segunda-feira, 22 de março de 2010

São Paulo - Enchentes, destruição, descaso, rebelião

Antônio Bergoci   

Mais um dia de chuva em São Paulo, mais um capítulo da mesma história: enchentes. Mas para essa história ser contada precisa de algo mais.


Moradores incendeiam ônibus em repúdio ao descaso da prefeitura de São Paulo
Quando o povo se rebela, pois literalmente chega a ultima gota d'água, toda malta de serviçais da "administração pública", com todo seu palavrório pseudo-humanista hipócrita lança ao povo a pecha de "vândalos", criminalizando a justa revolta popular.
Com a catástrofe causada pelos últimos temporais, os alagamentos no Jardim Nazaré, bairro Itaim Paulista, as famílias desabrigadas e mutiladas se levantaram em protesto contra o completo descaso da prefeitura de São Paulo.
Na noite do dia 23 de fevereiro, após uma forte chuva que fez transbordar o Córrego Lajeado alagando as casas de centenas de famílias, que foram às ruas e incendiaram dois ônibus e fizeram barricadas na Avenida Dom João Nery com móveis e objetos danificados pelas enchentes.
A tropa de choque da PM foi enviada para reprimir o protesto e agiu com a costumeira brutalidade atirando bombas no interior das residências inundadas.
Os relatos de alguns moradores da Avenida Barão Luis de Arariba, uma das vias mais atingidas, são o testemunho vivo da catástrofe provocada pelo descaso dos sucessivos (des)governos com a população das periferias :
— Veio a policia e o choque. Jogaram bombas dentro de casa de morador, eu tive que ficar em casa porque eu tenho criança pequena, isso aqui virou uma nuvem de fumaça. O meu filho estava dormindo e acordou com os olhos ardendo — disse dona Marta.
— Ali tem uma senhora com problema de saúde, deveriam ter respeito! O meu tio está acamado com câncer. Jogaram uma bomba dentro de casa e meu tio começou a passar mal, ele já esta quase em fase terminal! — protestou dona Terezinha Barbosa da Silva.

O abandono e o descaso


Dona Terezinha e sua mãe, dona Olinda da Silva, nos relataram que moram naquela região há mais de 40 anos e que antes não havia enchentes.
— A partir de 2005/2006 começou o problema, fizeram um asfalto mal feito,"igual o nariz deles" jogaram a caída da água pro lado das casas, abaixaram a rua no nível do córrego. O nível era mais alto e não entrava água, tinham que fazer a limpeza e não fizeram, jogaram a terra no córrego. Hoje se tiver um metro de fundura é muito. Fizeram uma obra mal feita só pra nos enganar.
Dona Terezinha tem uma pequena oficina de costura e presta serviço para uma empresa. É dessa oficina que ela obtém o sustento de sua família. Tudo foi perdido com a enchente.
— O serviço não é meu, é da empresa. E agora, o que vou fazer? Aí a prefeitura reclama porque botaram fogo nos ônibus, mas os ônibus tem seguro, e nós? Ninguém aqui nunca fez isso, foi a primeira vez que protestaram e queimaram os ônibus. Depois disso estão dando atenção pra gente (televisão,prefeitura). Mas e as outras enchentes que aconteceram antes? Aqui na minha rua já teve mulher morta e estuprada ali embaixo, iluminação aqui também não tem, somente os postes. A gente vai até a sub-prefeitura reclamar e o sub-prefeito responde: "vocês pensam que estão falando com quem?" Eles chamam a segurança pra botar a gente pra fora, pra xingar a gente.
Se o pessoal não tivesse queimado os ônibus, ninguém ficaria sabendo de nada, não estariam limpando a rua. — concluiu.
Outra moradora, dona Marta, mostra os seus prejuízos. Seu carro foi tomado pela lama.
— Ali adiante a enxurrada levou outros carros para dentro do córrego. São coisas que tem que ser mostradas. A população não pode ficar sofrendo assim. Eles só vieram aqui por causa da queima dos ônibus.
Dona Terezinha e sua mãe fizeram questão de declarar que "em época de eleição eles vem aqui e enganam o povo com asfalto mal feito. A Sabesp [Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo] é outra sem vergonha, se você for ali vai ver o esgoto nas casas dos moradores. Aquela senhora ali [e aponta para o outro lado] não tem mais nada porque a água que cai no rio volta pra dentro de sua casa. Está tudo entupido,isto é um absurdo! A população não devia mais que aceitar colchonetes e cestas básicas. Tem é que fazer um protesto lá na prefeitura."
Outra moradora denuncia:
— Esta rua se chamava Francisco Alves Pereira e constava estar asfaltada e o córrego canalizado desde 1986. Para nos enganar mudaram o nome dela para Avenida Barão Luis de Arariba.
Bem próximo, encontramos outra moradora que também nos mostra sua pequena oficina de costura com todas as máquinas estragadas pela enchente. Ela nos contou que no momento do alagamento ligou para a Defesa Civil:
— Eu falei que estava com água até o umbigo e que tinha 6 crianças e eles perguntaram: "A situação está sob controle?". Como assim? Perguntei. Então eles responderam que só poderiam atender se houvesse risco de morte. Então eu falei: "precisa morrer alguém pra vocês virem?". Eles disseram que iriam enviar uma viatura, mais até agora...
Outra moradora, dona Inês Aquino Oliveira da Silva, moradora da rua Basílio Salazar, relata:
— Nós estamos lutando desde 2006. Antes de vencer as eleições, ele [Kassab] veio aqui e tapeou todos os moradores e fez este asfalto aqui [apontando para a rua]. Nós lutávamos pela canalização deste córrego e ele, o que fez? Passou este asfalto para enganar o povo. Desde que ele foi eleito a prefeitura alega não ter verba pra fazer limpeza no córrego.
Na rua às margens do Córrego Lajeado, próximo ao conjunto habitacional Chácara das Flores, a mesma cena: metade do asfalto mal feito em período eleitoral se perdeu com a chuva.
— Eles fazem um conjunto habitacional num local onde sabem da possibilidade de enchentes. Constroem o conjunto aqui e depois culpam o povo de morar em beira de córrego — se revolta dona Inês.
A situação dos moradores do conjunto é crônica. Os prédios estão, em sua maior parte, com a sua estrutura comprometida pelas enchentes. Dona Térvola, moradora de um apartamento no andar térreo nos conta que, além de ter perdido todos os móveis, ela convive diariamente com medo, do barranco situado atrás da construção, desmoronar sobre seu apartamento.
— Os funcionários do parque da prefeitura retiram o mato todo mês e com isso vai caindo cada vez mais terra. Esses prédios foram construídos em áreas de brejo. Não podiam ter construído aqui e agora nos tratam com esse desrespeito e descaso. — conclui.
 

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