segunda-feira, 15 de março de 2010

Três anos após surra, doméstica vive inferno


Agredida na Barra, Sirlei até hoje não consegue trabalhar e tem sequelas e traumas

POR CHRISTINA NASCIMENTO
Rio - Caída ao chão, xingada enquanto levava socos e pontapés, a morte lhe parecia certa. A cena, que sempre aparece nítida nas lembranças de Sirlei Dias de Carvalho Pinto, 34 anos, marca o início de uma história que já tem quase três anos e vai além de dor e indignação. O ataque de cinco jovens agressores, na Barra da Tijuca, transformou para sempre a vida da doméstica: de batalhadora que se desdobrava entre dois empregos e bicos de fim de semana para garantir a principal renda da família, ela se tornou pensionista do INSS, com sequelas que a impedem até hoje de trabalhar.
Foto: Paulo Araújo / Agência O
 Dia
Agredida por adolescentes na Barra da Tijuca, a doméstica Sirlei Dias de Carvalho Pinto, 34 anos, até hoje não consegue trabalhar e tem sequelas e traumas | Foto: Paulo Araújo / Agência O Dia
Por causa do episódio, Sirlei passou a sobreviver com renda de R$ 800, o que representa menos da metade do que recebia antes de ser espancada. E pior: está à beira da miséria, sem muita expectativa de receber indenização.


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“Não tive como comprar o material básico da escola do meu filho. Só deu para um lápis e um caderno pequeno. Além das faxinas, eu fazia doces e cestas para ganhar um dinheiro extra. Chegava a tirar mais de R$ 1.500. Estou passando por necessidades que nunca imaginei. Nunca faltou arroz na minha despensa. Até por isso estou tendo que passar”, lamenta Sirlei, que tenta aumentar a renda vendendo sacolés a R$ 0,30 e R$ 0,50 a vizinhos do bairro onde mora, em Imbariê, Duque de Caxias.


Usado para defender o rosto das pancadas, o braço direito ficou com limitações no movimento e precisa ser operado. O problema a impede de tarefas simples, como torcer roupa, arear panela e fechar completamente a mão. Sirlei permaneceu um ano e meio na fila do Instituto Nacional de Traumato-Ortopedia (Into). Ao ser chamada em duas ocasiões, foi impedida de operar porque estava doente.


“Preciso resolver isso. Tenho que voltar a trabalhar. Não posso admitir que falte arroz em casa. Isso nunca tinha acontecido”, desabafa. Mas o pior drama da doméstica é ver que o filho, hoje, com 6 anos, absorveu os traumas do ataque à mãe. “Ele viu na TV um assassinato e a família pedindo justiça. Para minha surpresa, ele falou: ‘Por que justiça? Eu escolheria vingança’”, conta ela.


Acusados contestam indenização


O pedido de indenização no valor de R$ 500 mil, feito pela defesa de Sirlei, ainda corre na 6ª Vara Cível da Barra da Tijuca. Mas, se a tese de parte dos advogados dos agressores se confirmar, a doméstica deve sair dos tribunais com muito menos do que pleiteia. Isso porque somente um dos réus, o universitário Felippe de Macedo Nery Neto, de 23 anos, tem bens em seu nome — o carro que ele e os amigos usaram no dia da agressão.


Para o advogado Jorge Vacite Filho, que atua em favor de Felippe, o pedido de ressarcimento é absurdo. “Esse valor é um delírio. É inviável para uma lesão que ela diz que sofreu no braço. E, ainda que fosse constatada, nunca chegaria a R$ 500 mil”, argumenta ele, que garante que seu cliente não cometeu crime algum porque ficou dentro do carro durante a agressão.


Responsável pela defesa de Júlio Junqueira Ferreira, 22 anos, a advogada Izabel Tayar diz que seu cliente está arrependido e que a mãe dele fica abalada ao lembrar da história. No entanto, ela considera a indenização uma forma que a doméstica conseguiu para enriquecer. “Essa questão do braço machucado tem que ser revista. Pode ser tanto problema genético, como ela pode ter ficado tempo a mais com gesso”, questiona Tayar.


Defensor de Sirlei, o advogado Ricardo Mariz afirmou que, caso seja constato que o restante do grupo não tem condições de pagar a indenização, ela pedirá a insolvência civil dos jovens. Na prática, isso significa que os devedores perdem o direito de gerir bens, que passam a ser submetidos à administração judicial.


Condenados a cumprir penas que variam entre seis e sete anos de prisão, os cinco agressores estão em liberdade condicional — periodicamente devem se apresentar à Justiça para demonstrar que têm bom comportamento fora da cadeia. Estudando e trabalhando, a vida dos cinco seguiu em frente.

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