A revolução egípcia é um universo em expansão, uma massa em permanente fusão cuja propagação nada detém. O centro desse universo é a Praça Tahrir. Já não é um emblema ou um símbolo, mas sim uma irremovível plataforma de luta. Milhares e milhares de pessoas voltaram a lotar a praça para exigir da Junta Militar, que governa o país desde a queda do regime de Hosni Mubarak, que transfira os poderes a um governo civil e que anule o processo eleitoral marcado para essa segunda-feira. A reportagem é de Eduardo Febbro, direto do Cairo.
Eduardo Febbro - Direto do Cairo
“Marechal, acorda, este é teu último dia”. Os gritos da multidão reunida na Praça Tahrir contra o chefe do conselho Supremo das Forças Armadas, o Marechal Mohamed Hussein Tantaui, soam com o acento e o humor da juventude. A revolução egípcia é um universo em expansão, uma massa em permanente fusão cuja propagação nada detém. O centro desse universo é a Praça Tahrir. Já não é um emblema ou um símbolo, mas sim uma irremovível plataforma de luta.
Milhares e milhares de pessoas voltaram a lotar a praça para exigir da Junta Militar, que governa o país desde a queda do regime de Hosni Mubarak, que transfira os poderes a um governo civil e que anule o processo eleitoral marcado para essa segunda-feira. Na quinta-feira, a Junta reafirmou que as eleições seriam realizadas segundo o calendário previsto. No dia seguinte, o povo respondeu com uma mobilização quase comparável às de 25 de janeiro que precipitaram a queda de Mubarak.
A praça voltou a se encher na sexta-feira, com um ingrediente a menos: a violência. Desde a semana passada, a repressão policial deixou um saldo de 40 mortos e milhares de feridos. Desta vez, só a arte capciosa com que a Irmandade Muçulmana embaralha as cartas conseguiu apaziguar a violência e, ao mesmo tempo, salvar as Forças Armadas de uma humilhação nas ruas ainda maior na jornada denominada “a sexta-feira da última oportunidade”. Mas o destino do gigantesco retrato de Mohamed Hussein Tantaui foi a melhor sondagem sobre o ânimo da população: os cairotas colocaram em uma placa de madeira o retrato de Tantaui e, como em uma procissão, insultos e cusparadas caíram todo o dia como golpes de faca no rosto do velho companheiro de armas de Hosni Mubarak.
Depois da primeira Revolução, de 25 de janeiro, a segunda, que começou no dia 18 de novembro, segue em pé sem que o poder militar tenha cedido no essencial: a postergação das eleições, a passagem do poder para um governo civil e a renúncia á intenção de introduzir por conta própria princípios supra-nacionais na futura Constituição, passando por cima do Conselho Constitucional que deve redigir a nova Carta Magna depois das eleições. Diante da pressão popular, o Marechal Mohamed Hussein Tantaui forçou esta semana a renúncia do governo e nomeou outro sobrevivente da era Mubarak a frente de um governo de emergência. Trata-se de Kamal-el Ganzuri, ex-primeiro ministro de 1996 a 1999. Segundo declarou, logo depois de ser nomeado, o Conselho Supremo das Forças Armadas (CSFA) outorgou-lhe “todas as prerrogativas” dentro deste “Governo de Unidade Nacional”.
A rua, porém, atrasou o exercício dessas “prerrogativas”: a primeira coisa que o povo fez foi bloquear a passagem da entrada da sede do governo. Kamal-el Ganzuri não conseguiu entrar em seu gabinete. Ao cair da noite de sexta, os acessos continuavam bloqueados pelos manifestantes: “é uma relíquia, uma garantia desgastada, que vá embora também”, gritavam as pessoas sob o nariz da polícia.
Com a certeza da vitória eleitoral, a Irmandade Muçulmana se aliou com a Junta Militar na reta final do processo e, com isso, abandonou as manifestações e os lugares estratégicos que tinha ocupado dentro da Praça Tahrir, tanto em janeiro como no 18 de novembro. A segunda Revolução egípcia foi lançada por eles, mas ontem a Irmandade não apareceu na praça. O grito da multidão, “abaixo a ditadura militar”, não contou com suas vozes.
A Irmandade Muçulmana já está contando os votos de amanhã, enquanto as pessoas se expõem nas ruas à terrível barbárie policial. A confraria religiosa caminha com um pé em cada caminho: não critica os manifestantes, pelo contrário, mas tampouco os apoia na rua com sua presença e seu estatuto de força social e política mais poderosa do país. O Islã político que representam se apoiou na mobilização popular em sua disputa interna com os militares. Foram eles que, no dia 18, convocaram a primeira manifestação na Praça Tahrir em protesto contra o projeto central da Junta: sob a nova Constituição, os militares não dependeriam do governo civil nem no plano político nem no orçamentário. A Irmandade lançou então a batalha e, quando melhor lhe conveio, se retirou da mesma.
No entanto, os jovens do movimento do 6 de abril e outros grupos de militantes laicos permaneceram ocupando a Praça Tahrir e assim nasceu a segunda Revolução: com balas reais, gases lacrimogêneos paralisantes, e surras policiais de uma crueldade medieval, mortos e hospitais improvisados construídos ao redor da praça, no pátio de uma esquina, no cruzamento das ruas. Há dois dias, a Irmandade Muçulmana montou uma estratégia para separar a polícia do povo ao longo da rua Mohamed Mahmud, o epicentro dos mais cruentos enfrentamentos entre manifestantes e policiais.
A rua é estratégica: por ali se tem acesso à Praça Tahrir e ao Ministério do Interior. Foi precisamente neste local que ocorreram as batalhas mais sangrentas que se possa imaginar. Na quinta-feira, um sólido grupo da Irmandade formou um cordão humano para separar policiais e manifestantes e essa astúcia permitiu que o Exército se interpusesse entre ambos com a construção de uma barricada de concreto armado.
Ao contrário da Irmandade Muçulmana, os salafistas (que advogam um Islã muito mais rigoroso) se aproveitaram do fervor revolucionário para pedir o fim da Junta. “Parece que não se lembram do que aconteceu em fevereiro. O povo derrubou Mubarak e esse mesmo povo colocará esse regime na rua e não permitirá que seja imposta uma Constituição alheia a sua escolha”, dizia aos gritos um salafista que falava em um microfone com os olhos exaltados. “Tantaui, o povo vai te decapitar”, gritava saltando com uma bandeira egípcia um grupo de jovens que entrava na Praça Tahrir”.
Os clamores da contra-manifestação organizada pelos adeptos do marechal não eram ouvidos. Alguns milhares de pessoas gritavam: “este é verdadeiro Egito e não o que está na praça Tahrir”. Mas a correlação de forças na praça era assombrosa. “Eles são mandados para cá para que saiam na televisão, mas não representam mais do que alguns policiais disfarçados de povo”, dizia com raiva um jovem cairota. Tinha um braço quebrado e o rosto ferido. Havia participado durante dois dias na ocupação da praça até que a polícia o tirou dali a pauladas. A dor dele era visível mesmo na sombra, mas ele estava ali presente de novo.
Os egípcios acabaram vendo os 20 membros do Conselho Supremo das Forças Armadas com um grupo de piratas que roubou o barco da Revolução de janeiro para ganhar poder e lucros. “Nos roubaram a Revolução e nossos sonhos, pisotearam o sangue derramado, não ouviram o anseio de um povo inteiro, mataram, reprimiram, cometeram crimes espantosos. Não tem perdão e não os perdoaremos”, disse com veemência Saad, um jovem também protagonista da primeira Revolução. Para Rami el-Souissy, líder do Movimento 6 de abril, a situação é muito clara: “Os militares entraram em um caminho sem saída, caíram em sua própria armadilha; ou saem do poder como exige o povo, ou o país se levantará de novo e haverá outro grande incêndio”.
Um dos imãs que falou sexta-feira na Praça Tahrir não fazia mais do que repetir: “a Junta só tem uma opção: ir embora e que em seu lugar assuma um governo de unidade nacional dotado dos poderes de um presidente”. Fato pouco comum nos lábios de um religioso, o grande imã da mesquita de Al-Azhar, o xeique Ahmed el-Tayyeb, fez chegar aos manifestantes uma mensagem dizendo que “rezava para a vitória”.
Para o Marechal Mohamed Hussein Tantaui, a sexta-feira foi um dia de más notícias. O povo continua ocupando a Praça Tahrir e, além do apoio da Irmandade Muçulmana, se atravessou a opção de Washington. A Casa Branca se meteu pela primeira vez na segunda Revolução mediante um comunicado onde a administração norteamericana contempla os argumentos do povo: “o novo governo egípcio deve estar imediatamente dotado de autoridade real (...) Acreditamos que uma transferência completa do poder a um governo civil deve ocorrer de uma maneira justa e responda às legítimas aspirações do povo egípcio tão logo seja possível”.
A rota de fuga apontada por Washington é clara, ainda mais que os EUA fornece ao Egito 1,3 bilhões de dólares anuais em ajuda militar. Neste complexo e instável terreno, o ex-diretor da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e prêmio Nobel da Paz, Mohamed el Baradei, parece ser quem mais tira proveito. Enquanto Tantaui e seu recém-nomeado primeiro ministro eram insultados em todos os tons, el Baradei foi aclamado como um herói quando ingressou na praça. Há alguns meses, Mohamed el Baradei, que também é candidato à presidência, era tratado com certo desprezo. Como há muito tempo não vivia no Egito foi chamado de “o estrangeiro”. Na sexta, foi aclamado como uma esperança cheia de legitimidade. “Ele não sujou as mãos com esse jogo”, comenta Hussein, um dos jovens que o aclamavam.
Tahrir é um lugar, ao mesmo tempo, trágico e mágico. Houve muitos mortos e feridos. Sofrimento extremo. Mas uma força coletiva transcende a tragédia e deixa intacta a magia. Daqui ninguém se move. O Cairo é como um beijo cálido. A noite já o envolveu. Envolveu tudo menos a combatividade e a convicção deste povo que desafia a repressão e a morte que espreita em cada esquina. Hazem tenta conter a emoção ao olhar a Praça Tahrir cheia de gente. Faz isso com esforço. Tem um olho vendado, dois dedos quebrados e várias luxações sérias herdadas da repressão policial dos últimos dias. Mesmo assim, veio para a praça: “para estar presente na construção do futuro, para ser mais. Meu povo já sofreu muito. A dor do meu corpo passará amanhã. Isso se decide hoje e é hoje que é preciso estar presente”.
Tradução: Katarina Peixoto
Milhares e milhares de pessoas voltaram a lotar a praça para exigir da Junta Militar, que governa o país desde a queda do regime de Hosni Mubarak, que transfira os poderes a um governo civil e que anule o processo eleitoral marcado para essa segunda-feira. Na quinta-feira, a Junta reafirmou que as eleições seriam realizadas segundo o calendário previsto. No dia seguinte, o povo respondeu com uma mobilização quase comparável às de 25 de janeiro que precipitaram a queda de Mubarak.
A praça voltou a se encher na sexta-feira, com um ingrediente a menos: a violência. Desde a semana passada, a repressão policial deixou um saldo de 40 mortos e milhares de feridos. Desta vez, só a arte capciosa com que a Irmandade Muçulmana embaralha as cartas conseguiu apaziguar a violência e, ao mesmo tempo, salvar as Forças Armadas de uma humilhação nas ruas ainda maior na jornada denominada “a sexta-feira da última oportunidade”. Mas o destino do gigantesco retrato de Mohamed Hussein Tantaui foi a melhor sondagem sobre o ânimo da população: os cairotas colocaram em uma placa de madeira o retrato de Tantaui e, como em uma procissão, insultos e cusparadas caíram todo o dia como golpes de faca no rosto do velho companheiro de armas de Hosni Mubarak.
Depois da primeira Revolução, de 25 de janeiro, a segunda, que começou no dia 18 de novembro, segue em pé sem que o poder militar tenha cedido no essencial: a postergação das eleições, a passagem do poder para um governo civil e a renúncia á intenção de introduzir por conta própria princípios supra-nacionais na futura Constituição, passando por cima do Conselho Constitucional que deve redigir a nova Carta Magna depois das eleições. Diante da pressão popular, o Marechal Mohamed Hussein Tantaui forçou esta semana a renúncia do governo e nomeou outro sobrevivente da era Mubarak a frente de um governo de emergência. Trata-se de Kamal-el Ganzuri, ex-primeiro ministro de 1996 a 1999. Segundo declarou, logo depois de ser nomeado, o Conselho Supremo das Forças Armadas (CSFA) outorgou-lhe “todas as prerrogativas” dentro deste “Governo de Unidade Nacional”.
A rua, porém, atrasou o exercício dessas “prerrogativas”: a primeira coisa que o povo fez foi bloquear a passagem da entrada da sede do governo. Kamal-el Ganzuri não conseguiu entrar em seu gabinete. Ao cair da noite de sexta, os acessos continuavam bloqueados pelos manifestantes: “é uma relíquia, uma garantia desgastada, que vá embora também”, gritavam as pessoas sob o nariz da polícia.
Com a certeza da vitória eleitoral, a Irmandade Muçulmana se aliou com a Junta Militar na reta final do processo e, com isso, abandonou as manifestações e os lugares estratégicos que tinha ocupado dentro da Praça Tahrir, tanto em janeiro como no 18 de novembro. A segunda Revolução egípcia foi lançada por eles, mas ontem a Irmandade não apareceu na praça. O grito da multidão, “abaixo a ditadura militar”, não contou com suas vozes.
A Irmandade Muçulmana já está contando os votos de amanhã, enquanto as pessoas se expõem nas ruas à terrível barbárie policial. A confraria religiosa caminha com um pé em cada caminho: não critica os manifestantes, pelo contrário, mas tampouco os apoia na rua com sua presença e seu estatuto de força social e política mais poderosa do país. O Islã político que representam se apoiou na mobilização popular em sua disputa interna com os militares. Foram eles que, no dia 18, convocaram a primeira manifestação na Praça Tahrir em protesto contra o projeto central da Junta: sob a nova Constituição, os militares não dependeriam do governo civil nem no plano político nem no orçamentário. A Irmandade lançou então a batalha e, quando melhor lhe conveio, se retirou da mesma.
No entanto, os jovens do movimento do 6 de abril e outros grupos de militantes laicos permaneceram ocupando a Praça Tahrir e assim nasceu a segunda Revolução: com balas reais, gases lacrimogêneos paralisantes, e surras policiais de uma crueldade medieval, mortos e hospitais improvisados construídos ao redor da praça, no pátio de uma esquina, no cruzamento das ruas. Há dois dias, a Irmandade Muçulmana montou uma estratégia para separar a polícia do povo ao longo da rua Mohamed Mahmud, o epicentro dos mais cruentos enfrentamentos entre manifestantes e policiais.
A rua é estratégica: por ali se tem acesso à Praça Tahrir e ao Ministério do Interior. Foi precisamente neste local que ocorreram as batalhas mais sangrentas que se possa imaginar. Na quinta-feira, um sólido grupo da Irmandade formou um cordão humano para separar policiais e manifestantes e essa astúcia permitiu que o Exército se interpusesse entre ambos com a construção de uma barricada de concreto armado.
Ao contrário da Irmandade Muçulmana, os salafistas (que advogam um Islã muito mais rigoroso) se aproveitaram do fervor revolucionário para pedir o fim da Junta. “Parece que não se lembram do que aconteceu em fevereiro. O povo derrubou Mubarak e esse mesmo povo colocará esse regime na rua e não permitirá que seja imposta uma Constituição alheia a sua escolha”, dizia aos gritos um salafista que falava em um microfone com os olhos exaltados. “Tantaui, o povo vai te decapitar”, gritava saltando com uma bandeira egípcia um grupo de jovens que entrava na Praça Tahrir”.
Os clamores da contra-manifestação organizada pelos adeptos do marechal não eram ouvidos. Alguns milhares de pessoas gritavam: “este é verdadeiro Egito e não o que está na praça Tahrir”. Mas a correlação de forças na praça era assombrosa. “Eles são mandados para cá para que saiam na televisão, mas não representam mais do que alguns policiais disfarçados de povo”, dizia com raiva um jovem cairota. Tinha um braço quebrado e o rosto ferido. Havia participado durante dois dias na ocupação da praça até que a polícia o tirou dali a pauladas. A dor dele era visível mesmo na sombra, mas ele estava ali presente de novo.
Os egípcios acabaram vendo os 20 membros do Conselho Supremo das Forças Armadas com um grupo de piratas que roubou o barco da Revolução de janeiro para ganhar poder e lucros. “Nos roubaram a Revolução e nossos sonhos, pisotearam o sangue derramado, não ouviram o anseio de um povo inteiro, mataram, reprimiram, cometeram crimes espantosos. Não tem perdão e não os perdoaremos”, disse com veemência Saad, um jovem também protagonista da primeira Revolução. Para Rami el-Souissy, líder do Movimento 6 de abril, a situação é muito clara: “Os militares entraram em um caminho sem saída, caíram em sua própria armadilha; ou saem do poder como exige o povo, ou o país se levantará de novo e haverá outro grande incêndio”.
Um dos imãs que falou sexta-feira na Praça Tahrir não fazia mais do que repetir: “a Junta só tem uma opção: ir embora e que em seu lugar assuma um governo de unidade nacional dotado dos poderes de um presidente”. Fato pouco comum nos lábios de um religioso, o grande imã da mesquita de Al-Azhar, o xeique Ahmed el-Tayyeb, fez chegar aos manifestantes uma mensagem dizendo que “rezava para a vitória”.
Para o Marechal Mohamed Hussein Tantaui, a sexta-feira foi um dia de más notícias. O povo continua ocupando a Praça Tahrir e, além do apoio da Irmandade Muçulmana, se atravessou a opção de Washington. A Casa Branca se meteu pela primeira vez na segunda Revolução mediante um comunicado onde a administração norteamericana contempla os argumentos do povo: “o novo governo egípcio deve estar imediatamente dotado de autoridade real (...) Acreditamos que uma transferência completa do poder a um governo civil deve ocorrer de uma maneira justa e responda às legítimas aspirações do povo egípcio tão logo seja possível”.
A rota de fuga apontada por Washington é clara, ainda mais que os EUA fornece ao Egito 1,3 bilhões de dólares anuais em ajuda militar. Neste complexo e instável terreno, o ex-diretor da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e prêmio Nobel da Paz, Mohamed el Baradei, parece ser quem mais tira proveito. Enquanto Tantaui e seu recém-nomeado primeiro ministro eram insultados em todos os tons, el Baradei foi aclamado como um herói quando ingressou na praça. Há alguns meses, Mohamed el Baradei, que também é candidato à presidência, era tratado com certo desprezo. Como há muito tempo não vivia no Egito foi chamado de “o estrangeiro”. Na sexta, foi aclamado como uma esperança cheia de legitimidade. “Ele não sujou as mãos com esse jogo”, comenta Hussein, um dos jovens que o aclamavam.
Tahrir é um lugar, ao mesmo tempo, trágico e mágico. Houve muitos mortos e feridos. Sofrimento extremo. Mas uma força coletiva transcende a tragédia e deixa intacta a magia. Daqui ninguém se move. O Cairo é como um beijo cálido. A noite já o envolveu. Envolveu tudo menos a combatividade e a convicção deste povo que desafia a repressão e a morte que espreita em cada esquina. Hazem tenta conter a emoção ao olhar a Praça Tahrir cheia de gente. Faz isso com esforço. Tem um olho vendado, dois dedos quebrados e várias luxações sérias herdadas da repressão policial dos últimos dias. Mesmo assim, veio para a praça: “para estar presente na construção do futuro, para ser mais. Meu povo já sofreu muito. A dor do meu corpo passará amanhã. Isso se decide hoje e é hoje que é preciso estar presente”.
Tradução: Katarina Peixoto
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