com genes africanos como todos os brasileiros, eu sofria muita discriminação no cenário. Alguns manos no começo, nem acreditavam que as letras eram criadas por mim. Felizmente, não demorei muito pra perceber a importância do que eu tinha em minhas mãos e o tamanho da missão que o moleque do cortiço havia recebido do destino. Aprendi, que o rap transcendia o Eduardo, os meus manos, a minha quebrada, era mais do que municipal, estadual ou continental, era universal. A percepção da magnitude da grandeza desse estilo musical inigualável, deu contornos finais ao homem que eu sou hoje. O rap me educou, o rap me conscientizou, o rap abriu as portas para a cultura marginal, aquela que contém o livro que nenhum professor te indica, o rap formou a minha personalidade e o meu caráter, o rap desabrochou a minha ideologia, o rap trouxe essa gana sufocante de tentar revolucionar o nosso estado de escravo funcional a todo custo, nem que seja com a própria vida.Eu posso afirmar sem medo de errar, que a única escola que eu tive durante toda a minha existência foi o rap. Dos meus doze anos de idade até hoje, tudo que eu fiz na minha vida estava linkado de alguma forma ao Ritmo e a Poesia dos guetos. Não sei pro mundo, mas pra mim, rap e Eduardo são sinônimos.
R.N.: Qual foi o último livro que você leu? Qual livro você acha que toda pessoa deveria ler? EDUARDO: O último livro que eu li era a respeito de Karl Marx, se chamava o julgamento do século. Faz parte de uma coleção, onde vários personagens históricos, têm suas vidas profissionais e pessoais expostas para que o leitor possa fazer uma analise não só do mito, mas também do homem e tirar suas próprias conclusões. É bastante interessante. O trágico da história desse livro, não está em seu conteúdo e sim, na forma como ele veio parar em minhas mãos. Minhas filhas estudam na mesma escola. Uma escola publica no bairro do Grajaú, como se o rap permitisse o contrário. Nessa escola, tem uma biblioteca que deve estar em reforma a uns quatro anos. Por causa da reforma as crianças não podem ler. E o mais inacreditável, é que na biblioteca inoperante se encontram vários volumes de textos indigestos para os opressores. Que deveriam ser leitura obrigatória de todos às pessoas da periferia. De tanto as minhas filhas Duda e Gabriela insistirem que queriam ler, uma professora resolveu ajuda-las nessa perigosa empreitada. Então, de forma ilegal, ela traficou o livro de prateleiras empoeiradas direto pro interior da mochila de uma delas. O que possibilitou que o flagrante chegasse em minhas mãos. O foda é saber, que nem armas são criminalizadas dessa forma no ambiente escolar. Minhas filhas e a professora se fossem apanhadas provavelmente seriam torturadas e mortas por alguns gambés filhos da puta. É truta, não se espante, é só lembrar que durante a escravidão o homem negro que soubesse ler era morto. Informação é e sempre será proibida pro povo. Quem deve ter ficado muito espantado, deve ter sido o corpo docente da escola, quando minhas filhas reivindicaram o direito a posse de um livro. Eles devem ter se perguntado; Caralho! A onde foi que eu errei? Porque será que essas faveladas querem ler, se eu fiz de tudo pra que elas assistissem novela, programas de fofoca, ouvissem música sem ideologia e se contentassem em serem diaristas? Moral da história... Só um plano maquiavélico que objetiva a conservação, da imensa massa de manobra, explica a ação criminosa do Ministério da Educação, ao manter uma série de livros desperdiçados num depósito em detrimento de alunos que necessitam de informação e de acesso à história não oficial. Se o problema é o espaço físico, não seria simples leva-los as classes? Que burocracia estúpida é essa, que permite que crianças leiam apenas em determinado espaço. Será que se você não ler dentro de uma biblioteca, as informações não entram no seu cérebro? Isso, é só o aperitivo do ensino público que aprova alunos não por mérito, mas por freqüência escolar. Do ensino publico que dissemina o racismo, ensinando os alunos com material didático que exalta o europeu e inferioriza a ancestralidade africana e seus costumes. Do ensino público que aceita atitudes de discriminação. Crianças negras se tornam alvos de brincadeiras racistas, piadas racistas, atitudes racistas, e todos se omitem. Quando elas reclamam pros professores são aconselhadas a deixar pra lá, aceitar como se fosse natural ser colocado em situações vexatórias. Quando eu digo que temos que tomar o poder via congresso nacional, eu quero dizer que todos os dias os nossos filhos estão nas mãos dessas pessoas incapacitadas, que trabalham veementemente pra sua destruição. E alguns, marionetes dos boys, ainda falam que eu sou exagerado, que eu fantasio pra lucrar com o sangue, pra vender cd através da desgraça alheia. Será que é o Eduardo mesmo que lucra com o sangue derramado nas ruas? A respeito do livro que todas as pessoas deveriam ler, sem duvida nenhuma eu indico a biografia de Malcolm X. Lendo a história desse grande militante da causa negra, o leitor será capaz de perceber o quanto o acesso a leitura é transformador. Verá que não há vicio ou violência que resista a palavras num papel.
R.N.: Existem milhares de grupos de rap, espalhados pelo Brasil, que sonham em gravar um disco e fazer sucesso. Só que o sucesso chega para poucos. Qual recado você deixa para esses grupos?

EDUARDO: O que eu posso dizer é o seguinte; irmão, se o teu sonho é ser o popstar que por intermédio da música compra carros do ano, jóias, apartamentos, come uma pá de mina e tem uma vida glamurosa, esquece, que o seu caminho não é o rap. Agora se o teu propósito é elevar o nível cultural e social da sua gente, se teu sonho é mudar radicalmente a vida das pessoas enclausuradas nos campos de extermínio e nos campos de trabalhos forçados, demoro, pode colar que o rap é o seu lugar. Quanto mais manos nós tivermos, com doses cavalares de indignação no peito e de amor e preocupação com o próximo, mais forte nós estaremos, como músicos, como pessoas e como movimento. É importante salientar que o rap não se limita aos cantores, o que eu falei vale para o grafiteiro, para o parceiro que expressa a sua arte através do break, da pichação, da palestra, dos livros, dos toca discos. Ou até mesmo pros manos que não se manifestam politicamente ou artisticamente, mas agraciam a nossa cultura com um comportamento exemplar, digno de verdadeiros seguidores da ideologia revolucionária. O hip hop é igual coração de mãe, sempre caberá mais um, desde que seja um gladiador que deseja colar na arena pra fortalecer a corrente, pra viver por uma causa e morrer por ela. Não é mais brincadeira de adolescentes preocupados em demonstrar para o mundo, quem vive no bairro mais violento. O rap exige muito mais responsabilidade e bom senso do que talento. Chega de assassinar nossa gente com nossos exemplos errados. Uma pá de truta, acha que eu bato mó sujeira com os parceiros que se drogam. Eu não sou nada e nem ninguém pra julgar ou condenar quem tenta amenizar seu cotidiano desesperador através de substâncias alucinógenas e psicotrópicas. Eu não fumo, não cheiro e não bebo, mas, se eu tivesse esses vícios não seria uma pessoa inferior a quem eu sou hoje. O caráter de uma pessoa, não se mede pela quantidade de baseados ou pelas gramas de cocaína que ela usa, e sim, pelos seus atos. Todos são livres pra fazerem o que bem entenderem. O que eu repudio é usar essa liberdade tóxica e letal na frente das crianças. Os manos que cometem esse erro, tem de lembrar, que os moleques muitas vezes, não tem bons exemplos em casa, pra confrontar com os maus e fazer um equilíbrio, uma compensação. Nunca podemos esquecer, que esses meninos e meninas, na maioria das vezes não tem um pai e uma mãe com um livro na mão, e sim com um litro. Muitos não têm uma referência positiva a seguir. Muitos nem os pais conhecem, são criados por avós. Em grande parte, não estamos lidando com pessoas que abrem a porta de casa e encontram uma família estruturada e esclarecida, que mantêm conversas francas sobre os estragos provocados pelas drogas licitas e ilícitas. Se você acha que não tem nada de mal em enriquecer ainda mais os donos das plantações de coca, de papoula, os empresários da InBev e a família Morris, firmeza! Mais deixa pelo menos as nossas crianças formarem seu cérebro racional pra decidirem a respeito do assunto. Aqueles que derrepente, acharem que as minhas palavras são exageradas, podem traduzir a música Better Dayz do Tupac, pra conferir que o que eu estou tentando expressar é apenas um pensamento universal, de todo o mano preocupado com a sua gente.
R.N.: As grandes mídias, principalmente emissoras de televisão, aos poucos vem utilizando o rap na programação. São personagens de novela, mini-séries, entrevistas, entre outras formas. Você acha que isso pode ajudar ou prejudicar o rap nacional?

EDUARDO: Os benefícios ou prejuízos, dependem muito da maneira em que as pessoas em questão se portam, uma vez, imersos nesse espaço restrito, completamente proibido pra ideólogos. Corrupção moral na televisão é pleonasmo. Nos dias de hoje infelizmente, as portas são abertas apenas para os que querem se vender. Para os que querem reverberar as idéias embranquecidas dos inimigos. De qualquer forma, a nossa inclusão televisiva é mais do que tardia, afinal quem proporciona audiência para as emissoras é o povo carente de cultura. Quem consome os produtos anunciados nos comerciais somos nós. Então nada mais justo do que aqueles que sustentam esse mercado terem seus autênticos representantes na tela. Temos que lutar pra revertermos a injustiça e não pra sermos mais um no papel de escravo ou no papel de motorista. A representatividade do povo pobre fora das telas gira em torno dos 90%, então temos que brigar por essa quantia dentro dela. Eu não quero cota e nem esmola, eu quero o que é nosso por direito. Nós não estamos na Noruega, os brancos com olhos azuis representam uma parte ínfima da população, então, é obsceno que eles componham a parte majoritária dessa vertente da indústria do entretenimento. Cometemos o erro de abrir mão da tv muito cedo, antes mesmo de entender a sua importância. Fizemos o que o inimigo esperava, deixamos a tv pra ele. Pra que ele pudesse nos alienar, formar as nossas opiniões, crenças, religiões, para que ele nos transformasse em marionetes inanimados que não pensam. Apenas respiram, aceitam e sorriem, sem qualquer compreensão do que esta sendo empurrado goela a baixo, pelo portal maquiavélico acomodado na estante.
R.N.: O Brasil tem um presidente que nasceu pobre. O Estados Unidos um presidente que é negro. Isso significa poder para a minoria e melhora para o povo da periferia?

EDUARDO: Tanto o Lula, quanto o Barack Obama, eram sonhos de nações devastadas pelo ódio racial e social, freqüentemente disseminado pelos opressores, na promoção das suas lutas de classes. O Lula era e ainda é, a representação em carne viva do retirante nordestino, expulso de sua terra pela seca, pela falta de reforma agrária e pelas políticas da República Velha, que tanto beneficiaram o sudeste. Como todo bom favelado, eu me senti representado ao ver um homem que se assemelhava a mim ocupando o cargo mais importante do país. Com o tempo aprendi uma dura lição. Não adianta ter um de nós no poder com uma estrutura burguesa. Não adianta esse um dos nossos chegar ao topo financiado com o dinheiro de sangue da classe rica. Nessa circunstância, o máximo que os donos do passe do homem escolhido como salvador da pátria, permitem, é que ele nos dê algumas esmolas assistencialistas. E isso, para nos manter doentiamente felizes. E isso, de preferência em anos eleitorais. O boy permitirá que recebamos R$ 50,00, se em contra partida mantivermos nossos filhos na escola com sistema de aprovação automática. Ele concede R$50,00, apenas com a certeza que em troca receberá mais alguns semi-analfabetos. Nos deixará ter a tv de 29 polegadas, o carro financiado, mas, nunca o acesso às faculdades e aos melhores empregos. Foi foda aprender essa lição! Como todos, eu acreditava que quem mandava no país era o presidente e não o Congresso Nacional. Esses equívocos fazem parte da educação autodidata. Todos favelados esperavam que suas condições miseráveis de vida seriam prioridades do governo federal. Duramente constataram, que a exemplo de todos os presidentes passados, o foco presidencial eram os banqueiros, os industriais, os grandes empresários, enfim os investidores da candidatura. Com o passar dos anos, ficou claro, que o crescimento nacional estava atrelado ao crescimento global. Enquanto os chineses viviam a sua expansão econômica e os norte-americanos consumiam, nós crescíamos. Veio a crise mundial e o sonho acabou. Resumindo, o governo do metalúrgico, líder sindical, revolucionário esquerdista, foi tão corrupto e incompetente como qualquer outro governo burguês. Mas, foi absolutamente válido, pois nos trouxe esse aprendizado; não precisamos apenas de um presidente oriundo da favela, precisamos junto com ele, também de senadores, deputados federais, governadores, prefeitos, deputados estaduais e vereadores. Precisamos ter o controle total da máquina pública. No caso do Barack Obama, eu fiquei muito feliz com a sua escolha. Enxerguei sua vitória como uma espécie de vingança das minorias discriminadas contra a praga do racismo. Uma desforra das nações subdesenvolvidas do planeta ao modelo branco europeu norte-americano. Foi um acontecimento histórico e inacreditável. Digno de um longa metragem, ainda mais, por ter ocorrido em um dos países mais preconceituosos do mundo. Não posso precisar, que se trata de um primeiro passo em direção a uma nova era, mas, é muito importante termos mais esse modelo de superação e conquista para nos espelharmos. A história de Obama é a prova de que podemos, se quisermos. Não vou mentir, eu tenho uma satisfação imensa ao pensar nos filhos da puta da Ku Klux Klan, nos cavaleiros da camélia branca e outros adoradores de Hitler sendo governados por um homem negro, filho de um queniano e de sobrenome árabe. Igual a todos no Brasil, eu cresci importando as histórias made in USA. Cresci cultuando ídolos como Malcolm X, Martin Luther King, panteras negras, Rosa Parks, etc. As lutas dessas pessoas pela igualdade racial, pelos direitos civis e o fim das leis segregacionistas, se tornaram lutas planetárias. Adotamos o desejo de liberdade do afro-americano e seu sonho de ver um homem não branco no posto mais cobiçado do planeta. Sendo assim, no dia que o Barack Obama discursou como o 44º presidente americano e 1º presidente negro da história sangrenta dos Estados Unidos, acredito que cada pessoa do mundo, que já foi vitima da omissão estatal ou de ações repressivas e discriminatórias governamentais, estava em espírito ao seu lado. Mas, de qualquer forma, é bom deixar uma coisa clara, o lucro que teremos com a vitória de Obama, na minha opinião, virá da força do exemplo. Como os americanos ditam as tendências globais, é certo que muitos copiaram a nova ordem. Alguns racistas a partir deste momento devem ter passado a pensar; se um negro é capaz de comandar o país mais importante da terra porque não ocupar cargos de alto escalão. Porque não exercer funções de controle, de responsabilidade e de grandes decisões? Agora, eu creio que não podemos nos iludir que a Obamania mudará a vida dos afro-brasileiros nos morros e nas periferias. O fim do apartheid na África do sul e a eleição de Mandela pra mim foram mais significativos, e mesmo assim não tiveram tal êxito. È um erro na minha visão pensarmos que a partir de agora os problemas de outros povos serão tratados como problemas da Casa Branca. A política capitalista norte-americana consiste apenas numa coisa; manter a hegemonia planetária. Barack Obama não foi eleito para mudar o fanatismo local por poder ou para abrir mão da supremacia. Os americanos, para manter o status de potência militar, econômica, tecnológica e industrial, assim como na era Bush, continuarão financiando guerras, ditaduras, tiranos, pilhando povos, usurpando riquezas e dizimando milhares de opositores.
R.N.: O sistema carcerário está super lotado. As ações em segurança pública são um verdadeiro fracasso. O governo e a sociedade investem mais no combate à violência do que em educação. Na sua opinião, porque as ações do governo não surtem efeito? O que precisa ser feito para reverter esse quadro?

EDUARDO: Creio que na formulação de sua pergunta já foi dada a resposta. Não precisamos de mais arsenais bélicos, de mais celas de segurança máxima e de mais tropas de homicidas carniceiros, precisamos de arsenais de livros, classes de excelência máxima e de tropas de professores por vocação. Digo por vocação, porque aqui, é bastante comum, as pessoas se tornarem educadores porque o magistério é um dos cursos universitários mais baratos. No Brasil, existe uma grande deturpação do termo; investimento social. Políticas sociais, significam apenas manutenção da ordem através do uso da força. Os gestores do dinheiro público, nunca tiveram o crescimento cultural e financeiro do povo como prioridades. A meta pessoal das amebas governistas, sempre foi usar os cargos que ocupam como balcões de negócios. Não é por acaso, que somos um dos países mais corruptos do mundo! Esses psicopatas, não subiram em palanques e mendigaram votos, com a singela intenção de diminuir as estáticas de violência através de ações humanitárias. O jargão; “MEU POVO”, que usam nas campanhas eleitorais, não incluem os habitantes das favelas. A única diferença que fazemos vivos ou mortos, é que, quando vivos estamos dentro das estáticas da miséria, e quando mortos, dentro das estatísticas dos assassinados. As mãos que os alimentam, não se importam com as lágrimas das áreas carentes, ao contrário, exigem medidas de segurança que produzam limpezas étnicas e sociais, justamente nesses pontos geográficos. Não querem uma sociedade pacifica, querem que os moradores dos condomínios de alto padrão tenham uma vida tranqüila. Desta forma, explica-se porque ao invés de tentarem alcançar a paz, por meio da geração de condições básicas de subsistência digna para todos, (o que seria no mínimo mais inteligente) os políticos insistem em abolir a criminalidade, acuando cidadãos pobres em senzalas modernas. Insistem em abolir a criminalidade, aprisionando em masmorras ou eliminando aqueles que se opõem às regras do jogo. Concluindo; estamos sendo afogados num dilúvio de sangue porque os três setores; governo, empresas privadas e sociedade civil burguesa, preferem investir em repressão, em violência e não em educação. Claro, que existem ações mais imediatistas que devem ser postas em prática antes de aculturação total da nação. Você não pode matar a fome daquele que está faminto com um livro didático ou de auto-ajuda. Nem dar um caderno pra um desabrigado e esperar que ele o use como telhado para se proteger da tempestade. Só que é o seguinte; mesmo que seja sanado o déficit habitacional e mesmo que todas as crianças com inanição sejam alimentadas, sem educação, nunca deixaremos nosso estado de país subdesenvolvido do 3º mundo. E porque será que nos privam da educação se ela representa o progresso da população de forma generalizada? Burrice? Negativo! È bíblico, nem Deus quis dividir o conhecimento. Por tanto conhecimento significa poder, significa ser o Deus de seu mundinho. Ninguém quer dividir o poder. Educação representa; eleitores que sabem votar e cobrar. Educação representa; pessoas que não se submetem às ações estatais arbitrárias pacificamente. Educação representa; protesto, reivindicações e busca desenfreada pela cidadania. O atual quadro social, é mais do que conveniente para esses sádicos tirânicos. O povo conhece os seus deveres e obrigações, mas, desconhece inteiramente os seus direitos. O povo se quer sente a necessidade de ter representantes genuínos na política. A educação criminosa, nos doutrinou desde cedo a crer que política é coisa de boy. Somos apolíticos sem compreendermos a necessidade da politização. Fomos educados, adestrados e manipulados, para sermos escravos funcionais. Para sermos a mão de obra da linha de produção do inimigo. O Brasil está condenado ao fracasso, porque, um país só cresce, quando investe no seu povo, do mais pobre ao mais rico. Um povo beneficiado por políticas públicas, que visam alcançar a justiça social não lota presídios ou cemitérios. Enquanto caminharmos contra essa lógica primária, viveremos eternamente em combate. Atualmente, não há planos governamentais de inclusão. O sistema carcerário é pautado na vingança social, não existe para com o preso, o desejo da sociedade em relação a sua ressocialização. O preso que se regenera o fez, não pelo o Estado, o fez apesar do Estado. As favelas são criminalizadas, mesmo tendo comprovadamente apenas 1% de sua população na criminalidade, e isso, para que as ações de extermínio nos morros e bairros periféricos sejam legitimadas e aceitas. Crianças, que poderiam no futuro concretizar o sonho nacional de potência mundial, estão abandonadas nas ruas, estão fumando crack em plena luz do dia, estão engravidando e gerando a próxima geração de abandonados. Esses são apenas alguns exemplos que demonstram a falta de vontade política dos porcos que estão no poder, dizendo que representam nossos interesses. Não é interessante para o playboy educar seus adversários. É mais lucrativo mantê-los calmos a base de quilos de pólvora, esperando o milagre que os pastores e padres em troca de algumas oferendas, dizem que Deus um dia nos enviará. Concluindo, para modificar a atual conjuntura genocida, precisamos de homens públicos que coloquem a educação das escolas dos bairros pobres como primeiro item da lista de emergências.
R.N.: Qual o foco das suas letras? Quando você escreve que tipo de mensagem tenta passar para o público?

EDUARDO: O foco das minhas letras é o povo da periferia e a injustiça social que assola a todos nós. A mensagem que tento transmitir aos que me ouvem; é que esta mais do que na hora de abolirmos o conformismo, a alegria burra e o pacifismo pré-fabricado por nossos tutores. Chega de nos contentarmos em manusear vassouras e pistolas. Quero que os meus manos desejem o topo, o alto escalão, das empresas e dos poderes públicos. Mas, que desejem tudo isso, compreendendo que podem. Desde o berçário nos adestraram para entender que o nosso lugar é na cozinha. Negativo! Meu rap tenta ser a borracha que apaga essa maldita lenda urbana. Esse folclore estúpido. Ser controlado não é nosso estado natural como seres humanos. Não existe supremacia branca ou burguesa. Não carregamos genes de inferioridade. Não somos as presas da cadeia alimentar. Não viemos ao mundo para servir o patrão branco. Somos a maioria e devemos nos portar como tal. A revolta deve estar obrigatoriamente em nosso dia a dia, no trabalho, na escola, nos momentos de diversão, nos momentos de reflexão e nos momentos raros de alegria. Nos ensinaram, que o homem contente é inteligente e que o revoltado e revolucionário é violento e inconseqüente. Por enquanto, eu posso provar que uma legião de robôs feliz produz apenas aquilo que a classe AAA deseja. Os que me criticam não podem afirmar quais seriam as conseqüências da nação de inconformados que eu tanto sonho em ver.
R.N.: Fale sobre a importância do Portal Rap Nacional, e agora da Revista Rap Nacional, para o fortalecimento do movimento.

EDUARDO: O Portal Rap Nacional, assim como a Revista Rap Nacional, são ferramentas de suma importância para a difusão da verdadeira ideologia da cultura Hip Hop. São peças fundamentais, para compor o cordão de resistência contra a ditadura burguesa em relação à informação. Como todos os verdadeiros rapper´s que estão nas trincheiras, tanto o site, quanto a revista, tem a missão fundamental, não, de formar opiniões, mas de criar cidadãos pensantes, livres para que eles sim, formem seus conceitos e idéias a respeito da sociedade tirânica e racista, chamada de Estado Democrático de Direito, a qual, eles infelizmente são pertencentes. Somos negros, somos brancos, somos mestiços, somos favelados, somos periféricos, não podemos renegar nossas raízes, não podemos renegar a nossa luta. Parabéns ao Portal e Revista Rap Nacional e a todos os guerreiros e guerreiras, que fazem parte desse exército de excluídos sociais, que através da inteligência, criatividade e perseverança se auto incluíram num movimento chamado Hip Hop. Paz a todos que mesmo sob as balas da policia e as criticas das marionetes dos playboys, tremulam com coragem essa bandeira. Tenha certeza irmão e irmã, você é a continuação de Gandhi, de Malcolm X, de Oscar Schindler e de tantos outros, que fizeram as bestas de suas épocas dobrarem os joelhos com seus atos de bravura em pró da humanidade.

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