Patrick Granja
No Rio de Janeiro, o ano de 2009 ficará marcado como o período da história em que a aliança entre os gerentes de turno Luiz Inácio, Cabral e Paes, deu demonstrações ao mundo da maneira como um velho Estado semicolonial e semifeudal deve tratar o povo: com desprezo e arrogância, arrancando-lhe o trabalho, a moradia e, em muitas ocasiões, a vida.
Nos dois primeiros anos de Sérgio Cabral à frente da gerência estadual, as favelas e bairros pobres do Rio de Janeiro foram diuturnamente atacados pelas polícias civil e militar, que em 2007 e 2008 mataram aproximadamente 2.500 pessoas em operações de criminalização da pobreza travestidas de combate ao tráfico varejista.
Segundo o sociólogo Ignácio Cano, responsável por uma recente pesquisa sobre os "autos de resistência" e atual vice-diretor do Laboratório de Análise da Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), a polícia nunca matou tanto como nos três anos do gerenciamento Cabral. Nesse período a taxa de assassinatos protagonizados pelas tropas do Estado atingiu a marca assustadora de 3,4 mortos por dia ou 8,2 para cada 100 mil habitantes. Em alguns meses, como abril e maio de 2008, foram registrados 147 óbitos — média de cinco por dia.
Cabe lembrar que esse conjunto de políticas fascistas foi amplamente estimulado e financiadas por Luiz Inácio, a fim de impor às massas o Programa de Aceleração do Crescimento — o PAC —, que em mais de dois anos de obras resultou na demolição de centenas de moradias e no ataque aos principais bairros pobres da capital, como o Complexo do Alemão, onde 19 pessoas foram mortas — a maioria delas executadas — apenas na manhã do dia 27 de junho de 2007, episódio que ficou conhecido como a Chacina do Alemão. Mas o pior ainda estava por vir.
Mais repressão à vista
Em 1° de janeiro de 2009, Eduardo Paes assumiu o controle da gerência municipal prometendo mundos e fundos ao povo pobre, como a legalização do transporte feito por vans e kombis e do comércio ambulante. Sua primeira medida como prefeito foi a criação da Secretaria Especial de Ordem Pública (Seop) — sob o comando de Rodrigo Bethlem — com o objetivo de coordenar o "choque de ordem": um amplo esforço, em conjunto com as polícias de Cabral, visando varrer das ruas da zona Sul camelôs, moradores de rua e habitações populares, em suma, exterminar a pobreza das regiões nobres da capital, retirando-a do caminho da burguesia e de seus planos olímpicos.
O muro do Morro Santa Marta
Somente na primeira semana de "choque de ordem" 228 toneladas de mercadorias foram roubadas de camelôs, 257 pessoas foram impedidas de dormir nas ruas, 174 vans foram apreendidas e 18 flanelinhas foram presos. E isso era só o começo.
Nos meses seguintes, dezenas de prédios e casas foram demolidas em favelas como o Terreirão, no Recreio dos Bandeirantes, e Rio das Pedras, em Jacarepaguá, deixando centenas de famílias proletárias na rua da amargura. Além disso, trabalhadores pobres, moradores de rua e flanelinhas continuaram sendo reprimidos a ferro e fogo pela prefeitura, com a assessoria do monopólio dos meios de comunicação e suas salvas de aplausos às ações fascistas do "choque de ordem". Até agosto de 2009, quando foi realizado o último balanço das operações, 50 imóveis já haviam sido demolidos pela prefeitura — o equivalente a 400 unidades habitacionais —, mais de 3 mil moradores de rua haviam sido recolhidos, sendo 763 crianças, e outros 273 foram presos, sendo 23 crianças. No total, 21 toneladas de materiais perecíveis e mais de 225 mil produtos de gêneros variados foram roubados dos camelôs. Quase 500 trabalhadores foram presos, entre comerciantes e guardadores de carro.
Favelas cercadas
Enquanto isso, 1,2 milhões de pessoas que vivem nos bairros pobres e favelas do Rio de Janeiro continuavam sob intenso regime de opressão imposto pelas polícias de Cabral e José Mariano Beltrame — secretário de segurança pública e ex-policial federal que deu declarações fascistas, afirmando que um "tiro em Copacabana é uma coisa e um tiro na favela da Coréia é outra coisa bem diferente". Cabral também não é de poupar palavras ao demonstrar todo o seu ódio contra o povo, tendo dito em 2007 que favelas como a Rocinha "são fábricas de marginais".
Como se não fosse o bastante, em março de 2009, esses potenciais inimigos das classes revolucionárias utilizaram-se da secretaria de meio-ambiente para sustentar a acusação de que o povo nas favelas está destruindo a Mata Atlântica com construções irregulares e que, por isso, algumas delas iriam ser cercadas por muros de três metros de altura. A medida foi amplamente criticada por organizações de defesa dos direitos humanos em todas as partes do mundo.
A maior parcela das comunidades ameaçadas por mais esse plano maquiavélico de Luiz Inácio e Cabral estão localizadas em áreas nobres da cidade, como Copacabana e Botafogo. Meses depois, grande parte da muralha já havia sido erguida envolvendo os morros da Rocinha e Santa Marta, sendo as favelas do Chapéu Mangueira e Babilônia, as próximas da lista. Por lá, o clima entre os moradores é de total revolta, já que, como mostramos em AND 57 ( Laboratório do Estado de crimes contra o povo ), pesquisas do Instituto Pereira Passos revelaram que o crescimento das duas comunidades está estagnado desde 1999, o que torna incoerente a acusação de Cabral. O mais espantoso é que, além disso, a construção do muro no entorno do morro da Babilônia prevê a interrupção do acesso da população à floresta, o que acabaria com o CoopBabilônia — uma iniciativa dos moradores que, há 15 anos, faz o reflorestamento da mata que cerca a favela, com a realização de mutirões e eco-trilhas. O trabalho e a união da comunidade na CoopBabilônia trouxe de volta à região uma série de espécies de plantas e animais nativos da mata atlântica, como a Jacupemba e o Tucano-de-bico-preto.
Os fatos mostram que as matanças promovidas pela polícia nas favelas e os muros, são parte integrante de uma mesma estratégia de Cabral: sufocar e criminalizar a pobreza, constituindo os alicerces para o seu extermínio. Suas preocupações estão muito distantes do meio ambiente. Prova disso é o decreto baixado pelo gerente estadual em agosto de 2009 liberando construções milionárias na Área de Proteção Ambiental Tamoios; um conjunto paradisíaco de 93 ilhas e parcéis localizados na bacia de Ilha Grande, em Angra dos Reis.
Estado policial
Acompanhando os muros, os gerentes de turno, dentre eles Luiz Inácio, anunciaram a construção de batalhões policiais — chamados de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) — nas mesmas comunidades, além das favelas dos Tabajaras, Cantagalo, Pavão-Pavãozinho, Batan e Cidade de Deus. A medida, que custou milhões aos cofres do Estado, inclui a presença intimidadora da PM nesses bairros pobres, impondo aos moradores todos os tipos de atrocidades comuns desta polícia, como agressões, torturas, invasões de domicílios e toques de recolher. Além disso, no Santa Marta, câmeras foram instaladas para acirrar a opressão ao povo e no morro da Babilônia, moradores denunciam o desvio de 30% da água que abastece a comunidade para o prédio da UPP.
As ocupações policiais, obviamente, fizeram com que traficantes da zona Sul migrassem para a zona Norte, acirrando os conflitos por bocas de fumo nas favelas da região. Um bom exemplo foram os confrontos entre quadrilhas no morro dos Macacos em outubro, onde um helicóptero da PM foi derrubado por bandidos. Na ocasião, Beltrame comparou a queda da aeronave policial ao ataque às torres gêmeas em 11 de setembro de 2001. De fato, o desfecho para a ousadia dos traficantes custou o sangue do povo e mais de 50 pessoas foram mortas em operações das polícias de Cabral apenas na semana seguinte aos confrontos no morro dos Macacos.
Coincidência ou não, o episódio deu-se no mesmo período em que o Comitê Olímpico Internacional escolheu o Rio de Janeiro como sede dos jogos olímpicos de 2016, o que nos permite imaginar o que ainda está por vir: a intensificação do cerco de opressão contra o povo pobre, que resistirá bravamente.
Prova disso são manifestações populares como a dos usuários de trens, que atacaram diversas estações — dentre elas a Central do Brasil — contra as péssimas condições de transporte impostas pela Supervia aos trabalhadores. Ou senão a resistência dos motoristas de vans e kombis pelo direito de trabalhar, torpedeado por Sérgio Cabral com a cassação da licença de mais de mil profissionais responsáveis pelo transporte em itinerários intermunicipais. Além de muitas outras demonstrações de força das massas, que pouco a pouco vão sentindo a necessidade da auto-defesa contra as ações genocidas desse velho Estado.
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