segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Reflexões sobre o Rap – Parte I


Estava matutando faz tempo sobre o momento da música Rap brasileira. Lendo várias coisas sobre, conversando com várias pessoas e tentando compreender a suposta engenharia por trás disso tudo, hoje me sinto, pelo menos por hora, capaz de tecer algumas considerações.
Estou no Hip Hop desde 2000, no rap, uns 6 anos. Comecei como um locutor capenga de rádio, cujo alcance era toda a cidade de Campos dos Goytacazes - RJ. Rap nacional e gringo eram tocadas por pelo menos 2 horas semanais. Época boa que me fez conhecer a necessidade de expressividade dos pretos, pobres, mestiços e oprimidos. E o mais interessante sempre foi a pluralidade de assuntos colocados a tona que transitavam pela crueza das ruas e a metáfora das relações interpessoais.
Quando em 2003, na cidade de Cabo Frio – RJ, junto com o Nélio e o Marcelo (hoje vocalista da banda de hardcore Solstício). Decidimos montar o grupo de rap Bandeira Negra, optamos pela linha libertária, combativa, com a proposta de recontar a história de dominação e propor uma transformação diante da infâmia do mundo capitalista.
Quando montamos o grupo, acreditamos que estávamos preenchendo uma lacuna no universo do rap brasileiro e que com dedicação e empenho, viraríamos referência. Talvez fomos ingênuos em pensar desse jeito, até porque por mais que a lacuna exista, preenche-la não é uma tarefa tão fácil quanto se imagina e que algum grupo/artista possa se legitimar com único detentor dessa responsabilidade é no mínimo insanidade.
O Marcelo saiu, entrou outro Marcelo que é o DJ e o Bandeira Negra, aparentemente, permanece fiel a sua linha. E hoje a grande discussão se passa pela absorção ou não do rap brasileiro pelo mercado fonográfico e os discursos que permitem ou não a mobilidade por espaços que são considerados legítimos ou nem tanto.
Aí eu entro no campo das considerações sobre o mercado e a mobilidade de discurso. Se pensarmos o mercado como lei da oferta e da procura, seria compreensível entender a não absorção do rap brasileiro? Afinal, pouca procura do consumidor, não necessitaria de muita oferta, certo? Pode ser, mas penso que quando se trata de rap brasileiro e sua absorção do mercado e conseqüente difusão em grande escala, não acontece meramente por leis de mercado.
As explicações variam. Desde a qualidade musical questionada, musicas não dançantes, letras confusas, posturas radicais e por aí vai. Bom, penso que as explicações anteriormente citadas não podem ser consideradas consensuais e nem podem ser por partir de conceitos de recepção que são relativos para quem absorva a música rap. Ou seja, se são conceitos abstratos, o que os torna legítimos? As relações de Poder e Autoridade. Poder e Autoridade que não estão nas mãos dos pretos, pobres, mestiços e oprimidos. Quem legitima tem o Poder e é interessante legitimar uma música em que os protagonistas historicamente são os pretos, pobres, mestiços e oprimidos?
Vamos pensar que essa lógica não é linear e que se podem haver rompimentos, como se há, ao se entra a mobilidade do discurso e suas possíveis implicações para quem absorve. Voltando ao caso do Bandeira Negra e sua linha discursiva, sempre soubemos que a linha adotada nos limitaria espacialmente e que a moderação só seria adotada na medida em que a situação nos apresentasse iminente perigo a nossa existência. E sabendo que nossa linha implica embate constante com o poder constituído, a moderação é a linha tênue que vai definir quando se estar ou vivo ou se está morto.
Não dá para dividir espaços específicos com determinadas pessoas, bater parabéns para determinados projetos ou legitimar determinadas ações estatais, pois significa incoerência e no nosso caso, significa a morte.
Ou seja, quando um discurso é construído, é preciso ser mantido, mesmo que isso signifique a limitação dos espaços legitimados pelo Poder que são usados como território de massacre e anulação dos pretos, pobres, mestiços e oprimidos. E o fato de estarem os pretos, pobres, mestiços e oprimidos, não significa muita coisa a não ser legitimar o massacre e anulação, pois quem afirma que o Poder massacra e anula, acaba sendo acusado de engodo e o massacre e a anulação perpetua “invisível” e eficaz.
Ter um discurso polido, saber falar, ter variações de discurso, ser respeitado e tal é importante? Sim, tem um propósito, ou vários, como quiserem. Só não me diga que isso necessariamente implica enfrentamento, estratégia inteligente ou algo perto disso. Enfrentamento talvez, passividade quase sempre.
Temos a implicação final, ou pelo menos é final do texto proposto que se é ter dinheiro, visibilidade e empoderamento. Concordo que precisamos ter dinheiro, visibilidade e empoderamento, mas como encaramos isso? Ou melhor, como isso nos é colocado? Dizer que os pretos, pobres, mestiços e oprimidos não sabem viver com dinheiro é falácia, pois o salário que nos é condicionado, não sendo suficiente para nossa vivência, estamos aí, vivão e vivendo, e também dizer que com o dinheiro virá a visibilidade e o empoderamento é um ledo engano? Pois é, quem ganha nisso tudo?
Repito: acredito que precisamos de dinheiro, visibilidade e empoderamento, porém seguindo alguns critérios: que o dinheiro seja o meio, não o fim de tudo, que a visibilidade esteja atrelada a identidade e vivência dos espaços de origem e o empoderamento, bem, sem os pretos, pobres, mestiços e oprimidos como decididores da engrenagem, qualquer discussão do Poder, passa pela aniquilação dos não – privilegiados pelos privilegiados.
O Rap não é meramente música, não é meramente entretenimento e não obedece meramente as leis de mercado. É coesão, coerência, autenticidade e transformação. Quem segue essa linha, acredito que esteja no caminho do questionamento da Autoridade e conseqüente virada. Então, que venha a virada.


Fábio Emecê – Bandeira Negra e Coletivo H2A – Hip Hop Ativista

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