domingo, 22 de maio de 2011

Rap 2.0 - Blogs do Movimento: Faixa de Gazah

Data: 22/05/2011

Foto: divulgação
Foto: divulgação
Foto: divulgação
O topo do Blog Faixa de Gazah
Blog é vitrine para trabalhos que seguem o caminho do contraponto

Produzir o novo e construir pontes para a reflexão em meio ao turbilhão de ideias e padrões que levam os jovens ao individualismo. Este árduo trabalho é desenvolvido pelos responsáveis pelo blog/selo Faixa de Gazah. Na segunda entrevista da série Rap 2.0 – Blogs do Movimento, Fábio Emece, integrante do grupo Bandeira Negra e um dos fundadores do Faixa de Gazah, aborda temas espinhosos e assuntos que são evitados por muitos na cena hip-hop.

Central Hip-Hop (CHH): O blog Faixa de Gazah é um blog que divulga o hip-hop social e militante?
Fábio Emece: O Blog Faixa de Gazah existe para difundir as idéias do selo artistíco/fonográfico Faixa de Gazah, que engloba música, literatura, audiovisual, graffiti e fotografia. E qual seria a conceito do selo? O conceito é trabalhar com a beleza das áreas consideradas de exclusão. A área que a elite não quer, que o governo não quer, pode ser chamada de Faixa de Gazah. O nosso objetivo é exaltar a beleza em um lugar onde ninguém quer. Mostrar que da rachadura pode nascer uma flor e essa flor é maximizada através dos artistas oriundos desta área. Este é o objetivo máximo do blog que, aos poucos, está sendo incrementado com singles, fotos, vídeos, biografias dos artistas e discos para download. Atualmente, temos o single "Nas Ruas" de Felipe Alem, cujo disco Documentário de um Anti-Héroi sairá no dia 17 de julho, também um EP de instrumentais do Clovis Bate-Bola, além de um manifesto sobre o 13 de Maio, fora uns textos e fotos. Sobre divulgar o hip-hop social e militante, podemos dizer: o artista vai definir qual caminho a seguir, sendo que a beleza em um lugar caótico pode ser uma forma de militância bastante eficaz, sem precisar de um discurso previamente elaborado. Romper com a estética imposta, seja através das palavras, seja através da beleza, seja através do subjetivo, é o objetivo do Faixa de Gazah.

CHH:  Vocês tem uma equipe? Qual a rotina de trabalho do blog?
Fábio Emece: Não é exatamente uma equipe, mas alguns artistas se propõem a estar sempre atualizando o blog com conteúdo dentro do conceito proposto. Aos poucos o blog vai ser incrementado para ser referência para quem quiser conhecer os artistas ligados ao Faixa de Gazah e ter acesso ao material produzido.

CHH: Falta análise e crítica política na mídia alternativa do hip-hop?
Fábio Emece: Não penso que falte exatamente análise e crítica politica, o que eu penso é que falta uma estrutura maior de mapeamento do que está rolando nos quatro cantos do Brasil. Ainda existe um pequeno vício de mídia tradicional em elencar determinadas personagens como eles fossem o supra-sumo da produção do hip-hop brasileiro. Como eu falei, existe muita coisa interessante acontecendo, muita mesmo, mas passa batido, ninguém escuta, absorve ou não dá o devido valor. A crítica politica é aquilo, antes de mais nada, somos artistas funcionando em uma determinada esfera que nos permite, através da nossa arte, fazer uma análise profunda do meio em que vivemos. Mas não é uma obrigação da mídia alternativa em si. A mídia alternativa tem que dar voz a quem faz essa análise profunda, isso precisa ser feito.

CHH:  Parte do rap se preocupa mais em ser aceito ao invés de discutir as questões estruturais da desigualdade?

Fábio Emece: Ser aceito sempre é importante, mas o rap não deve ter essa pecha de discutir as questões estruturais da desigualdade. Não é um compromisso do rap em si. É um compromisso de um artista que se preocupa com isso e externa cantando rap. Até porque o rap é um estilo no qual se tem total amplitude para se falar sobre esse tipo de questão. Mas apenas se torna interessante porque tem alguém que consegue conduzir bem o discurso que ele se propôs a fazer. Eu penso que o rap, antes de mais nada, é a palavra criativa em movimento. Então, para se falar de amor, sexo, desigualdade, violência, revolução, o  artista tem que ser criativo. Talvez ser aceito não tenha relação direta com a criatividade, tenha mais haver com quem você se associa para difundir o seu trabalho. Eu acredito na veia militante do rap e tento fazer isso, mas não sou cientista social para discutir as questões estruturais da desigualdade. Sou apenas um jovem preto que acredita que pode contribuir para que um grupo de pessoas tenha acesso ao que produzo  e tenha uma reflexão crítica. Estou certo? Isso é ser aceito? Depende. Os caminhos são múltiplos e a aceitação sempre vai ser relativa. O que não podemos negar é que o embate de idéias é certo, seja qual caminho você seguir e sendo criativo no caminho no qual escolheu, alguém vai aceitar. Dedicação, trabalho e confiança. Cabe saber se você quer mudar o meio ou não.

CHH:  Quais artistas do hip-hop ainda carrega a veia politizada da cultura de rua?

Fábio Emece:  Acredito que isso não se perdeu de fato, pelo menos nos artistas que estão em evidência atualmente. Houve uma ampliação de temas, até devido ao que vivemos atualmente - a sociedade do "hipertexto" (risos).  Estamos sempre abrindo janelas e janelas, conectando informações, num verdadeiro balaio de gato, que não deixa de ser válido. Quando escuto "É necessário voltar ao começo", do Emicida, putz, percebo um exemplo criativo do que é militância. Projota,  com a música "64 linhas", também, e por aí vai. Posso citar um monte de artistas que não abandonaram a veia politizada da cultura de rua, uns radicais, outros nem tanto: Pertnaz, da Paraíba, Afronto, do Piauí, O Quadro, da Bahia, Davi Perez, de Florianópolis, Uafro, do ABC Paulista, Anti- Éticos e O Levante, da capital do Rio de Janeiro . Marcão Baixada, Leo da XIII e Dudu de Morro Agudo, da Baixada Fluminense, Thiago El Niño, de Volta Redonda. São muitos artitas. Só estou querendo dizer que a frase "ainda carrega" é equívocada, pois a veia politizada está longe de ser abandonada. O que podemos sentir no momento é que alguns andam optando por um discurso radicalizado. É uma vertente válida.

CHH: Quais são as novas faces do capitalismo?
Fábio Emece: Rapaz, como eu disse, nem sou um cientista político e nem social (risos). Vamos tentar responder. Temos o capital especulativo, o dinheiro que não existe, não é palpável, que transita pelos bytes afora e que define os rumos de países, estipulando como se elaboram políticas públicas. As bolsas de valores e seu poder de deixar com fome quem nunca passou fome e quem está com fome, com mais fome. Wall Street e seus banqueiros controlando PIB mundial. Podemos apontar também o aprofundamento da sociedade do espetáculo com sua mediação pautada da superficialidade das imagens. Não sabemos o que  é mais o ser humano. Há uma proposta de abandono das relações sensíveis em detrimento de imagens pré-moldadas de algo que o ser humano em sua capacidade física e mental, não chega nem perto. O “pão e circo” também se aprofunda com os heróis que caem a cada confissão de não perfeição e com eles caem seus milhares de seguidores ávidos por exemplos de ações perfeitas. Qual é o melhor lutador, o melhor rapper, o melhor músico, o homem mais gostoso, a mulher mais gostosa, o cara mais legal, o disco do ano e por aí vai. Quem define isso tudo? Meia dúzia de pessoas que nós legitimamos  e o que acontece que a maioria está longe de ter acesso ao que é produzido objetivamente na sociedade. Uma merda né?

CHH: Parte do rap aceita e reproduz o preconceito e as formas dominação?
Fábio Emece: Bem, quem faz rap está inserido na sociedade e essa sociedade está intimamente relacionada com o preconceito que define as formas de dominação, então é compreensível que o rap aceite e reproduza isso. Não significa que isso seja aceitável no ponto de vista de quem quer mudar algo, até porque  o rap é um ótimo instrumento revolucionário, mas ele não precisa ser revolucionário. Quem dá o tom revolucionário ao rap é o artista que conduz a música, com sua levada, técnica e letra. Veremos raps com veia sexista, homofóbica, reproduzindo valores da classe dominante, isso veremos. Mas também veremos o contraponto. É  isso que torna o rap uma música válida de ser ouvida absorvida. Qual caminho escolher? Eu escolho o caminho do contraponto.

CHH: Geralmente, os mais jovens se afastam do tom professoral e superior que o hip-hop militante impõe. Como mudar esta situação e se aproximar da juventude?

Fábio Emece: Não acredito que esse é o tom do hip-hop militante: professoral e superior. Professoral porque tenta explica detalhadamente qual seria o problema? E superior por que? Por causa do conhecimento exposto ou por achar que esse seria o único caminho aceitável? Bom, pode existir uma tendência do rap em ser professoral e superior, seja qual vertente for. Em algumas vertentes funcionam e aproximam a juventude, até porque o tom professoral e superior vem carregado com uma pitada de valores do capital. Se aproximar da juventude usando o rap é um desafio no qual não tenho uma resposta pronta para te dar, só sei que o rap é uma música complexa por estar trabalhando com uma sequência de palavras que juntas produzem um efeito impactante, que é o efeito usado de acordo com a maneira que o MC ou a MC se desenvolve. Não é qualquer um que vai entender o que está sendo falado e isso é menos culpa do MC do que outra coisa. Somos um país de iletrados que acredita que a palavra elaborada pode mudar algo. Quem realmente a gente pode atingir e quem a gente atinge, pode ter forças para mudar alguma coisa? Eu não tenho essa resposta, estou olho do furacão.

CHH: Muitos falam sobre uma economia solidária que se distancie dos moldes capitalistas. O hip-hop pode contribuir para essa economia solidária?

Fábio Emece:  A economia é uma ciência criada para manusear o capital, então a economia solidária é um engodo. Como ser economicamente solidário? Pensar que isso vai se distanciar dos moldes capitalistas seria um paradoxo. Ou seja, o hip-hop pode contribuir para essa economia solidária, mas somente para que mais meia dúzia de pessoas tenha recursos para produzir alguma coisa. Sempre alguém será excluído do processo, pois a economia é a ciência da exclusão, porque o capital é a forma relacional de exclusão e o termo solidário é um termo apenas para amenizar essa exclusão. Precisamos de recursos objetivos para a produção que fuja dos moldes capitalistas, mas não vai ser com a economia solidária, não vai mesmo.

Pela Web
faixadegazah.blogspot.com
soundcloud.com/faixadegazah
myspace.com/abandeiranegra
soundcloud.com/clovisbatebola
myspace.com/alemfelipe
twitter.com/fabioemece


Por: DJ Cortecertu 

Fonte: Central Hip Hop 

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