A julgar pelo que já vimos acontecer em outros momentos, logo os meios de comunicação começarão a centrar sua atuação em outros temas. Uma semana depois do terremoto e de suas incontáveis consequências, as histórias sobre o Haiti começam a perder espaço. Hoje, já não ocupam todos os lugares entre as mais lidas ou visitadas nos portais da internet. As chamadas em rádios e TVs começam a refletir uma certa saturação que não é mal intencionada, mas sim resultado quase natural da super exposição midiática que parece não conduzir a nenhum lado. O artigo é de Gabriele Warkentin.
Gabriela Warkentin
As tragédias têm a dimensão da atenção midiática que conseguem atrair. Já estamos acostumados a isso e temo que volte a acontecer no caso do Haiti. Há pouco mais de uma semana do terremoto devastador, e de suas quase incontáveis réplicas, parece que já vimos tudo. A história renderá mais? As audiências manterão o interesse ou logo virá outra tragédia espetacular que capture a atenção de todos e relegue o Haiti à posição em que estava antes do infeliz 12 de janeiro: o nada informativo? É preciso reconhecer: o Haiti não aparecia no radar de ninguém. E também por isso dói tanto. Não estou sendo cínica, só precavida.
A mobilização dos meios de comunicação internacionais foi extraordinária. Dezenas de jornalistas estadunidenses, mexicanos, espanhóis, canadenses, britânicos, venezuelanos... descobriram a existência profunda desta metade de ilha cujo futuro nos sacode de modo recorrente. Com o entusiasmo próprio de quem é testemunha de uma parte importante da História, assim, com letra maiúscula, muitos repórteres e apresentadores se lançaram a uma aventura complexa, incerta e perigosa. Começaram a chegar relatos, imagens, mais relatos, histórias de horror, imagens de esperança, mais imagens, áudios.
Houve momentos felizes – os relatos de resgates de pessoas -, episódios lamentáveis – o anúncio na televisão nacional, por parte do embaixador do México no Haiti, da morte do funcionário Gerardo Le Chevallier, sem ter a confirmação e sem ter informado previamente a família; a ligação em tempo real do professor Carlos Peralta Valle, resgatado entre os escombros, com a mãe; depois saberíamos que estavam há mais de um ano sem falar, mas não importa, a cena serviu para ilustrar o poder midiático da reunificação – chauvinismos manifestos – no tempo e no espaço, algo ao qual todos os meios de comunicação deram destaque. Porque nada comove mais que identificar entre as mortes anônimas e os escombros ameaçadores, um rosto com o qual se compartilha, ao menos, a origem. Estas e outras situações se repetiram em cada um de nossos países.
Mas é certo que o papel dos meios de comunicação tem sido fundamental para colocar o Haiti no cenário, para incluí-lo nas conversas, para mobilizar a ajuda e ativar a solidariedade. As esplêndidas crônicas e reportagens que recebemos pelo rádio, televisão, meios impressos e digitais, nos permitiram começar a compreender não só a dimensão da tragédia, mas também algo do contexto da mesma. Para quem quiser há um ótimo material circulando por aí: perfis, entrevistas, fotografias, ensaios. Poucas tragédias tiveram este nível imediato de exposição midiática. O problema é que, como espectadores, às vezes, ficamos satisfeitos com uma única história que consumimos, e não buscamos, não confrontamos. Quem gosta de ver o mundo de forma unidimensional, nunca o fará de outra maneira.
Uma semana depois do terremoto e de suas incontáveis consequências, as histórias sobre o Haiti começam a perder espaço. Hoje, já não ocupam todos os lugares entre as mais lidas ou visitadas nos portais da internet. As chamadas em emissoras de rádio começam a refletir uma certa saturação que não é mal intencionada, mas sim resultado quase natural da super exposição midiática que parece não conduzir a nenhum lado: porque o que mais recebemos são as mesmas histórias dramáticas, e a redundância nos traz uma sensação de impotência. Um pouco como no 11 de setembro, quando as televisões repetiam incessantemente a queda das torres gêmeas. “Quantas torres, afinal, caíram?” – perguntaram vozes angustiadas. As reações, as mortes (sobretudo as crianças mortas), o cheiro, a fome...., começam a repetir-se, e quando o drama se torna cotidiano, deixa de ser um drama.
Enquanto escrevo, no portal de um dos maiores jornais do México a notícia mais lida é que Scarlett Johansson faria um leilão para ajudar o Haiti. Sim, com a generosidade de nossos povos – e de alguns artistas – a ajuda segue fluindo de maneira impressionante: os donativos enviados por meio de torpedos de celulares, por exemplo, superaram recordes de arrecadação. As embaixadas não sabem o que fazer com tantas arrecadações, as mãos se multiplicam para ajudar. Mas, insisto, quanto tempo vai durar essa história?
Se tudo seguir o curso daquilo que já vimos em outros momentos, logo os meios de comunicação começarão a centrar sua atenção em outros temas. Uma jornalista argentina, residente na Venezuela, queixava-se de que nas redes sociais desse país predominavam as histórias relacionadas às últimas medidas de Chávez. No México, os meios de comunicação começaram a ceder espaços para a interminável luta contra o narcotráfico, as próximas eleições, o início das festividades do Bicentenário, o início da temporada de futebol e a iminente final de futebol americano. Não há tragédia que aguente tanto tempo. A menos que saibamos contá-la de outra maneira, torná-la importante, sustentar sua duração.
Em uma de suas notas para o El País, Pablo Ordaz relata como foi repreendido por um jovem haitiano que buscava cadáveres: “É verdade que irão contar?” – perguntou com uma boa dose de ceticismo, “ou se irão daqui quando já tiverem fotos suficientes?”. Saberemos manter o interesse nesta nação tão golpeada e tão digna ou encerraremos os despachos, voltaremos a nossos assuntos e abriremos a porta para que, na solidão, as feras sejam soltas. Ruanda é um claro exemplo: quando o interesse diminuiu, começaram as mortes. E não terminaram. A civilização do século XXI, tão rápida para reagir midiaticamente diante das histórias que nos competem, deve encontrar a forma na qual a dor não ceda espaço para o espetáculo seguinte. Essa não é uma tarefa só dos meios de comunicação, mas eles tem uma responsabilidade adicional ao dar visibilidade às histórias em importam, ou que deveriam importar.
Chegamos, contamos algumas histórias e vamos embora. Adeus Haiti?
Gabriela Warkentin é diretora do Departamento de Comunicação da Universidade Iberoamericana, na Cidade do México, e apresentadora de rádio e TV.
A mobilização dos meios de comunicação internacionais foi extraordinária. Dezenas de jornalistas estadunidenses, mexicanos, espanhóis, canadenses, britânicos, venezuelanos... descobriram a existência profunda desta metade de ilha cujo futuro nos sacode de modo recorrente. Com o entusiasmo próprio de quem é testemunha de uma parte importante da História, assim, com letra maiúscula, muitos repórteres e apresentadores se lançaram a uma aventura complexa, incerta e perigosa. Começaram a chegar relatos, imagens, mais relatos, histórias de horror, imagens de esperança, mais imagens, áudios.
Houve momentos felizes – os relatos de resgates de pessoas -, episódios lamentáveis – o anúncio na televisão nacional, por parte do embaixador do México no Haiti, da morte do funcionário Gerardo Le Chevallier, sem ter a confirmação e sem ter informado previamente a família; a ligação em tempo real do professor Carlos Peralta Valle, resgatado entre os escombros, com a mãe; depois saberíamos que estavam há mais de um ano sem falar, mas não importa, a cena serviu para ilustrar o poder midiático da reunificação – chauvinismos manifestos – no tempo e no espaço, algo ao qual todos os meios de comunicação deram destaque. Porque nada comove mais que identificar entre as mortes anônimas e os escombros ameaçadores, um rosto com o qual se compartilha, ao menos, a origem. Estas e outras situações se repetiram em cada um de nossos países.
Mas é certo que o papel dos meios de comunicação tem sido fundamental para colocar o Haiti no cenário, para incluí-lo nas conversas, para mobilizar a ajuda e ativar a solidariedade. As esplêndidas crônicas e reportagens que recebemos pelo rádio, televisão, meios impressos e digitais, nos permitiram começar a compreender não só a dimensão da tragédia, mas também algo do contexto da mesma. Para quem quiser há um ótimo material circulando por aí: perfis, entrevistas, fotografias, ensaios. Poucas tragédias tiveram este nível imediato de exposição midiática. O problema é que, como espectadores, às vezes, ficamos satisfeitos com uma única história que consumimos, e não buscamos, não confrontamos. Quem gosta de ver o mundo de forma unidimensional, nunca o fará de outra maneira.
Uma semana depois do terremoto e de suas incontáveis consequências, as histórias sobre o Haiti começam a perder espaço. Hoje, já não ocupam todos os lugares entre as mais lidas ou visitadas nos portais da internet. As chamadas em emissoras de rádio começam a refletir uma certa saturação que não é mal intencionada, mas sim resultado quase natural da super exposição midiática que parece não conduzir a nenhum lado: porque o que mais recebemos são as mesmas histórias dramáticas, e a redundância nos traz uma sensação de impotência. Um pouco como no 11 de setembro, quando as televisões repetiam incessantemente a queda das torres gêmeas. “Quantas torres, afinal, caíram?” – perguntaram vozes angustiadas. As reações, as mortes (sobretudo as crianças mortas), o cheiro, a fome...., começam a repetir-se, e quando o drama se torna cotidiano, deixa de ser um drama.
Enquanto escrevo, no portal de um dos maiores jornais do México a notícia mais lida é que Scarlett Johansson faria um leilão para ajudar o Haiti. Sim, com a generosidade de nossos povos – e de alguns artistas – a ajuda segue fluindo de maneira impressionante: os donativos enviados por meio de torpedos de celulares, por exemplo, superaram recordes de arrecadação. As embaixadas não sabem o que fazer com tantas arrecadações, as mãos se multiplicam para ajudar. Mas, insisto, quanto tempo vai durar essa história?
Se tudo seguir o curso daquilo que já vimos em outros momentos, logo os meios de comunicação começarão a centrar sua atenção em outros temas. Uma jornalista argentina, residente na Venezuela, queixava-se de que nas redes sociais desse país predominavam as histórias relacionadas às últimas medidas de Chávez. No México, os meios de comunicação começaram a ceder espaços para a interminável luta contra o narcotráfico, as próximas eleições, o início das festividades do Bicentenário, o início da temporada de futebol e a iminente final de futebol americano. Não há tragédia que aguente tanto tempo. A menos que saibamos contá-la de outra maneira, torná-la importante, sustentar sua duração.
Em uma de suas notas para o El País, Pablo Ordaz relata como foi repreendido por um jovem haitiano que buscava cadáveres: “É verdade que irão contar?” – perguntou com uma boa dose de ceticismo, “ou se irão daqui quando já tiverem fotos suficientes?”. Saberemos manter o interesse nesta nação tão golpeada e tão digna ou encerraremos os despachos, voltaremos a nossos assuntos e abriremos a porta para que, na solidão, as feras sejam soltas. Ruanda é um claro exemplo: quando o interesse diminuiu, começaram as mortes. E não terminaram. A civilização do século XXI, tão rápida para reagir midiaticamente diante das histórias que nos competem, deve encontrar a forma na qual a dor não ceda espaço para o espetáculo seguinte. Essa não é uma tarefa só dos meios de comunicação, mas eles tem uma responsabilidade adicional ao dar visibilidade às histórias em importam, ou que deveriam importar.
Chegamos, contamos algumas histórias e vamos embora. Adeus Haiti?
Gabriela Warkentin é diretora do Departamento de Comunicação da Universidade Iberoamericana, na Cidade do México, e apresentadora de rádio e TV.
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