Andreza Almeida*
Recentemente o governo Federal e o Governo do Estado através do ministério da Saúde e da Secretaria de Segurança Pública da Bahia lançaram uma tenebrosa campanha sobre o crack, não bastasse o mau gosto estético das peças publicitárias, elas vêm carregadas de preconceito, estigmatização, reforço negativo para usuários e de dados sem nenhuma fundamentação científica.
Foi com muita surpresa que ao chegar no Engenho Velho da Federação, comunidade fortemente marcada por consumo, tráfico e violência me deparei com o outdoor que diz que 80% das mortes no estado da Bahia estão relacionadas ao crack.
O primeiro impacto vem da informação, que não é fruto de nenhum estudo sério, como pude confirmar após algumas averiguações entre os companheiros, que como eu, atuam nesta área de drogas e saúde.
O Segundo impacto é a identidade visual adotada, com o pé de um cadáver de um indigente com uma etiqueta, numa releitura anatômica da antiga mãozinha que dizia
“Sou careta, não uso drogas” adotada pelo mesmo ministério há alguns anos, agredindo as vistas e torturando usuários
As questões que campanhas como esta trazem são mais preocupantes se imaginarmos os milhares de usuários de crack que existem pelo estado, boa parte deles com uma experiência de miséria anterior ao uso, que vêem-se na condição de proto - cadáveres ambulantes, prontos para serem assassinados a qualquer momento para dar quorum aos 80% de mortos do governo.
Ou se pensamos nas famílias que ao invés de visualizarem uma saída para conflitos familiares, decorrentes de usos problemáticos, acabam completamente tomadas pelo medo e pela desesperança de que seus filhos, pais e irmãos tenham novamente uma vida saudável e socialmente produtiva.
A estimativa de 80% de homicídios, uma vez advinda da Secretaria de Segurança Pública, sem nenhuma base científica, nem fundamentação que tenha passado pelas mãos de estudioso através de métodos investigativos eficientes, como aplicação de questionários, cruzamento de informações, entrevistas e outras formas de coleta de dados, só podem estar baseadas nas ocorrências policiais.
Isso sim merece alarde! A política de extermínio social e encarceramento da pobreza não é nova, e nem é exclusividade nossa, muitos estudiosos americanos e europeus, como é o caso do professor Loic Waquant , que em seus livros “Punir os Pobres & Prisões da Miséria” denuncia que milhares de usuários sem envolvimento no comércio de drogas estão presos por conta de uma intensa política de controle social, a diferença é que nos Estados Unidos as prisões são privadas, e de alguma forma há um interesse econômico na prisão dessas pessoas, diferente da realidade brasileira onde mais um preso, é mais uma boca e um corpo a mais onde já não cabem colchões, a solução nós descobrimos: Homicídio.
Eu pergunto aos senhores idealizadores, financiadores e propagadores desta campanha: Quem está matando os usuários de crack? Por que uma coisa é dizer que o crack mata por seus danos inerentes a substância, outra coisa é dizer que homicídios vem sendo cometidos, quanto desses 80% são fruto de violentas ações policiais, se é pra falar de estatísticas assustadoras, apresentem-se as tabelas, as variações, os desvios padrões e dos outros elementos constituintes das porcentagens.
A pergunta não é mais quanto, a pergunta é quem, quem é que está morrendo? Quem é o indigente do pezinho etiquetado e quem são os homicidas?
Entre tantos equívocos, no entanto, nenhum é pior do que fazer uma campanha de pânico, antes de criar um suporte social para minimizar as dores propagadas, a violência anunciada e o medo espalhado aos quatro ventos.
A palavra ineficiente por si já seria suficiente para adjetivar ações infrutíferas e irresponsáveis como esta. As perguntas continuam, e entre elas a mais importante o que fazer para transformar a realidade social que permite o agravamento do problema do crack? Afinal sujeito, contexto e substância são as três coisas inseparáveis para analisar este tipo de fenômeno que se apresentem então interligados e indissociáveis, o resto são falácias irresponsáveis.
* Redutora de Danos da Aliança de Redução de Danos Fátima Cavalcanti- Faculdade de Medicina da UFBA.
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