sábado, 2 de abril de 2011

Entrevista com Teixeira e Sousa

O rapper Fábio Emecê e Clovis Bate-bola estiveram com a presença do ilustre poeta e romancista cabofriense Antônio Gonçalves Teixeira e Sousa, mas conhecido como Teixeira e Sousa. Pessoa de grande humildade e conhecimento. Coisa difícil foi entrevistar este senhor de olhar triste e voz rouca tamanha a sabedoria existente em suas falas. por vezes preferimos não interromper os rios de sabedoria que jorram pelas palavras desse gênio da nossa literatura.

Para os que não conhecem a obra genial escritor, vale lembrar que é autor do livro O filho do pescador, que é considerado o PRIMEIRO ROMANCE BRASILEIRO. É filho de um português com uma negra. Teve de abandonar o estudos para aprender uma profissão que ajudasse economicamente a família. Aprendeu a mecânica e a carpintaria e trabalhou no Rio de Janeiro durante muitos anos. Hoje, disputa com camelôs o espaço para vender seus livros na rua Érico Coelho. Revoltado com o estado atual da cultura na cidade, diz que se pudesse voltar atrás, teria exposto sua obra em outra cidade.

Teixeira e Souza, sua vida, assim como a de muitos artistas em Cabo Frio, foi muito difícil. Como foi ficar só no mundo tão cedo?
Eu, como todo mestiço, tive de trabalhar muito cedo para ajudar em casa. Era um tempo difícil e não havia a facilidade que hoje se tem de aprender. Ou você passava dias aprendendo uma profissão ao lado de quem tem anos de experiência ou você morria de fome. A gente tinha de trabalhar estudando. Não havia tempo para trabalhar e fazer curso a noite. O meu tempo de laser era dedicado as letras.

Você está com um barraquinha no miolo comercial de Cabo Frio. Houve alguma dificuldade para conseguir a liberação da prefeitura para vender seu livro no local?

Mesmo tendo escrito o primeiro romance brasileiro, tive dificuldades em conseguir espaço na rua para vender. E, mesmo depois de ter conseguido a liberação da secretaria de ação e postura da atual administração, tive que enfrentar muitos problemas com os camelôs no local.


E as casas de cultura locais, como têm olhado para o seu trabalho?




Essas casas pouco se importaram com a minha literatura. Talvez, no dia em que eu morrer, serei lembrado pelo poder público como talento local. Mas, isso não passará de objeto de valorização cultural com cunho eleitoral. Essa é a realidade quando se tem a cultura comandada pela batuta de homens sem compreenção do que fazem com a máquina pública e sem paixão pelo seu povo, por suas origens.


Como tem sido o seu meio de sobrevivência nessa realidade desfavorável?


Graças a Deus, tenho vivido de minha aposentadoria. Trabalhei por durante anos no Rio de Janeiro de carteira assinada e hoje posso sobreviver da minha aposentadoria de um salário mínimo. É muito pouco, mas é melhor do que ter de viver de pensão de políticos.



Há pouco tempo chegou à câmara dos vereadores um projeto de lei que pretendia obrigar a prefeitura a dar uma espécie de "pensão" para o senhor. Como foi a sua reação?


Eu agradeço a ajuda desses senhores que creio terem sido escolhidos democraticamente para representar o povo. Mas, recusei e recusarei sempre. Sou homem que sempre viveu do próprio suor e não será hoje, na minha velhice, que irei sucumbir aos apelos caridosos de políticos. Gostaria de ganhar dinheiro sim, e muito. Mas, quero ganhar pela minha arte e não por esmola ou pena. Quero ser reconhecido pelas próximas gerações como o retrato de algo de bom que aconteceu em Cabo Frio e não mais um sanguessuga do dinheiro público.


Como o senhor tem visto os que movem a cultura na cidade?


Com excessão das entidades autônomas, o resto são meros sanguessugas. Homens que nunca tiveram um lápso de inspiração ou conhecimento de arte, hoje regem as secretarias de cultura como se fossem suas biroscas. Tratam o funcionário público como se fossem criados e o artista como um mendigo. O que esperar desses homens que ganham sem fazer cultura senão o opróbio. Existem também aqueles que fazem alguma obra de arte, mas é mero narcisista preocupado com a necessidade de ser reconhecido acima de sua arte. Isso é lastimável. Esses dias soube da polêmica entre dois rapazes na cidade brigando pela autoria de uma obra de arte. Triste saber que estes talentos natos brigam pela necessidade de serem reconhecidos.


Como você vê esta dependência do poder público por parte dos artistas?




Existem artistas na cidade que nunca publicaram nenhuma obra. Nunca produziram nada que se possa chamar de arte e se gloriam como se fossem deuses nos céus. Há até mesmo aqueles que pagam para outros artistas produzirem suas obras e só assinam. Estes tem um único objetivo de caçar espaço dentro dos governos. Não têm compromisso nem com o município nem com a arte. Sua arte deve ser um reflexo seu e não um cartão de visita para ganhar portarias. Gostam muito de fazer pose na hora de serem fotografados, mas as mãos não estão com marcas de trabalho.


O senhor reconhece algum artista da cidade como expressão de talento?


Esses dias eu caminhava pelo canal e avistei um jovem rapaz, com um chapéu branco e roupas leves, pintando o entardecer da cidade, virado para as águas do Itajurú. Ele olhava sua obra com um olhar triste. Ninguém percebia a magnífica arte que trascorria de suas mãos e se fixava naquele pedaço de pano. Fiquei a certa distância vendo aquele jovem e me perguntando onde erramos na hora de produzir a cultura nessa cidade? Por que aquele pintor estava tão triste e, mesmo estando triste, pintava? Que esperança tem aquele jovem que o faz pintar?


E quanto ao estado da Casa do Wolney, onde residiu o fotografo que mais retratou a cidade durante as décadas de ouro da comunicação brasileira, como o senhor reage ao ver um local histórico reduzidos aos escombros?


É um retrato do nível de cultura e preocupação do poder público para com a cidade. Mas, não posso ser inocente nessa história. Eu creio profundamente que em algum lugar, nós erramos na hora de fazer nossos pequeninos herdar nossa cultura. Ver a casa onde morou o jovem Wolney reduzida aos escombros mostra essa realidade. Em algum lugar nós erramos. Ver os escândalos do carnaval na cidade mostra que nós erramos. Ver toda vergonha política ser exposta nacionalmente, com prefeitos disputando quem tem maioria em processos, expoe nossa culpa na educação de nossos filhos e herdeiros.


Mas, veja o lado bom. A cidade de Cabo Frio será a primeira na Região dos Lagos a ter uma novela própria, produzida por artistas da cidade. Não é um bom recomeço?

Sim, muito me alegra essa nova realidade que se forma a partir desses novos espaços de exposição de arte. Esperamos que essa novela ajude a fazer a arte de Cabo Frio voltar-se para seu povo. Que estes novos artistas façam com que nossa população tenha orgulho de si, que se sinta um como povo e não um bando de forasteiros ou gente corrída de outras cidades. Tenho esperança de que o povo desta localidade que inspirou a novela seja o centro das atenções e não a velha elite.

O senhor acredita que o branqueamento da sociedade cabofriense ainda exista?




Tendo em vista que boa parte dos artistas louvados na cidade não são negros, nem oriundos das classes simples ou com raízes na cidade, creio plenamente que esse branqueamento ainda exista. Espero que essa nova realidade artistica não reproduza os erros do passado e passe a valorizar nossa identidade. Que negros sejam negros e tenham orgulho disso. Espero que vocês não caiam na armadilha do branqueamento dos homens.

O seu retrato nos livros de história reflete esse branqueamento?


Me divirto muito quando vejo alguns desenhos retratos que utilizaram para representar-me na história, mostrando um rosto longe de minhas raízes. Eu pareço tudo nesses desenhos, menos um filho de uma negra com um português. Nessa imagem clássica eu pareço mais com Abraham Lincoln do que com um mestiço brasileiro. Espero que esta geração abra o espaço para minorias que a minha geração não abriu.

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