segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

As Lições do Haiti



Os textos de esquerda sobre o Haiti têm sido o fruto, azedo e podre, da ignorância política. Marx teria vergonha de ser de esquerda hoje, pois a inteligência parecia ser para ele, antes de tudo, o valor que deveria ser levado em conta em qualquer disputa sobre o ideal de organização de um movimento político e de pensamento. Marx iniciou-se na história do movimento de esquerda, pelas idéias, inicialmente, e apenas depois, só depois de prestar contas com os seus mestres, ele se alinhou a possibilidade de organização pratico-revolucionário. Mas, foi na analise da realidade concreta que nasce o marxismo inteligente, vigoroso e critico.


O fio condutor hoje que caracteriza a critica de esquerda vai da vagueza de concepções de mundo para a realidade, e não o contrário. Os textos são vagos antes de serem realistas, não contribuem com a tendencia rumo a realidade por que mascaram, tanto quanto o pensamento de direita, os aspectos fundamentais que envolvem os conflitos mundiais da contemporaneidade, a saber? a luta pelos direitos humanos. E a vagueza é preenchida por antigos bordões, já démodé.

Ser de esquerda é ser defensor absoluto dos direitos humanos pois todo o programa da esquerda moderna, tudo aquilo que vale apena lutar sem medo, está contido na cultura dos direitos humanos. Acho, essa é a minha modesta opinião, que o socialismo moderno, o verbo socialista, se faz carne nas batalhas heróicas do pós-guerra na defesa dos direitos humanos. Sendo assim, o socialismo deixou de ser propriedade de partidos políticos ou de organizações paramilitares, para se tornar a cultura dos direitos humanos, da liberdade e da defesa da dignidade humana. O socialismo deve então se voltar ao tipo de humanidade que queremos ser. Nas condições atuais, o internacionalismo socialista se metamorfoseia em direitos humanos em escala mundial.

As analises de esquerda são, portanto, tudo, menos o fruto de inteligencia cultivada e apreciada por Marx. Vincular a situação econômica, politico e social do Haiti ao imperialismo dos governos capitalistas, juntamente com a ganancia das multinacionais, como tem sido usual é não apenas estúpido e idiota, é um desserviço as tentativas contemporâneas mais promissoras de reerguer a critica de esquerda, regrando-a com um saber competente e conseqüente

E pode-se dizer que a forma como a critica tem sido praticada, que ela vale mais para os gananciosos mercantilistas do que para o esclarecimento da opinião pública. A principal função da critica de esquerda é tornar a realidade compreensível evidenciando as lutas e conflitos que a delimitam. Se a direita retrógrada atribui a miséria Haitiana a aspectos culturais, raciais e religiosos, a esquerda tenta jogar para fora do país tudo o que não consegue digerir em termos de seu velho e carcomido maniqueísmo. Logo, a doença do socialismo não é mais o esquerdismo, mas o maniqueísmo infantil. E o Haiti, como tantos outros casos de dissensos políticos, não cabe numa moldura cinematográfico do velho mocinho e do bandido. O Haiti é o desrespeito total aos direitos humanos, aos direitos básicos da pessoa humana, das crianças e dos idosos. A população é privada dos bens e serviços elementares. Nesse contexto, não se pode, levianamente, entrar com analises de cunho religioso. Mas, paradoxalmente o maniqueísmo de fundo pode assumir qualquer forma, indo do preconceito ao ideal dicotômico entre bons e maus na história.

O imperialismo e os vodus servem apenas para deixar à margem aquilo que realmente interessa: a critica dos grupos paramilitares internos e a ineexistência de organizações internacionais capazes de oferecerem suportes efetivos de ajuda mútua entre as nações. Para a tarefa do estabelecimento de uma logística mundial de circulação de mercadorias e de capital, o Haiti é carta fora do baralho. Como é nula qualquer possibilidade de reação interna do país: Ou se muda a lógica política internacionais, ou veremos o Haiti afundar na mais abjeta barbárie. E toda ajuda internacional deve gerar um ambiente de auto-sustentabilidade sócio-econômico, sem o qual o país se tornará apenas um bolsão de miséria incrustada entre as Américas. A má noticia é que a destruição ambiental do planeta irá jogar na desorganização político-administrativo uma boa parte dos países mundiais. Só que, no plano internacional, os Estados etssão apenas defensores de suas fortalezas mercantis.



Sergio Fonseca

Historiador



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