segunda-feira, 26 de abril de 2010

Hip-Hop, 35 anos: uma breve história, muitas lutas

A Cultura Hip-Hop teve seus primeiros passos nos guetos de Nova York. Em especial no Bronx, bairro de maioria negra e considerado por muitos o berço dessa cultura. À época, o estilo musical predominante era o Funk – o verdadeiro Funk, de Parliament Funkadelic, Earth, Wind & Fire, Kool & The Gang, The JBs e tantos outros - e a Disco Music. Foi no final dos anos 70, início dos anos 80, que o Hip-Hop começou realmente a brotar e a conquistar espaços. Influenciado por um DJ jamaicano chamado Kool Herc, que migrara para os Estados Unidos, um novo estilo musical seria criado.

A rapaziada adorava escutar e dançar o Funk, em especial as partes instrumentais das músicas, onde eles podiam cantar, arriscar algumas rimas. O que Kool Herc fazia era, utilizando-se de dois toca-discos e o mesmo disco em cada um deles, repetir ininterruptamente os trechos instrumentais das músicas, principalmente aqueles de beat pesado, ondeo cantor (original) não metia a voz. É mais ou menos como o que hoje chamamos de técnica back to back.

A partir daí foi um pulinho para que muitos caras começassem a criar novas técnicas e novos sons. De tanto back to back e risca, risca nos discos, a arte do scratch (mexer o disco para frente e para trás, repetindo palavras e pequenas frases) ganhava as caixas de som. Ao mesmo tempo, os alemães do Kraftwerk ganhavam notoriedade fazendo um som com beats eletrônicos; e um artista norte-americano chamado Afrika Bambaataa, em meio a esse caldeirão sonoro que surgia, começou a misturar a música Funk com essas batidas sintéticas. Era o início da música Rap.

Alguns poucos anos se passaram para que grupos como Grand Master Flash & The Furious Five, Kool Mo Dee e tantos outros surgissem, e a música Rap começasse a ganhar seu espaço. Os outros elementos da cultura Hip-Hop – o Graffiti e a dança (conhecida através da mídia como Break Dance)– já existiam, e foram impulsionados pelo novo ritmo que surgia ecrescia. Isto tudo na costa leste dos Estados Unidos; no outro extremo do país, notadamente na Califórnia, o Rap também florescia, com estilo e características próprias.

No início era tudo diversão. Os jovens da periferia, que tinham pouco acesso a entretenimento e cultura, passaram a criar bailes semanais e apresentações. Eram nesses eventos que todos se reuniam para dançar, cantar e curtir alguns momentos longe da sua dura realidade. Geralmente realizados em prédios ou casas abandonadas – com o famoso puxadinho de energia elétrica dos postes – jovens negros e latinos fortificavam lá o orgulho e a auto - estima tão agredidos no dia a dia. Já estávamos nos anos 80 e constituía-se ali verdadeiramente o Hip-Hop e seus quatro elementos básicos: a dança de rua (formada principalmente pelos estilos Popping, Loking, Rocking e B.Boying) o Graffiti, o DJ e o MC (Mestre de Cerimônias).

Mais alguns anos se passariam e o Rap começaria a modificar sua temática. De uma música que explorava em suas letras somente a diversão, por assim dizer, passou então a cantar a realidade das ruas, o dia a dia dos guetos. Era mesmo uma questão de tempo. O sofrimento com a discriminação e a violência, principalmente a proveniente da polícia, acha escape na cultura Hip-Hop. O Rap torna-se, então, o instrumento perfeito para a propagação de novas idéias e reivindicações. Já estamos no final dos anos 80 e o estilo iniciaria a sua grande explosão para o mundo. Era uma época difícil, de conflitos raciais. O grupo ativista chamado Panteras Negras havia deixado um grande legado de luta e conquistas para o povo negro e menos favorecido durante os anos 70 e, após alguns anos de calmaria, era chegada a hora de uma nova proposta tentar mostrar o descontentamento com a situação vivida no país. Chegava a nova era do Rap, onde ele seria a voz da periferia. A luta pela liberdade de expressão, contra a discriminação racial e a favor da igualdade social iria pautar um novo estilo. Um estilo mais político, agressivo econtundente.

Centenas de grupos surgiram nesse período, mas apenas alguns conseguiram grande repercussão – e marcaram história. Um dos primeiros a fazer valer a liberdade de expressão e cantar a realidade dos guetos de Los Angeles foi Tone Loc. Sua música “I Love You MaryJane” alcançou os primeiros lugares nas paradas. O grupo N.W.A (Niggaz With Attitude), também da Califórnia, causou furor em todo o país com a música “Fuck The Police” ("Foda-se a Polícia"). Junto com eles vieram Ice-T, Too Short, MC Eight, King Tee e tantos outros.

Na costa leste a coisa não foi diferente. Por lá tiveram origem os grupos de Rap de maior sucesso mundial num período um pouco anterior, como Public Enemy, Run DMC, Beastie Boys e Boogie Down Productions (encabeçado pelo MC KRS-One), entre outros. O Public Enemy – formado por Chuck D e Flavor Flav e DJ Terminator X – realizou um dos trabalhos de maior influência no mundo do Rap; através do som deles, de forte conteúdo político e social, muitas pessoas começaram a curtir o Hip-Hop e toda a sua cultura.

E o que acontecia no Brasil em todo esse período? O Hip-Hop iniciou-se mais ou menos um ou dois anos depois do nascimento nos EUA – mas uma hipótese bem provável é a de que já se dançava Break e se improvisavam rimas pelas esquinas de São Paulo quase ao mesmo tempo. Lá, o local escolhido para as primeiras manifestações da cultura foi a Estação São Bento, onde várias Gangues de Break e simpatizantes do Rap reuniam-se para trocar idéia, cantar e dançar. Era quase que um ritual. Entre eles estavam os precursores do gênero no Brasil, como Thaide & DJ Hum, Nelson Triunfo, Mano Brown e DJ KL Jay (estes últimos, hoje integrantes do Racionais MCs).

Porto Alegre, minha cidade natal, repetia o fenômeno, por meio da dança (o chamado Break). Sem dúvida, os primeiros passos do Hip-Hop no país foram através da dança. Assim como em São Paulo, quando começaram a chegar os primeiros longas metragens sobre a cultura Hip-Hop nos cinemas (como o filme "Beat Street"), milhares de jovens que já curtiam os bailes produzidos pelos grupos de som começaram a entender que faziam parte de algo muito maior. Tivemos durante muitos anos a Ritmos de Baile, com grandes festas no bairro popular da Restinga, e o Jara Musissom, que era comandada por Jair, Brother Neni e grande equipe. Como dizem Thaide & DJ Hum, “que tempo bom que não volta nunca mais”. Os Hackers (hoje Cia de Dança Hackers Crew), Spider Breakers e outras gangues de agitavam o centro da cidade, na Break Dance Esquina Democrática, mostrando, com orgulho, aquela nova dança e estilo de vida que chegavam pra ficar. Porém, apesar da nostalgia, foi também uma época muito difícil. A polícia batia forte e repreendia qualquer manifestação diferente. Só sabe como era quem esteve lá. Mesmo assim, muitos grafiteiros passavam (e ainda passam) suas mensagens positivas e protestos nas paredes, com muitas cores e arte (ressalva: grafitagem não é pichação). Interessante notar que, naquela época, os jovens que iniciavam no Hip-Hop procuravam aprender um pouco de cada um dos elementos. Dançavam Break, faziam Graffiti, arriscavam (ou riscavam) nos toca-discos e também faziam rimas – claro, com mais ênfase naquilo que sabiam fazer melhor, mas sem deixar de buscar os outros elementos. Infelizmente hoje isso acontece com raridade...

E atualmente? Você já percebeu como as “baladas Black” andam se proliferando em sua cidade? Parte desse fenômeno pode ser justificado com a procura de valores morais e sociais. Os jovens já não encontram mais na sociedade e em suas próprias famílias os valores que procuram para as suas vidas. Essa explicação enquadra-se naqueles que, curtindo o estilo musical (Rap), passam a ser ativos na cultura (Hip-Hop) de alguma forma.

Porém, ao mesmo tempo, assistimos ao despertar de um novo modismo. Um modismo passageiro, para aqueles que não procuram compreender mais profundamente a cultura, e um eterno para aqueles que descobrem no Hip-Hop a possibilidade de realizar mudanças positivas. A explosão é visível, e não é só da música Rap; o que vem ocorrendo em quase todo o mundo é um movimento de resgate gradual da música negra, desde a Disco Music até o Rap, passando pelo Funk. Podemos visualizar, como agentes desse processo, muitos famosos artistas da música internacional, pertencentes aos mais diferentes estilos musicais, e,também, o progresso da tecnologia que envolve todas as etapas da produção musical. Em meio a todo este complexo esquema envolvendo o mercado fonográfico e tendências de estilo musical, podemos também ressaltar outro fator que também leva os jovens a se identificar com a cultura Hip-Hop: o estilo de vestir. Calças largas, tênis de alta tecnologia e visual futurista. Acessórios dos mais variados, desde brincos, anéis, correntes, relógios de ouro cravejados de diamantes, piercings, até bonés, bermudões, bandanas, etc. O estilo chamado de street fashion está engordando a fortuna de empresas como Nike, Adidas, Reebok, Tommy Hilfiger, Fubu e outras muitas marcas direcionadas (ou mesmo criadas) para esse novo segmento.

Muitos famosos rappers e grupos de Rap norte-americanos lucram milhões criando sua própria linha de roupas, como Puff Diddy, Wu Tang Clan, Jay-Z e muitos outros. Até boneco de brinquedo (estilo G.I. Joe) fizeram de Snoop Doggy Dogg. KRS-One, um dos mais respeitados MCs americanos, identifica a moda como um dos novos elementos do Hip-Hop, assim como a linguagem de rua. O estilo já dominou a cena lá fora: Estados Unidos, França, Japão, Canadá e até mesmo o Chile são países onde o mercado Rap/Hip-Hop encontrou um ambiente cultural e economicamente mais propício. Nesses países, grandes eventos envolvendo a cultura Hip-Hop são patrocinado por multinacionais como Pioneer, Technics, Sony, Mc Donalds, Coca-Cola e etc – além das empresas da área esportiva, já citadas. Aqui no Brasil, estamos no mesmo caminho – porém o custo devida e a economia nos deixa longe, pelo menos por agora, desse maremoto mercadológico.

Ou seja: percebemos que existe, grosseiramente falando, duas formas do jovem adentrar a cultura Hip-Hop: pelo meio da modinha, divertida e passageira, ou por uma busca de entretenimento e valores para a vida, que certamente o levará a conhecer e apaixonar-se pela cultura – independente do fato de gostar ou não de escutar Rap.

As tendências para os próximos anos apontam um grande crescimento do Rap chamado underground ou alternativo, principalmente nos Estados Unidos e em países onde a cultura já está consolidada. É a procura de alternativas fora do mainstream, estagnado, e isso está impulsionando bandas que antes se encontravam na obscuridade. Uma procura principalmente por novas idéias e novos estilos, representando uma retomada das raízes da música Rap, já tão explorada pelo mercado fonográfico e distorcida em seus ideais originais. E, finalmente, aqui no Brasil o cenário é o melhor possível, já que há muito o que amadurecer, crescer e conquistar. O Rap vem dando os seus primeiros passos firmes, com o início da abertura do mercado e o surgimento de bons produtores musicais e DJs. A cultura tende aganhar mais espaços, valorização e projeção. O próprio governo federal já demonstrou interesse em apoiar e subsidiar eventos pelo país. É esperar para ver...

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[+] Leia "Hip-Hop: a gente aprendeu olhando"

*Texto originalmente publicado no ano de 2003, no site Mood.com.br, com o título "Hip-Hop, uma cultura global". É um artigo de opinião, que mostra o entendimento e a compreensão dos acontecimentos da história, sob o ponto de vista do autor.

Por: Noise D

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