quinta-feira, 4 de março de 2010

Ajuda à Etiópia foi desviada para compra de armas, revela BBC

Uma investigação da BBC revelou que milhões de dólares em ajuda enviada à Etiópia para vítimas da onda de fome de 1984-85 foi usada para a compra de armas por grupos rebeldes que tentavam derrubar o governo.
Soldados de grupos rebeldes disseram ter atuado como comerciantes de grãos e alimentos, para enganar representantes de organizações de ajuda.
Documentos da CIA, o serviço de inteligência americano, confirmam que a ajuda “quase certamente foi desviada para fins militares”.

Cerca de um milhão de pessoas morreram em decorrência da seca que destruiu as colheitas no país do leste africano. Milhões de pessoas, no entanto, foram salvas com a chegada da ajuda ocidental, mas boa parte desta ajuda teria sido desviada.
Imagens de vítimas da fome no país circularam através do mundo, e motivaram a realização de uma campanha mundial, o Band Aid, liderada pelo músico irlandês Bob Geldof e que culminou na realização do megaconcerto Live Aid, em 1984.
A Etiópia não apenas lutava contra a fome, mas também contra rebeliões nas províncias de Eritréia e Tigré, no norte do país. O governo não tinha controle sobre boa parte das áreas rurais, portanto, as agências internacionais trouxeram ajuda diretamente, do vizinho Sudão.
Parte desta ajuda foi entregue em alimentos, parte em dinheiro, para a compra de grãos de fazendeiros etíopes das áreas onde ainda havia comida.
Rebeldes disfarçados
A fotografia acima mostra uma dessas negociações de compra perto da fronteira, em 1984. No centro está Max Peberdy, funcionário da ONG Christian Aid, que carregava cerca de US$ 500 mil em moeda etíope.
Em seu trajeto, Peberdy foi escoltado por cerca de 50 milicianos do movimento rebelde Frente de Libertação dos Povos Tigrínios (TPLF, na sigla em inglês).
Mas Peberdy insiste que entrou no país com a organização rebelde de ajuda Sociedade de Socorro de Tigray (Rest, na sigla em inglês).
“Tinha que haver uma separação completa entre o apoio recebido pela TPLF e a logística da compra de grãos, que estava nas mãos da liderança da Rest”, disse ele.
Na foto, um “comerciante” está sentado ao lado de Peberdy, contando o dinheiro, enquanto um dos líderes da Rest observa, mas o “comerciante” era, na verdade, Gebremedhin Araya, que afirma que, na época, era um alto membro da TPLF.
“Me deram roupas para que eu parecesse um comerciante muçulmano. Era um truque para as ONGs. Eles não me conheciam.”
Segundo Gebremedhin, por baixo dos grãos, os sacos estavam cheios de areia. Ele diz que entregou o dinheiro recebido pela venda aos líderes da TPLF, entre eles Meles Zenawi, que em 1991 se tornou o primeiro-ministro do país.

Um milhão de pessoas morreram durante a fome na Etiópia, nos anos 80
Max Peberdy ainda acredita que a ajuda não foi desviada. “Isso aconteceu há 25 anos e nesses 25 anos é a primeira vez que alguém faz uma acusação dessas.”
Ele insiste que, até onde ele sabe, a ajuda serviu para alimentar os milhões de famintos.
A versão de Gebremedhin, no entanto, é corroborada pelo ex-comandante do exército da TPLF, Aregawi Berhe.
Exilado na Holanda, Aregawi afirma que os rebeldes encenaram o que ele chama de “drama” para receber o dinheiro.
“As agências de ajuda foram enganadas”, diz ele.
Segundo Aregawi, dos US$ 100 milhões recebidos pela TPLF em 1985, 95% foram destinados para a compra de armas ou para a construção do partido de linha dura surgido do movimento rebelde – A Liga Marxista Leninista de Tigré.
Tanto Gebremedhin como Aregawi romperam com a liderança rebelde e fugiram do país. O primeiro-ministro, Meles Zenawi, se recusou a dar uma entrevista sobre o assunto.
CIA
Mas o testemunho dos dois ex-integrantes da TPLF é corroborado pela CIA em um relatório secreto com data de abril de 1985, intitulado “Etiópia: Impacto Político e de Segurança da Seca”.
“É quase certo que alguns fundos que organizações insurgentes estão levantando para operações de ajuda, como resultado da publicidade mundial, estão sendo desviados para fins militares”, conclui o documento.
A suspeita é confirmada por Robert Houdek, que veio a ocupar o cargo mais alto na diplomacia americana na Etiópia em 1988.
Segundo Houdek, os rebeldes da TPLF e do movimento rebelde da Eritréia – a EPLF – disseram a ele que a ajuda foi desviada no Sudão.

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