A América Central vive uma situação limite. A economia, que nunca foi lá essas coisas, míngua rapidamente. O Estado, que sempre foi frágil, está sendo corroído. O item segurança consome, em média, 2,66% do PIB da região. Em El Salvador, chega a 11%. Só no ano passado a região investiu pelo menos quatro bilhões de dólares na luta contra o crime. Em vão. Os cartéis mexicanos dispõem de melhores armas e recursos que a polícia e o exército de vários desses países. O artigo é de Eric Nepomuceno.
Eric Nepomuceno
Em El Salvador, a cada duas horas alguém é assassinado. Doze assassinados por dia. Quase 4.400 por ano, a maioria com menos de 17 anos de idade. A taxa de homicídios é assustadora: 69 a cada cem mil habitantes. A média mundial é de 8,8. A da Europa, 3,3.
Na guerra civil que durou de 1980 a 1992, morreram em El Salvador 75 mil pessoas. Eu cobri os três primeiros anos daquela guerra, vi aquele horror. Muito daquilo ficou impregnado, intacto, na minha memória. Passaram-se 19 anos do fim da guerra. E, de lá para cá, 74 mil pessoas foram assassinadas em El Salvador. Ou seja: há 31 anos o país não teve um só instante sem a permanente maré de mortes violentas. O horror é parte do cotidiano, e dia a dia vai matando o amanhã.
Comparada, à vizinha Honduras, a taxa de homicídios de El Salvador perde: lá, chegou-se a 72 a cada cem mil habitantes. A espiral de violência não tem fim e nenhum hondurenho tem esperança num futuro que parece que não vai chegar.
Na Guatemala, que também viveu uma guerra civil de décadas e um verdadeiro genocídio de indígenas, são registrados, atualmente, 17 assassinatos por dia.
A média centro-americana é mais de dez vezes superior à européia: 34 a cada cem mil habitantes. Talvez por causa dessa média o governo da Nicarágua trombeteie, com duvidoso orgulho, que ali está a mais segura nação da América Central: sua taxa é de 13 assassinatos a cada cem mil habitantes. O governo mente (o da Costa Rica é menor), e esquece um índice cruel. Em 2010 o total dos delitos graves na Nicarágua (roubos com violência e intimidação, seqüestros, violações, agressões pesadas) chegou a 68.447. Dez anos antes, era de 26.645. As ações violentas aumentaram duas vezes e meia nesse período. País seguro? Até nisso não dá para acreditar em Daniel Ortega.
Há, é verdade, uma espécie de oásis: a Costa Rica, o país mais rico e tranqüilo da América Central. Ser o menos problemático da região, porém, não quer dizer que esteja imune a problemas e perigos sérios e graves. São, hoje, onze homicídios a cada cem mil habitantes. Há dez anos a taxa era comparável à da Europa: 3,6. O país que não tem exército vive uma tensão e um medo que desconhecia até pouco tempo atrás, quando violência era assunto dos vizinhos e ali vivia-se em paz ou quase.
De mãos dadas com a violência, outra praga se espalha pela Costa Rica: a dos dólares sujos, que expandem a corrupção e abrem espaço para enfrentamentos e disputas entre os empresários da droga. O grande embaraço da Costa Rica é começar a se parecer cada vez mais aos vizinhos.
Tome-se, por exemplo, o Panamá. A taxa de homicídios é de 33 a cada cem mil habitantes, três vezes a da Costa Rica. A corrupção é endêmica, lava-se dinheiro alucinadamente, e os reflexos dessa atividade crescente e febril se fazem sentir cada vez mais no vizinho outrora sossegado.
Ao norte e ao sul da América Central existe um foco gerador de violência e corrupção, a Colômbia e o México. Se a taxa mexicana de homicídios é bem menor que a de seus vizinhos centro-americanos (21 homicídios a cada cem mil habitantes, inferior à do Brasil, que é de 25), em algumas cidades, principalmente no norte, ela chega a níveis avassaladores. Em Ciudad Juárez, por exemplo, acontecem 170 homicídios a cada cem mil habitantes.
A Colômbia até que sossegou um pouco, quando se compara o cenário de hoje ao de quinze ou vinte anos. Mas continua gerando violência, exportando cargas pesadas de drogas, mobilizando centenas de milhões de dólares sujos.
Diante disso tudo, a esta altura, o que se tenta, urgentemente, é calcular até que ponto as forças de segurança dos países centro-americanos (polícia e forças armadas débeis, corruptas, violentas) agüentarão o tranco. Porque os cartéis mexicanos, especialmente o Los Zetas, dispõem de melhores armas e recursos que a polícia e o exército de vários desses países, se mobilizam com mais eficácia, são melhor organizados, treinados e disciplinados.
A América Central vive uma situação limite. A economia, que nunca foi lá essas coisas, míngua rapidamente. O Estado, que sempre foi frágil, está sendo corroído. O item segurança consome, em média, 2,66% do PIB da região. Em alguns países, como El Salvador, muito mais: 11%. Só no ano passado a América Central investiu pelo menos quatro bilhões de dólares na luta contra o crime. Em vão, como se pode ver.
Além disso, outros 8% do PIB regional se esvaem nas conseqüências da situação. Só em saúde gasta-se, em média, metade dessa sangria.
Há pouco tempo houve uma reunião na Guatemala, solenemente batizada de Conferência Internacional de Apoio à Estratégia de Segurança da América Central. Maior no nome que nos resultados, no encontro foi desenhada uma estratégia conjunta de segurança para a região. Sessenta países do mundo vão colaborar, e assumiram compromissos no valor de dois bilhões de dólares. É um pouco menos do que El Salvador gastou, sozinho, no ano passado.
Enquanto isso, a morte corre solta. Dois por cento dos homens centro-americanos maiores de 20 anos não chegarão aos 31. A morte mata a juventude, mata a vida, mata o futuro.
Quem vai matar a morte? Como ceifar sua foice macabra?
Na guerra civil que durou de 1980 a 1992, morreram em El Salvador 75 mil pessoas. Eu cobri os três primeiros anos daquela guerra, vi aquele horror. Muito daquilo ficou impregnado, intacto, na minha memória. Passaram-se 19 anos do fim da guerra. E, de lá para cá, 74 mil pessoas foram assassinadas em El Salvador. Ou seja: há 31 anos o país não teve um só instante sem a permanente maré de mortes violentas. O horror é parte do cotidiano, e dia a dia vai matando o amanhã.
Comparada, à vizinha Honduras, a taxa de homicídios de El Salvador perde: lá, chegou-se a 72 a cada cem mil habitantes. A espiral de violência não tem fim e nenhum hondurenho tem esperança num futuro que parece que não vai chegar.
Na Guatemala, que também viveu uma guerra civil de décadas e um verdadeiro genocídio de indígenas, são registrados, atualmente, 17 assassinatos por dia.
A média centro-americana é mais de dez vezes superior à européia: 34 a cada cem mil habitantes. Talvez por causa dessa média o governo da Nicarágua trombeteie, com duvidoso orgulho, que ali está a mais segura nação da América Central: sua taxa é de 13 assassinatos a cada cem mil habitantes. O governo mente (o da Costa Rica é menor), e esquece um índice cruel. Em 2010 o total dos delitos graves na Nicarágua (roubos com violência e intimidação, seqüestros, violações, agressões pesadas) chegou a 68.447. Dez anos antes, era de 26.645. As ações violentas aumentaram duas vezes e meia nesse período. País seguro? Até nisso não dá para acreditar em Daniel Ortega.
Há, é verdade, uma espécie de oásis: a Costa Rica, o país mais rico e tranqüilo da América Central. Ser o menos problemático da região, porém, não quer dizer que esteja imune a problemas e perigos sérios e graves. São, hoje, onze homicídios a cada cem mil habitantes. Há dez anos a taxa era comparável à da Europa: 3,6. O país que não tem exército vive uma tensão e um medo que desconhecia até pouco tempo atrás, quando violência era assunto dos vizinhos e ali vivia-se em paz ou quase.
De mãos dadas com a violência, outra praga se espalha pela Costa Rica: a dos dólares sujos, que expandem a corrupção e abrem espaço para enfrentamentos e disputas entre os empresários da droga. O grande embaraço da Costa Rica é começar a se parecer cada vez mais aos vizinhos.
Tome-se, por exemplo, o Panamá. A taxa de homicídios é de 33 a cada cem mil habitantes, três vezes a da Costa Rica. A corrupção é endêmica, lava-se dinheiro alucinadamente, e os reflexos dessa atividade crescente e febril se fazem sentir cada vez mais no vizinho outrora sossegado.
Ao norte e ao sul da América Central existe um foco gerador de violência e corrupção, a Colômbia e o México. Se a taxa mexicana de homicídios é bem menor que a de seus vizinhos centro-americanos (21 homicídios a cada cem mil habitantes, inferior à do Brasil, que é de 25), em algumas cidades, principalmente no norte, ela chega a níveis avassaladores. Em Ciudad Juárez, por exemplo, acontecem 170 homicídios a cada cem mil habitantes.
A Colômbia até que sossegou um pouco, quando se compara o cenário de hoje ao de quinze ou vinte anos. Mas continua gerando violência, exportando cargas pesadas de drogas, mobilizando centenas de milhões de dólares sujos.
Diante disso tudo, a esta altura, o que se tenta, urgentemente, é calcular até que ponto as forças de segurança dos países centro-americanos (polícia e forças armadas débeis, corruptas, violentas) agüentarão o tranco. Porque os cartéis mexicanos, especialmente o Los Zetas, dispõem de melhores armas e recursos que a polícia e o exército de vários desses países, se mobilizam com mais eficácia, são melhor organizados, treinados e disciplinados.
A América Central vive uma situação limite. A economia, que nunca foi lá essas coisas, míngua rapidamente. O Estado, que sempre foi frágil, está sendo corroído. O item segurança consome, em média, 2,66% do PIB da região. Em alguns países, como El Salvador, muito mais: 11%. Só no ano passado a América Central investiu pelo menos quatro bilhões de dólares na luta contra o crime. Em vão, como se pode ver.
Além disso, outros 8% do PIB regional se esvaem nas conseqüências da situação. Só em saúde gasta-se, em média, metade dessa sangria.
Há pouco tempo houve uma reunião na Guatemala, solenemente batizada de Conferência Internacional de Apoio à Estratégia de Segurança da América Central. Maior no nome que nos resultados, no encontro foi desenhada uma estratégia conjunta de segurança para a região. Sessenta países do mundo vão colaborar, e assumiram compromissos no valor de dois bilhões de dólares. É um pouco menos do que El Salvador gastou, sozinho, no ano passado.
Enquanto isso, a morte corre solta. Dois por cento dos homens centro-americanos maiores de 20 anos não chegarão aos 31. A morte mata a juventude, mata a vida, mata o futuro.
Quem vai matar a morte? Como ceifar sua foice macabra?
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