Um dia desses, como outro qualquer, minha filha assistia paralisada a um comercial de televisão. Nele, um bonequinho, em formato de refrigerante, cantava e pulava apenas repetindo diversas vezes o nome do produto. Apesar de nunca ter experimentado um refrigerante, fico imaginando o efeito que esse, além de outros anúncios de melhores ou piores produtos, irá causar em seu pequeno cérebro.
Ela tem menos de dois anos e vê pouca televisão, mas isso não impede que seja influenciada pela "competente" estratégia do mercado publicitário.
Uma pesquisa da TNS InterSciense constatou que a publicidade na TV é o fator de maior
impacto na escolha infantil, vindo em segundo lugar a embalagem e, em
terceiro, a identificação com personagens de desenhos. Além do incentivo ao consumismo, a propaganda televisiva estimula o consumo excessivo de uma alimentação rica em
açúcar, gorduras e sal, que contribui para a obesidade infantil.
impacto na escolha infantil, vindo em segundo lugar a embalagem e, em
terceiro, a identificação com personagens de desenhos. Além do incentivo ao consumismo, a propaganda televisiva estimula o consumo excessivo de uma alimentação rica em
açúcar, gorduras e sal, que contribui para a obesidade infantil.
Outro estudo, este do Observatório de Políticas de Segurança Alimentar e Nutrição da Universidade de Brasília (UnB), publicado em matéria do jornal O Estado de São Paulo, constatou que as crianças são o alvo principal das propagandas de alimentos. Segundo a pesquisa, 71,6% dos alimentos anunciados na televisão são, pela ordem, em primeiro lugar os fast-foods, depois as guloseimas e sorvetes, em seguida os refrigerantes e sucos naturais e, por fim, salgadinhos de pacote e biscoitos doces ou bolos. De todos esses alimentos, 73,1% são prontos para comer.
Felizmente, o cerco à publicidade infantil vem crescendo, desde processos e ações do Ministério Público pedindo a suspensão de anúncios e até mesmo por atuação direta do CONAR (Conselho Nacional de Auto-Regulamentaçã o Publicitária) , representante das agências e que já retirou por volta de 38 anúncios considerados abusivos.
Isso não significa que o caminho até a definitiva proibição de publicidade voltada para as crianças seja uma estrada plana e livre de obstáculos. Em evento realizado pelas entidades IDEC e Alana, no mês de março, foram apresentados alguns dados sobre a atuação de diversas multinacionais do ramo alimentício com atuação no Brasil. O trabalho concluiu que, aqui, alguns dos alimentos comercializados por essas empresas são menos saudáveis e os anúncios mais abusivos, em relação aos praticados na Europa e nos Estados Unidos.
Presente ao evento, um representante da Associação Brasileira das Agências de Publicidade reagiu aos resultados e disse que se forem trazer os padrões da Dinamarca, deveriam trazer também o frio e, talvez, outros problemas de lá, como casos de suicídio e pedofilia.
Se tal afirmação pode ser considerada estarrecedora como argumento, o que pensar de um professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing, entrevistado pela revista Veja São Paulo, na matéria Pequenos em Alta, em uma das edições no mês de março, ao afirmar que "o filho tem cada vez mais poder de decisão nas compras familiares" e completa "os maiores de 8 anos já reconhecem o valor de uma marca". Valor de uma marca aos 8 anos de idade?
Aqui não se quer demonizar todo o mercado publicitário. Tenho, com essas observações, apenas o objetivo de contribuir para uma reflexão sobre os desvios a que qualquer setor da atividade humana está sujeito, quando os valores maiores da cidadania não são respeitados.
A difícil e necessária mudança de hábitos
Antes que qualquer medida de proibição ou restrição à publicidade infantil seja determinada é preciso que os pais estejam atentos ao tempo que seus filhos permanecem à frente da televisão. No Brasil, pesquisas já constataram que as crianças ficam 5 horas por dia na frente da telinha. Tempo demasiado para tanto estímulo de consumo.
Mas aqui vale a pena também fazer um mea culpa e assumir algumas atitudes que vão muito além do controle e proibição a que nossos filhos possam e/ou devam ser submetidos.
É PRECISO MUDAR OS NOSSOS PRÓPRIOS HÁBITOS. Coloquei em letras grandes até mesmo para a minha própria reflexão como pai que sou. As crianças têm nos pais um retrato do comportamento e dos valores do mundo; portanto, ao nos observar, nossas ações são fotografadas com um zoom incontestável.
É PRECISO MUDAR OS NOSSOS PRÓPRIOS HÁBITOS. Coloquei em letras grandes até mesmo para a minha própria reflexão como pai que sou. As crianças têm nos pais um retrato do comportamento e dos valores do mundo; portanto, ao nos observar, nossas ações são fotografadas com um zoom incontestável.
Se somos consumistas, como impedir que nossos filhos queiram comprar coisas o tempo todo?
Se desrespeitamos os espaços públicos com nossas ações cotidianas, como esperar que crianças ajam e pensem de maneira diferente?
Se comemos porcarias e exageramos nas quantidades e, se além do mais, temos hábitos sedentários, como exigir que os filhos sejam saudáveis, atléticos, comam frutas e legumes, ou seja, um exemplo de perfeição física completamente diferente do que veem em suas próprias casas?
Impossível, claro que não! Digamos que é um caminho bem mais difícil de ser trilhado.
Lembro-me muito bem de uma matéria publicada na revista Veja dos bons tempos (que saudade!!!) e escrita pelo grande jornalista Élio Gaspari. Era sobre a situação de calamidade vivida então pelos hospitais do Rio de Janeiro. As fotos todas em preto e branco emprestavam à matéria o devido grau de dramaticidade que o texto exprimia. Simplesmente maravilhosa! No final da mesma, um médico, servidor público, fazia diversas reclamações, mas concluiu de maneira que imagino tenha impressionado a muita gente, como impressionou a mim mesmo. Ele afirmou que a culpa daquela situação não era apenas dos poderes que estavam muito além da sua capacidade de interferir, mas a culpa também era dele. Ele disse que poderia ir para a frente do prédio do governo, reclamar, fazer greve, se recusar a trabalhar naquelas circunstâncias, procurar jornais, partidos, o que fosse. E concluiu "eu também sou responsável por essa situação".
Sem entrar no mérito das responsabilidades desse médico e das suas reais possibilidades de conseguir implementar as mudanças necessárias, o que ficou registrado dessa história, na minha avaliação, é que devemos sempre assumir a nossa responsabilidade. Quando vivemos em comunidade, nós sempre deveremos exercer um papel de atitude e não aceitar as coisas, simplesmente como elas são. TODOS SOMOS RESPONSÁVEIS! ! Em menor ou maior grau, não importa, é preciso sempre se fazer uma simples pergunta: diante dessa situação, o que eu posso fazer para mudar?
Coletiva ou individualmente temos a obrigação de construir a cidadania em busca da sustentabilidade que nos garanta um futuro melhor para todos. Essa lição deveria ser passada de pai para filho.
*Reinaldo Canto – Jornalista
Ex-Diretor de Comunicação do Greenpeace e Ex-Coordenador de Comunicação do Instituto Akatu
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